13/10/2008

Carta de repúdio aos ataques contra o povo quilombola

O povo quilombola vem sofrendo graves ataques e perseguições das mais diversas formas, promovidos pelo Governo brasileiro que prioriza os interesses do Agro-hidronegócio que veio para massacrar os Povos e Populações Tradicionais, entre eles os Afro-descedentes. Através da Advocacia Geral da União (AGU) retiram direitos, afrontam o decreto 4887/2003, a convenção169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a serviço dos latifundiários e das grandes empresas Multi-Multinacionais.


Como se não bastasse a produção de eucaliptos nos estados de Espírito Santo, Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro; a produção de soja em vários estados brasileiros; a transposição das águas do Rio São Francisco; as construções de grandes barragens em vários estados brasileiros; a construção do gasoduto no Espírito Santo; concessão de terras para expansão do agro-negócio no Norte do Brasil e o descaso com os quilombolas da Marambaia-RJ e de Alcântara -MA. O decreto nº 4887/03, que trata da regulamentação das terras de Quilombos, está sendo atacado no Congresso Nacional pela bancada ruralista, representada pelo partido dos Democratas (Dem),numa Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), onde é defendida a necessidade de uma lei disciplinando o artigo 68 do ADCT e também representada pelo Deputado Federal do PMDB de Santa Catarina, Valdir Colatto, que entrou com o Projeto de Decreto Legislativo propondo a sustação do Decreto 4887/2003.


Este mesmo grupo também defende a não aplicabilidade da Convenção 169 da OIT que trata dos povos indígenas e tribais e são contrários a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, com texto que trata da regularização fundiária dos territórios de quilombos, ou seja, todos os instrumentos legais que beneficiam a nossa luta estão passando por um processo muito forte de perseguição. Na maioria dos Territórios Quilombolas a efetivação das políticas tão divulgadas no Programa Brasil Quilombola e, mais recentemente, na Agenda Social Quilombola, são uma precariedade a exemplo da saúde, educação, acessibilidade (estradas de acesso), geração de trabalho e renda, e principalmente a regularização dos territórios Quilombolas.


Para o Movimento Quilombola existem atualmente mais de 3.000 comunidades quilombola nos mais diversos processos. Desde a promulgação da Constituição federal em 1988, O Cadastro Geral de Remanescentes das Comunidades dos Quilombos – sob responsabilidade da Fundação Cultural Palmares, entidade vinculada ao Ministério da Cultura – registra a existência de apenas 1.228 comunidades quilombolas. Até junho de 2008, apenas 143 comunidades quilombolas haviam recebido o título de propriedade de seu território. Esse número representa apenas 12% do total de comunidades até agora catalogadas pela Fundação Cultural Palmares e nem 5% da totalidade estimada pelo movimento social, indicando que a atuação governamental ainda está muito aquém do necessário para garantir o direito à terra, previsto nos artigos 13 e 14 da Convenção -169 da OIT.


Com o argumento de defender a manutenção do decreto 4887/2003, o governo formou um grupo de trabalho para alterar a Instrução Normativa de Nº 20. De acordo com a Convenção 169 da OIT é obrigatória a consulta de boa fé aos quilombolas com o objetivo de haver consentimento, antes da efetivação de qualquer ação que venha a afetar seus espaços, suas culturas, seu modo de viver e fazer nos seus territórios. Ocorre que nunca fomos consultados sobre a maioria das ações acima mencionadas, com exceção da alteração da Instrução Normativa em que o governo ensaiou uma consulta que não podemos considerar legal, pois já recebemos o documento pronto e tivemos apenas três dias para ouvir a apresentação do documento pelo governo e colocar os nossos questionamentos.


Nesta consulta percebemos que as propostas de alteração dos artigos da IN retrocedem absurdamente quanto à efetivação dos direitos quilombolas. Por isso não houve consentimento da nossa parte na maioria das alterações e segundo o GT aquele documento seria encaminhado para o Presidente da República dar o veredicto final. Não entendemos como o governo estava tão preocupado e apressado em alterar a IN do Incra, pois a consulta foi realizada em abril de 2008 e só agora em 19 de setembro de 2008 teve a aprovação do presidente Lula. Mesmo assim, sem levar em consideração as nossas discordâncias, o que torna o documento ilegal, pois não houve acordo sobre a maioria dos pontos aprovados na alteração da IN 20.


