13/02/2009

Comunidades afetadas pela cadeia do alumínio protestam

Durante o Fórum, membros de comunidades impactadas por empreendimentos ligados à produção do alumínio expuseram os quadros de dificuldades que vêm enfrentando e exigiram providências da iniciativa privada e do poder público


Por Maurício Hashizume


Alumínio
Na semana em que a capital Belém recebia o Fórum Social Mundial (FSM) 2009, centenas de moradores de comunidades da região do Juruti Velho ocuparam a rodovia estadual PA-192 que liga a cidade de Juruti (PA) ao canteiro de obras montado pela multinacional Alcoa para o megaprojeto de extração de bauxita, matéria-prima do alumínio.


A ação direta buscou chamar atenção para os impactos socioambientais e para a dificuldade de acerto de compensações com a empresa. O projeto de exploração da maior produtora de alumínio do mundo em três platôs (Capiranga, Mauari e Guaraná) e inclui, além dos aparatos nas minas e nas unidades de beneficiamento, a construção de uma ferrovia de mais de 50 km e de um porto próximo à cidade para o escoamento do produto. Segundo a Associação Comunitária da Região do Juruti Velho (Acorjuve), 27 comunidades tradicionais já reconhecidas oficialmente vivem na área.


Representantes das comunidades citam reflexos problemáticos (confira nota assinada pelo Movimento Juruti em Ação e pela Via Campesina Pará) como: alterações no Lago Grande de Juruti Velho que dificultam a pesca e a navegação; a diminuição das coletas de frutos (castanhas, andirobas, bacabas, etc.) por causa do corte de árvores nativas (que estão sendo enterradas); e risco de acidentes na ferrovia que corta projetos de assentamento.


Outra reclamação aguda dos moradores diz respeito aos problemas decorrentes da migração induzida pelo empreendimento. Com a chegada de novos moradores, conflitos pela terra e por outros recursos se acirraram na área desprovida de estrutura. Da população por volta de 40 mil habitantes, cerca de cinco mil estão envolvidos nas obras da Alcoa.


Análise de Raimundo Cruz Neto, do Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular (Cepasp), revela que a extensão total da área de influência do projeto soma 656 mil hectares – 173 mil hectares de áreas de influência direta e 483 mil hectares de áreas de influência indireta. Nas áreas de influência direta vivem 15 mil pessoas em 55 comunidades nas beiras de igarapés e lagos. Só em Juruti Velho (ou Vila Muirapinima), que já foi sede do município, são dois mil habitantes, ancestrais dos povos indígenas Mundurucus e Muirapinimas. Também incluído na área de influência direta, o Projeto Agroextrativista (PAE) Juruti Velho, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), engloba nove mil moradores de 40 comunidades.


A reserva de bauxita de alta qualidade de Juruti possui cerca de 700 milhões de toneladas métricas. A produção inicial calculada pela Aloca chega a 2,6 milhões de toneladas métricas por ano. A conclusão da primeira fase de construção, que deve consumir US$ 1,8 milhão, está prevista para este ano. Por causa da crise, a sede da Alcoa nos EUA anunciou que deve demitir 13,5 mil funcionários (13% de seu quadro em todo o mundo) e extinguir 1,7 mil postos temporários. Contudo, os investimentos previstos para o Brasil (US$ 750 milhões), que contam com apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), não foram alterados. Pelo menos por enquanto, a empresa promete manter os seus 6,2 mil empregados em território nacional.


Protocolada em 2005 pelo Ministério Público do Estado do Pará (MPE-PA) e pelo Ministério Público Federal do Pará (MPF-PA), uma ação civil pública pede a anulação das licenças ambientais do projeto concedidas pela Secretaria do Meio Ambiente (Sema) do Pará sob a justificativa de que o processo apresentava lacunas graves.


Em 2007, sete representantes do MPE e do MPF chegaram a emitir uma recomendação à Sema para que as licenças concedidas à Omnia Minérios, subsidiária da Alcoa, fossem canceladas diante do risco iminente de conflito da região. O documento com 20 pontos críticos clamava para que o governo estadual impedisse a continuidade do projeto de extração de bauxita em Juruti – cassando as licenças prévias e de instalação concedidas em agosto de 2005, com anuência do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Coema) -, antes que impactos e compensações desconsiderados inicialmente fossem devidamente incluídos num novo EIA/Rima. À época, foram veiculadas inclusive denúncias sobre casos de contaminação da água por dejetos que poderiam ter conexão com um surto de hepatite viral em Juruti. A paralela e complexa disputa fundiária, que envolve uma ferrenho embate na Justiça, foi retratada ainda em 2007 por matéria do jornal Valor Econômico.


