08/12/2008

Hidroelétricas do Complexo do rio Madeira, povos indígenas e mercúrio

 


        Nos, do Conselho Indigenista Missionário-CIMI Regional Rondônia e da Comissão Pastoral da Terra, denunciamos o impacto que as usinas hidrelétricas do Complexo  Madeira irão ocasionar à saúde e à vida de milhares de indígenas, ribeirinhos, seringueiros e quilombolas de toda abrangência da Bacia do rio Madeira e a omissão frente a situações levantadas em Audiência Pública em Porto Velho como a existência de índios isolados nos lugares atingidos diretamente pelas barragens, a contaminação pelo mercúrio que vai aumentar com a submersão de áreas de garimpo e a provável inviabilidade das usinas a médio prazo devido a acumulação dos sedimentos.


Lamentamos a ausência de Audiência Pública nos municípios que vão ser afetados como os de Guajará-Mirim e Costa-Marques e a ausência de consulta aos povos indígenas. Segundo o relatório da empresa vencedora, houve consulta e aprovação por parte de comunidades indígenas orowari de Guajará-Mirim. Entretanto, não é a opinião das lideranças que em julho passado na ocasião da VII Assembléia dos Povos Indígenas de Guajará-Mirim, indignadas com a má fé da empresa, desabafaram: “A empresa foi em nossa aldeia somente para falar das vantagens das barragens e dizer que não seriamos atingidos, não perguntou o que a gente achava!.” Isso é mais um motivo que deixa os indígenas em alerta, já que não é a primeira vez que eles foram enganados.


Os indígenas da etnia orowari (Pakaa Nova) já tiveram uma experiência amarga no ano de 1995 quando a FUNAI reduziu a terra indígena Karipuna, fato inédito se tratando de uma terra interditada; Com essa redução, o povo orowari perdeu 50.000 hectares de sua terra tradicional e os velhos choram ao ver as suas aldeias antigas transformadas em pastos. A Terra Indígena Karipuna “cotoco” foi demarcada e a FUNAI se comprometeu numa fiscalização permanente. O que houve foram 13 anos de roubo de madeira a grande escala, parando apenas nos dias de mega-operação; As inúmeras trilhas deixadas pelos madeireiros transformaram a parte sul da reserva Karipuna em verdadeiro “queijo suíço”.


A redução da terra indígena incentivou a abertura de estradas ilegais, resultando numa colonização desordenada e violenta com impacto nas terras indígenas da região. A exemplo disso, a migração de dezenas de milhares de operários em busca de um emprego na construção das usinas não ficará sem repercussão nas terras indígenas, uma vez que desempregados, eles buscarão meios de sobrevivência na região.


Uma outra preocupação é na área da saúde. Uma pesquisa da Fiocruz (Fundação Osvaldo Cruz) realizada na década de 90 por Elisabeth C. Oliveira Santos, hoje diretora do Instituto Evandro Chagas da Fundação Nacional de Saúde, em 910 indígenas de nove aldeias dos municípios de Guajará-Mirim e Nova Mamoré (RO) no vale dos rios Guaporé e Mamoré comprovou uma contaminação mercurial significativa. O artigo “Avaliação dos níveis de exposição ao mercúrio entre índios Pakaánova, Amazonia, Brasil” foi publicado na revista Caderno de Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Osvaldo Cruz, na edição de janeiro e feveiro de 2003.


 O estudo revela que o teor médio de mercúrio está 40% acima do limite tolerado pela OMS, que uma criança chegou a ter um teor 14 vezes acima do limite; que as duas aldeias onde há menor consumo de peixe, o teor de mercúrio é mais baixo, “o que sugere que o consumo elevado de peixe seja responsável pelo atual quadro de exposição ao mercúrio dessas comunidades.”; E. Santos explica que o mercúrio vem principalmente da atividade garimpeira da Bacia do rio Madeira e em menos quantidade do desmatamento que “contribui para a mobilização do mercúrio do solos para os ecossitemas aquáticos…”


A pesquisadora Elisabeth Santos conclui seu artigo recomendando a criação de programa de vigilância ambiental, bem como a realização de novas pesquisas para avaliar o processo de acumulação mercurial nessas populações. Até hoje, essas recomendações não foram colocadas na prática.


Nessas condições, nos preocupa a liberação de licença ambiental para as usinas de Santo Antônio e do Jirau que, ao represar o Madeira, vão ser responsáveis pela submersão de toneladas de mercúrio dos antigos locais de garimpo da margem direita do Madeira. O peixe contaminado pode percorrer milhares de quilômetros e ignora as fronteiras. Não somente os indígenas, mas toda população ribeirinha que tem o peixe como principal fonte alimentar será prejudicada. Alguns meses atrás, órgãos ambientais autorizaram dragas que exploravam o ouro no rio Madeira acima de Porto Velho a prosseguirem sua atividade, isso é mais um exemplo que demonstra a falta de compromisso com a saúde e o meio ambiente. O fato do leito do rio já ser contaminado pelo mercúrio não justifica a continuação do erro.


Quando é que o Brasil vai deixar de ser o lixo dos paises da Europa fabricando e vendendo alumínio a qualquer custo ambiental e sanitário? De um lado, a União Européia protege seu meio ambiente ao ponto de proibir os caçadores o uso de cartuchos com chumbo para atirar patos que voam acima de lagoas; como o descumprimento da lei gere uma multa alta, os caçadores de patos se vêem obrigados a comprar cartuchos não poluentes, 10 vezes mais caros. Por outro lado, o Brasil está pronto a construir barragens que vão inundar toneladas de mercúrio para produzir energia que será usada principalmente na fabricação de alumínio, que na sua maior parte será exportado. Não seria agora a hora de avaliar o custo verdadeiro da energia e do alumínio, sendo que o mercúrio levará centenas de anos para ser absorvido do fundo do leito do rio, afetando inúmeras gerações.


Os efeitos nocivos do mercúrio sobre a saúde são gravíssimos; o metal afeta os órgãos vitais, principalmente o cérebro; prejudica o feto, mesmo quando a mãe não apresenta sintomas; o efeito cancerígeno é conhecido e por sinal, a incidência de câncer na população indígena e ribeirinha está aumentando de forma alarmante sem que haja outro fator determinante.


Portanto, solicitamos que parem todos os empreendimentos e a entrega de licenças enquanto não forem realizados estudos aprofundados em relação à contaminação pelo mercúrio e que hajam soluções aceitas por ambas as partes. Audiências Públicas e Estudos de Impacto Ambiental devem ser realizados em todos os municípios da abrangência da Bacia do rio Madeira.  Povos Indígenas e Quilombolas devem ser consultados de verdade, como lhes é assegurado na Constituição Federal. A FUNAI deve tomar as devidas medidas em relação aos Povos Indígenas em situação de isolamento e de risco. Estudos científicos independentes sobre os sedimentos e a viabilidade das Hidrelétricas a médio prazo devem ser levados em conta.


E acima de tudo, pedimos aos órgãos governamentais objetividade e transparência. Se os resultados das pesquisas que deverão ainda ser realizadas forem ao encontro daquilo que foi planejado, esperamos que as autoridades tenham a coragem de voltar para trás pelo bem do povo brasileiro, da nação brasileira e da humanidade.


 


05 de dezembro de 2008


 


CIMI- RO (Conselho Missionário Indigenista)


CPT RO (Comissão Pastoral da Terra)

Fonte: Cimi Regional RO
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