Por entender que a nova IN fere profundamente os nossos direitos garantidos na convenção 169 da OIT – em especial o princípio da boa-fé, centrando fogo no recuo em relação ao conceito de território, auto-identificação, e supressão da competência do INCRA, previstas no decreto 4887/2003 – encaminhamos em 01 de setembro de 2008 uma comunicação à OIT manifestando a nossa insatisfação e sugerindo uma série de recomendações. O que mais chama a atenção é que todo esse retrocesso, com os argumentos de estar defendendo a manutenção do decreto 4887, não impediu a pressão da bancada ruralista para a aprovação dos projetos de lei e da ADIN, que continuam tramitando no Supremo Tribunal Federal, podendo ser votadas a qualquer momento.


Nós queremos apenas usufruir dos espaços que os nossos ancestrais conquistaram a custa do seu suor e do seu sangue derramado nas duras batalhas para defender um futuro digno para os seus descendentes. Diante do exposto, conclamamos a todos os segmentos defensores das causas dos oprimidos que apóiem a nossa luta nas reivindicações que se seguem:


– Que o Presidente da República respeite as posições dos quilombolas que rechaçaram as propostas de alterações feitas pelo governo. Para que a consulta fosse considerada de boa-fé, nos moldes da


OIT, somente os pontos consentidos pelos quilombolas deveriam ser alterados;


– A urgência na realização de uma audiência do Presidente Lula com reprentantantes da CONAQ e com as representações estaduais dos quilombolas, dando as condições necessárias para que haja de


fato a participação dos quilombolas, os maiores prejudicados;


– Aplicabilidade da Convenção 169 da OIT em todos os atos que causem impactos na vida dos quilombolas;


– A imediata aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, conforme a redação aprovada no Senado Federal;


– A manutenção da constitucionalidade do Decreto 4.887/2003;


– Que os Deputados, Senadores e o Supremo tribunal federal Rejeitem os Decretos Legislativos Nº 44/2007 do (Deputado Valdir Collato do PMDB SC) e ação de inconstitucionalidade (PFL atual


Democratas) contra o decreto 4887/2003;


– Que o Governo Federal acate as proposta apresentadas pelos quilombolas na alteração da IN 20/2005 do Incra apresentadas na Consulta Pública realizada em abril de 2008;


– Imediata agilidade nos processos de identificação, reconhecimento, demarcação e titulação dos Territórios Quilombolas;


– Desburocratização do acesso às políticas públicas, em especial às divulgadas na Agenda Social Quilombola e no Programa Brasil Quilombola, priorizando de fato as organizações quilombolas; e


– Que o governo priorize a criação de programa de estado, ao invés de programa de governo, que venha beneficiar os quilombolas.


9 de outubro de 2008


ASSINAM ESTE DOCUMENTO AS SEGUINTES ORGANIZAÇÕES E PESSOAS:


Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais


Agentes de Pastoral Negros do Brasil.


Associação Nacional de Ação Indigenista


Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Rio de Janeiro


Associação dos Agricultores e das Agricultoras Familiares do Sítio Poço Verde


Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais da Bahia


Associação Quilombola de Conceição das Crioulas


Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva


Centro de Cultura Luiz Freire


Coordenadoria Ecumênica de Serviço


Centro pelo Direito à Moradia Contra Despejos


Comissão Pró-Índio de São Paulo


Comunidade Ango Congolesa no Brasil


Coordenação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Mato Grosso do Sul


Federação das Associações das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio Grande do Sul.


Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais – N´golo


Grupo de Trabalho sobre Regularização de Territórios Quilombolas de Minas Gerais


Instituto de Assessoria as Comunidades Remanescentes de Quilombo


Justiça Global


KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço


Movimento Nacional de Direitos Humanos


Movimento Negro Unificado- Brasil


Movimento Negro Unificado – Maranhão


Movimento Negro Unificado de Santa Catarina


Rede Social de Justiça e Direitos Humanos


Sindicato dos Servidores Federais/ RS


Terra de Direitos


Pastor Ervino Schmidt – Presidente do CONIC-RS

Fonte: Justiça Global
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