O recente protesto dos moradores de Juruti e Juruti Velho foi definido por representantes de organizações locais presentes no Fórum Social Mundial como “retomada”, sob o argumento de que a empresa mineradora é que chegou para explorar riquezas naturais num território já ocupado há séculos por povos tradicionais. A rodovia só foi desobstruída depois de uma reunião que durou horas puxada no último dia 4 de fevereiro por dois secretários estaduais – André Farias (Integração Regional) e Valmir Ortega (Meio Ambiente) -, com representantes do Incra, do Instituto de Terras do Pará (Iterpa), da prefeitura local, do MPE e do MPF juntamente com o presidente da Alcoa para América Latina e Caribe, Franklin Feder.


“Pela primeira vez sentaram-se em torno à mesma mesa, juntamente com lideranças das comunidades de Juruti Velho, os representantes dos governos federal, estadual e municipal e a Alcoa. Foi um avanço muito importante, sobretudo por ter sido uma reunião pacífica. E porque todos, Alcoa e representantes dos poderes instituídos, saíram do encontro com suas responsabilidades e prazos estabelecidos para daqui em diante, perante as comunidades”, reconheceu Franklin Feder.


Como parte do acordo, uma série de reuniões entre as partes para a definição de detalhes foi realizada nesta semana em Santarém (PA). “Devido às complexidades referentes à propriedade fundiária na região”, alega a Alcoa, “as autoridades governamentais devem decidir a quem e de que forma devem ser pagas essas indenizações”. “As grandes tensões sociais pré-existentes, decorrentes das múltiplas e históricas carências sócio-econômicas da região Oeste do Pará, desde o início da implementação do projeto têm levado um grupo de habitantes de Juruti Velho a enxergar na Alcoa a solução imediata dessas carências, exigindo da empresa investimentos e ações que não cabem a uma empresa privada e sim ao poder público”, completa a empresa.


De acordo com informações das secretarias estaduais envolvidas na negociação, um fórum permanente foi instituído e as reivindicações das comunidades que participaram da manifestação durante o FSM estão sendo atendidas. Faltaria acertar os detalhes de um termo de compromisso assinado pelos envolvidos que possa determinar a forma de pagamento da porcentagem de 1,5% sobre a exploração da lavra do minério, além de estabelecer prazos e metodologia para mensurar perdas e danos pelos anos de atuação da mineradora na região.


Haverá uma novo esforço de resolução de problemas na área fundiária por parte dos órgãos que têm essa atribuição (Incra e Iterpa) e, segundo a Sema, será feita também uma nova “releitura” dos impactos do projeto sobre a vida dos moradores de Juruti e Juruti Velho. Nesse tocante, devem ser negociados planos de controle ambiental e o pagamento pelo uso da água, além da preservação do Lago Grande de Juruti Velho, fonte de captação da água para a lavagem da bauxita e fundamental para a garantia do sustento das comunidades. Também está em discussão a viabilidade de uma unidade da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará (Emater-PA) no PAE Juruti Velho.


Em função dos problemas que novamente afloraram durante o Fórum Social Mundial, a Repórter Brasil encaminhou um conjunto de questões à Alcoa, que se pronunciou por meio de sua assessoria de imprensa. A empresa negou que haja poluição dos mananciais que afetam, por exemplo, o Rio Juruti, o Lago Jará e o Igarapé do Fifi. Conforme a Alcoa, medidas de conservação de solo e proteção dos cursos d´água (como a proteção de nascentes com barreiras físicas e a aplicação de uma manta de fibras naturais e biodegradáveis que serve para proteção do solo contra erosão) estão sendo aplicadas na mina de bauxita. A assessoria adiciona ainda que o processo de tratamento do esgoto sanitário da área do empreendimento é biológico: plantas aquáticas (macrófitas) ajudam a promover a remoção da matéria orgânica e reduzir organismos patogênicos residuais.


Segundo a assessoria, a companhia obteve autorização para desmatar 1,2 mil hectares na implantação do projeto. No entanto, 800 hectares foram efetivamente desmatados, isto é, 400 hectares de vegetação teriam sido poupados. A multinacional norte-americana sustenta que as mudas de castanheiras encontradas na área da mina de Juruti são resgatadas e reintroduzidas em ecossistema similar e que, para cada castanheira cortada, 20 novas mudas são plantadas.


