28/01/2009

Indígenas são destaque na abertura do FSM 2009

Os mais de 1200 indígenas presentes ao Fórum Social Mundial 2009 foram o grande destaque do primeiro dia do evento que começou ontem, 27 de janeiro, e terminará dia 1 de fevereiro. A riqueza cultural dos povos do Brasil e América Latina presentes encantou as quase 100 mil pessoas de diversos países que participaram da marcha de abertura do FSM.


 


No início da tarde, à beira da baía do Guajará, os povos africanos fizeram um ritual para transmitir, simbolicamente, a sede do FSM, já que, em 2008, o evento aconteceu em Nairóbi, Quênia. Ao tocarem os tambores para Oxum, protetor das águas doces, o tradicional “toró” da tarde caiu forte para refrescar os participantes do FSM 2009 e marcar o início do marcha inaugural do evento. Após caminharem animados, por baixo da forte chuva, os participantes do FSM assistiram, ao final da passeata, a uma apresentação de danças tradicionais de mais de 20 povos indígena das América Latina. Enquanto a multidão se espalhou pela Praça do Operário, os indígenas foram os anfitriões e convidados de honra do evento. Um tratamento merecido, mas ao qual os povos não estão acostumados, nem mesmo na Amazônia.


 


Durante a apresentação, alguns problemas que afetam os povos da Abya Yala (América) foram lembrados. Romancil Creta, da Arpinsul, lembrou que os colonizadores expulsaram brutalmente os povos da região Sul e do Mato Grosso Sul de suas terras e que agora as terras da Amazônia também estão ameaçadas por predadores ambientais, pelo agronegócio e por grandes projetos. Marcos Apurinã, da Coiab, após a apresentação dos povos do Vale do Javari (AM) lembrou da grave situação que estes e os demais povos enfrentam na questão do atendimento à saúde.


 


Dentre os representantes de outros países, uma líder Quéchua conclamou todos os presentes para defenderem a mãe-terra, pois disso depende o futuro da humanidade. E ao fim das apresentações, Miguel Palacin, da CAOI, falou que a violência, a criminalização, o racismo e todas agressões que os indígenas sofrem devem acabar e, em vez disso, todos devem apoiar a efetivação dos Estados Plurinacionais, como já ocorre na Bolívia e no Equador.


 


Bandeira Humana


Na manhã de ontem, antes mesmo da passeata, os indígenas já haviam mandado seu recado ao mundo. Após uma caminhada pela Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), eles e outros presentes formaram uma enorme bandeira humana que convocou o mundo para salvar a Amazônia.


 


A proteção da região, cada vez mais ameaçada, é um dos principais temas em debate no FSM. Hoje, às 17h, na tenda dos Povos indígenas,  uma coalizão de entidades lançará a campanha Povos indígenas da Amazônia: presente e futuro da humanidade. Amanhã, às 8h30, na tenda dos Povos da Floresta, diversos povos debaterão os impactos que os projetos hidrelétricos podem causar aos povos indígenas da região. Dentre os povos ameaçados este tipo de empreendimento estão, os que vivem na região do rio Xingu (Pará) e do rio Tocantins (Tocantins).


 


 


“Povos das águas: preocupações e esperanças”



 


O semblante de José Carlos Arara, um representante do povo Arara nas regiões do rio Xingu que está participando do Fórum Social Mundial 2009 em Belém, expressa a seriedade que as discussões a serem realizadas entre 27 de janeiro e 1 de fevereiro, no Fórum Social Mundial 2009, significam para os povos indígenas do Brasil. José Carlos tem os olhos negros e compenetrados. Conversa com serenidade sobre a realidade que ameaça sua própria sobrevivência e a de seus parentes: a possível contrução da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, próximo à Altamira, no Pará. “Aqui a gente pode juntar forças e os parentes de outras regiões que enfretam problemas parecidos podem saber que não estão lutando sozinhos.”, afirma Carlos sobre as perspectivas de articulação com outros povos no encontro que ocorrem em Belém, Pará.


 


José Carlos pertence a uma das aldeias localizadas no rio Xingu e rio Abacajá que serão afetadas pela seca caso a hidrelétrica de Belo Monte seja construída. São cerca de duas mil pessoas que já vivem com uma infra-estrutura, que inclui postos de saúde, educação, e, no entanto, não aparecem nos estudos da Eletronorte como povos que serão afetados. Segundo Carlos, estes estudos apenas comsideram como afetados os povos que vivem nas regiões que serão alagadas.


 


A realidade dos povos do Xingu é uma das questões que os indígenas discutirão no FSM. Os povos indígenas brasileiros estão todos acampados na Escola Mário Barbosa, próximo à Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA). Maria José Tapuio, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), coordenadora do acampamento indígena, ressalta que “nosso objetivo aqui é discutir a questão da terra, educação, saúde e mostrar que nós existimos, porque ao mundo parece que nós não existimos. Queremos que o governo coloque em prática nossas reivindicações e que garanta que a natureza fique em pé, porque é dela que nós vivemos. Aqui no acampamento vemos a diversidade da natureza.”


 


O sorriso delicado e o requinte do artesanto com que Dona Isabel tece chapéus, bolsas e bijuterias, herança de seus ancestrais, com o capim dourado que se tornou conhecido como uma das belezas da região do Jalapão, camuflam a dor que a perspectiva da falta de água aflige Dona Isabel e as mulheres do povo Xerente. Sua aldeia vive em áreas do alto Tocantins e sofrera grandes impactos caso se construa a hidrelétrica do Estreito. Esta aflição que paira sobre seu povo é a razão de Dona Isabel declarar que “é melhor acabarem com todos nós de uma vez, jogando uma bomba, do que devagarinho. Porque, se a hidrelétrica estourar, vão morrer todos os índios.”

“As mulheres são quem sofrem mais”, afirma Dona Iraci Xerente, “porque a gente se preocupa mais com os filhos e com o futuro que vai ser muito ruim para a população ribeirinha e para os índios porque vivemos do rio.” Dona Iraci confessa que sente medo de comer bicho do mato por estarem intoxicados com veneno. “A barragem foi um sonho que passou por nós. Só vai servir pra quem tem negócio grande “, lamenta.

Fonte: Cimi
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