Carta de reivindicação e protesto da aldeia Varinawa – Povo Katukina (Acre)
Nós, Katukina da Aldeia Varinawa, localizada às margens da BR
Na Aldeia Varinawa há 89 pessoas e os jovens e crianças representam a maioria. É no futuro delas que pensamos a cada dia. Nossa situação torna-se cada vez pior, pois não há como sustentar nossas famílias contando apenas com que a natureza de nossa área pode oferecer. Por ficar às margens da BR 364 e cercada por fazendas e assentamentos do INCRA, a nossa terra já não tem mais condições de garantir uma sustentabilidade para o nosso povo. A caça está cada vez mais difícil e, além disso, muitos não índios dos assentamentos vizinhos, caçam com cachorro em nossa área, espantando e acabando com as poucas caças que ainda restam. Não podemos também nos alimentar de peixe, pois em nossa área, não há rio que nos ofereça tal alimentação. Nesta época do ano, nossos igarapés estão todos secos e suas poucas águas apresentam um risco para nossa saúde, muitas de nossas crianças apresentaram coceiras de pele, por terem se banhado nessas águas.
Quando nossa terra foi demarcada, havia apenas 90 índios na localidade, hoje somos 548 pessoas (cinco aldeias) e já não podemos nos sustentar conforme nosso costume. Nossa área tornou-se muito pequena e os recursos, insuficientes. Mesmo havendo algumas pessoas empregadas e outras aposentadas em nossa aldeia, nossa renda ainda fica abaixo da linha de pobreza. Temos 5 pessoas que trabalham e cada uma recebe um salário mínimo. Temos também 6 pessoas aposentadas, onde cada uma recebe um salário. Somando estes valores e dividindo pelos 89 membros de nossa aldeia, vimos que nossa renda mensal familiar fica muito abaixo de cinqüenta reais. Cada membro de nossa aldeia tem que sobreviver apenas com menos de dois reais por dia, fato impossível, já que temos muitos casos de doenças regionais como malária, por exemplo, e outras doenças deste período, como gripes e viroses. Os gastos ultrapassam nossas condições, sem contar que temos outras necessidades.
Portanto, não suportamos ver nossa gente passando fome e não ter de onde tirar o sustento de cada dia, por isso, pedimos que os órgãos competentes, tomem conhecimento de nossa realidade e que realmente alguma coisa seja feita a nosso favor. Estamos cansados de viver nessa situação e vendo que as coisas a cada dia estão piorando, o trafego de carros e pessoas na BR 364 só se intensifica a cada dia, o que nos deixa preocupados, pois nossas crianças não têm mais espaço para brincar e nem mais a liberdade de poderem estar livremente indo e vindo de uma aldeia para outra como vivíamos antes, porque não sabemos quem passa em nossa terra.
Assim sendo, nós Povo Katukina da Aldeia Varinawa, preocupados com nossos filhos, e pelo fato de não vermos outra saída, decidimos que vamos retomar uma comunidade onde antigamente já foi nossa terra, que está localizada as margens do rio Liberdade. Essa comunidade não está sendo habitada por ninguém, pois estivemos lá e inclusive já conversamos com o senhor Chico Genor (presidente da reserva extrativista). É também um lugar onde houve o nosso primeiro contato com os brancos, fato comprovado pelos estudos da antropóloga Edilene Cofacci, de antigos missionários católicos e também por antigos moradores da região.
Estamos cansados de viver às margens da BR 364, queremos livrar nossas crianças dos riscos de atropelamento, seqüestro e da falta de condições de vida. Não suportamos mais viver com a falta de privacidade e segurança em nossa aldeia. Temos que dormir trancafiados, pois a qualquer hora pode chegar alguém inesperado e nos roubar, ou mesmo, nos fazer mal. Além da falta de alimentação, temos que conviver também com o medo. Não queremos que o nosso povo continue nessa situação. Queremos ainda afirmar que também estamos inconformados com a passagem de muitas pessoas estrangeiras e de outros Estados, em nossas aldeias, que entram em nossas localidades sem nenhum entrave ou conhecimento das autoridades competentes. Eles roubam nossa medicina tradicional e vendem no estrangeiro a preço de dólar. Levam nosso conhecimento e o nosso povo nada ganha com isso. Por isso, queremos mudança e melhoria.
A área que estamos almejando fica à margem do Rio Liberdade entre o igarapé Miolo e o igarapé Forquilha. Partindo da ponte do Rio Liberdade (BR 364) que fica a três horas de barco rio acima à margem esquerda. Ali se encontram os cemitérios de nossos ancestrais, capoeiras de antigas aldeias e também é comum encontrar objetos produzidos pelo nosso povo (cerâmica). Em visita a essa área, vimos que é uma terra boa para o povo da Aldeia Varinawa viver. Ela apresenta as condições necessárias para o nosso sustento. Por isso, pedimos que as autoridades competentes nos forneçam as devidas informações sobre esta área e qual sua situação no momento. Aquela área nos pertence por direito e muito mais agora por necessidade. Pedimos também, a presença de um antropólogo em nosso meio para nos assessorar na busca dessa terra. Queremos preservar nossos costumes e não almejamos adquirir a prática do homem branco. Não queremos ser diaristas ou trabalhar em colônias ou fazendas da região. Nossos pais e avós sofreram muito trabalhando na derrubada e abertura da “estrada dos pobres” (BR 364) como diziam antes, que a BR era que iria trazer benefício para os pobres. Hoje sofremos as conseqüências da falsa promessa. Somos humilhados a cada dia por quem passa na BR, muitos de forma preconceituosa nos repugnam. Isso é um desafronto ao nosso povo e a nossa cultura. Somos dignos e temos orgulho de ser índio, por isso, queremos viver da terra e respeitá-la.
Não queremos tirar nada de ninguém, mas queremos viver com mais tranqüilidade. Infelizmente os projetos implementados em nossa terra não tem atendido nossas necessidades enquanto povo indígena que tradicionalmente vive com e dos recursos naturais da nossa mãe terra.
Confiantes, aguardamos das autoridades e órgãos competentes, as devidas providências, e desde já apresentamos aqui, o apelo e o protesto da Aldeia Varinawa.
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Nildo Alves Nascimento Katukina – Cacique