A empresa afirma ainda que os moradores de áreas onde ocorreram prospecção, pesquisa e retirada da vegetação, foram indenizados. O valor pago aos proprietários de lotes da área do porto da Alcoa foi de R$ 4,025 por metro quadrado. Além do valor calculado da área, as benfeitorias foram recompensadas com pagamento adicional. No percurso da ferrovia, o cálculo da área foi realizado em hectares. A assessoria confirma que o valor pago foi de R$ 2.400,00 por hectare, o que equivale a R$ 0,24 por metro quadrado. Segundo a Alcoa, os valores pagos estão acima da média de avaliação oficial e do mercado e que as negociações foram “100% amigáveis”.


Entretanto, Raimundo Cruz, da Cepasp, conta que, das 420 famílias do Assentamento Socó I, apenas as 43 mais diretamente atingidas foram ressarcidas e que, durante a negociação, alguns chegaram a pedir que a empresa pagasse pelo menos R$ 3,00 por metro quadrado.

Moradores do Assentamento Socó I, adiciona a mineradora, contam ainda com a Matriz de Compensação Coletiva (MCC), que engloba 33 ações nas áreas de infraestrutura, meio ambiente, economia, educação e lazer benefícios oferecidos em compensação à implantação do projeto em Juruti. Além disso, afirma, comunidades locais participam dos Planos de Controle Ambientais (PCAs), que inclui a criação de peixes em tanques-rede e a capacitação para a produção agrícola familiar e a implantação de sistemas agroflorestais (SAFs). Há ainda um programa de valorização e revitalização do patrimônio cultural, com foco no artesanato, e o Programa de Desenvolvimento Comunitário Solidário de Juruti (Pajiroba), que atende cerca de 100 famílias.


A Alcoa declara ainda que alocou R$ 50 milhões na “Agenda Positiva”, em parceria com a Prefeitura de Juruti, para a melhoria da qualidade de vida da população local por meio do fortalecimento de políticas públicas. Fazem parte da agenda a conclusão de alojamentos para policiais, a reforma da delegacia e até a construção do Fórum e das residências oficiais para o juiz, o promotor e o defensor público. Um trabalho específico de sensibilização e diagnóstico para dar subsídios a um plano de segurança pública, tocado pelo Instituto de Estudos da Religião (ISER), teve início em outubro.


Também foi articulado o Conselho Juruti Sustentável (Conjus). Junto com um sistema de indicadores de desenvolvimento sobre a região mantido pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGVces) e um fundo financeiro (ainda não implementado), as três ações formam um tripé para buscar melhorias mais a longo prazo. A satisfação das comunidades em torno das ações pode ser comprovada, de acordo com a companhia, em pesquisa do Ibope: quase 90% da população têm uma atitude positiva para com o empreendimento da Alcoa.


Na avaliação do promotor Raimundo Moraes, do MPE, que acompanha o caso de Juruti, a Alcoa agiu com “afoiteza”, gerando “fricção com a sociedade”. Para ele, como a amplitude dos impactos não é geralmente contemplada em todo o seu alcance desde o licenciamento, grandes projetos como o de Juruti acabam impulsionando mais demandas que as previstas inicialmente. O número de atingidos supera as expectativas e a exigência por políticas públicas também aumenta na mesma proporção. Essa “diferença” dos “projetos que não pagam a conta que geram” acaba “sobrando” para o poder público, que invariavelmente não dispõe de capacidade para enfrentar os problemas.


A cadeia do alumínio se estende por diversas regiões da Amazônia. Indígenas de Oriximiná (PA) marcaram presença com mobilizações no FSM de Belém. Outro foco de impactos se encontra na área de Barcarena (PA), onde diversas grandes empresas como a Vale (Alubras e Alunorte) mantém usinas que recebem a bauxita. Durante o FSM, a situação crítica das comunidades de Barcarena também foi objeto de debates. As denúncias se repetem: aumento da população e das tensões provocadas pelo inchaço e pela marginalização, impactos socioambientais e respostas insuficientes.


