FSM 2009: no ritmo das águas
O previsível aconteceu. Choveu. No momento em que milhares de pessoas iam se aglomerando nas mediações da escadinha, no porto, até o terminal rodoviário, em Braz, numa extensão de mais de 6 mil metros, veio a “benção”,agradecimento da mãe terra conforme Librada, e quiçá de milhares de paraenses e gente do mundo inteiro. Era um pouco passado das três da tarde. Portanto dentro do horário da “chuva de inverno”, na região. Água torrencial, com alguns ventos sem exagero. Na medida, para tornar a passeata, um alegre ritual de corpos molhados, se movimento ao som dos mais diversos ritmos, do samba ao carimbo, do carnaval ao boi, do serimbó ao frevo.
Se a chuva fez alguns se encolherem e encostarem embaixo das maquizes e abrigos ao longo do caminho, para outros o ritmo do cair dos pingos da chuva embalou o animo dos tambores e corações alegres ou indignados. Se a chuva, tão previsível quanto o nascer do sol, desorganizou um pouco uma seqüência e harmonia politicamente costurada, por outro lado deu asas à criatividade. Os povos indígenas que deveriam estar no grupo da frente, acabaram chegando já quase no final da passeata que ia tomando conta da rua Presidente Vargas. Cientes de seu lugar apressaram, o passo mo meio da multidão e chuva, chamando atenção da imprensa e , finalmente acabaram chegando ao seu posto, sem ultrapassagens perigosas, mas despertando olhares curiosos com suas belas pinturas corporais e vistosos cocares e colares.
Talvez algumas imagens esperadas pela imprensa faminta, deixaram de acontecer sob a luz do sol. Em compensação os jornais deverão amanhecer com as imagens molhadas de corpos e corações embalados pelas águas que despencavam abundantes. Certamente muitos papeis ficaram ensopados, computadores discretos sob risco, vindos de outras lutas, como contou Fernando, máquinas fotográficas irrequietas experimentaram o carinho suave das águas que vão e voltam do coração da terra e da floresta, às nuvens pesadas no céu. Quem teve seu momento de desforra foram alguns vendedores de guarda-chuvas que passavam sorridentes pela multidão oferecendo o produto do momento. Mas não tiveram tanto êxito, pois a maioria mesmo era da teoria de quem está na chuva é pra se molhar.
Diante da esguia passagem dos indígenas, serpenteando pela multidão, ao ritmo dos tambores, alguém comentada: veja, estão mais leves, talvez tenham mais claro o caminho e onde querem chegar. É uma nova lógica, novos paradigmas, novos mundos que estão sendo construídos. Talvez seja a hora de mirar, entender e nos inspirar mais na sabedoria milenar desses povos,escutando sua palavra.
No Palco dos Povos
Depois de percorrer mais de seis quilômetros a multidão foi se apinhando em frente ao palco, onde estava prevista a grande manifestação da pluralidade dos povos nativos da terra. O tom, as cores e os ritmos foram dados por boa parte dos 390 povos indígenas amazônicos presentes ao Fórum Social Mundial, articulados pelas diversas organizações dos povos, por paises ou grandes regiões como a Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica-COICA, a Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica Brasileira – COIAB, Coordenadora Andina de Organizações Indígenas,dentre dezenas de organizações indígenas diretamente envolvidas na articulação da presença e participação indígena neste FSM, além das Américas, África, Índia e Europa.
Além das belezas e diversidade das danças, também houve fortes denúncias pelas violências que estão sofrendo os povos indígenas “selvagemmente” agredidos pelo atual modelo neoliberal e capitalista de desenvolvimento. Entre os momentos bonitos, dentro das contradições, ambigüidades, indignações e sonhos do novo mundo possível, foi entoado o hino nacional do Brasil em Kayapó, o chamamento de solidariedade ao povo palestino, pelo fim das guerras genocidas…
No palco dos povos, o movimento afroamericano deu seu recado através de um grupo jovens de vários estados nordestinos. Ao ritmo contagiante de várias músicas, a multidão apinhada vibrou. Outros setores importantes da luta do campo, dos ribeirinhos certamente terão seus espaços de manifestação durante os próximos dias do Fórum.
Nos diversos espaços dos pré-foruns inúmeras e fortes denuncias já foram feitas, como de um líder indígena norte americano, sobre os testes nucleares que são realizados em terras indígenas de seu país e líderes nativos do Norte da Índia, que qualificaram o atual modelo de desenvolvimento, como terrorismo.
Nesse grave momento de crise global, o Fórum Social Mundial se apresenta como um importante espaço de convergência das esperanças e experiências para as necessárias rupturas e mudanças para a construção desses novos mundos possíveis e inadiáveis.
Egon Heck – Cimi – Belém, 28 de janeiro de 2008