Professor e liderança comunitária, Walmir Bastos destaca os problemas de contaminação diante da inexistência de um sistema adequado de saneamento básico. Os moradores da comunidade Boa Vista lamentam a poluição do Rio Mucurupi, infectado por dejetos. Eles dizem que viviam do camarão pescado e não podem mais tomar banho. Declaram ainda que são ameaçados constantemente por despejos e pistoleiros; reivindicam ainda os títulos das terras em que vivem há mais de 90 anos,


Na berlinda, a Companhia de Desenvolvimento de Barcarena (Codebar), criada em 1984 para executar e administrar as obras e serviços necessários para atender a população ligada ao complexo portuário-industrial, ligada ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), está em processo de liquidação.


Paulo Alberto Freire, liquidante da Codebar, admite que o objetivo histórico do órgão não foi cumprido. A companhia está, na definição dele, “emparedada” entre a ineficácia das políticas públicas e as reivindicações populares. A Codebar tenta leiloar áreas em Barcarena, mas ações do MPF na Justiça contestam a venda e exigem que os direitos das comunidades tradicionais sejam cumpridos. Paulo defende os leilões para o que a cidade seja “consumada”, ou seja, regularizada o mais rápido possível. “Ou aquilo se organiza, ou se consolidará como uma das maiores favelas da Amazônia”.


Durante o FSM, o Instituto Observatório Social (IOS) lançou estudo sobre a relação das quatro maiores empresas do setor de alumínio no Brasil (incluindo projetos em Barcarena e Juruti) com os respectivos sindicatos de trabalhadores. A pesquisa aborda práticas das empresas em assuntos relacionados aos direitos e princípios fundamentais no trabalho. Para a pesquisadora do IOS e coordenadora do estudo, Maria Lúcia Wilmar, os impactos sociais são fortes (em especial, a enorme expansão da população nas cidades e na pressão na infra-estrutura urbana) na instalação das empresas do alumínio, mas nos últimos anos “a sociedade está muito mais mobilizada e organizada para reivindicar das empresas medidas que atendam à comunidade e os trabalhadores”.


João Duberley Tavares, do Sindicato dos Químicos de Barcarena, salienta que o balanço retratado pela pesquisa do IOS ainda é muito desigual. “As empresas levam o alumínio para fora, e nós ficamos com os problemas ambientais e de saúde. Os problemas ficam para nós, sindicatos e governos, e as principais vítimas dessa produção são os trabalhadores. E esse é um desafio permanente para os sindicatos, que devem se preocupar com a saúde e a segurança de seus trabalhadores”, analisa.


Para além das fábricas, Barcarena assistiu a acidentes ambientais de grandes proporções nos últimos anos. O desalento pela contaminação, contudo, viabilizou algumas ações inovadoras. Por conta do rompimento de uma bacia de caulim, o MPE-PA firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a empresa Imerys que prevê que parte dos recursos da multa do vazamento seja utilizada para a capacitação dos representantes de movimentos sociais de Barcarena. Dessa forma, um programa de formação de dois anos está sendo desenvolvido para que os próprios grupos locais consolidem um fórum para dar mais concretude às suas reivindicações.


“Não é fácil acompanhar os impactos. Sem a sociedade, esse controle é ineficiente. O Estado sozinho não tem qualidade para acompanhar esse processo, que se dá de forma diluída, no cotidiano da localidade”, comenta Raimundo Moraes. A iniciativa, complementa o promotor, faz parte de uma estratégia para tentar tratar os problemas dos impactos socioambientais de forma mais ampla. Em confronto com a lógica do ressarcimento individual marcada pelo pleito por indenizações individuais, Raimundo defende a capacitação das organizações locais para que os moradores não sejam vítimas de cooptação (política e econômica) e lutem para garantir seus direitos. Um montante de R$ 500 mil ajuda a fortalecer o tecido social de Barcarena.


O ciclo de produção de alumínio que passa por Barcarena está diretamente ligado às minas de bauxita de outros pontos como Oriximiná e Paragominas. Além disso, a energia elétrica que permite toda essa produção de alumínio em Barcarena e em São Luís (MA), onde a Alcoa (Alumar) mantém uma refinaria, vem da Usina Hidrelétrica (UHE) de Tucuruí, barragem no Rio Tocantins, também no Pará. Trata-se de uma rede que passa por várias regiões e materializa produtos de exportação. “Alumínio é energia cristalizada. É um conglomerado mineral e de recursos naturais”, conclui o promotor.

Assim como a teia que viabiliza a produção econômica, o representante do MPE-PA defende uma aliança entre as comunidades de base das diferentes regiões da Amazônia que sofrem impactos com projetos de mineração para incidir com mais força no controle social e nas negociações.

Fonte: Repórter Brasil
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