Julgamento sobre terras dos Pataxó Hã-hã-hãe deve ocorrer dia 24 de setembro
A comunidade Pataxó Hã-Hã-Hãe no sul da Bahia, aguarda com muita apreensão e expectativa o julgamento da Ação Ordinária de Nulidade Títulos Imobiliários (ACO n. 312-BA), que se encontra no Supremo Tribunal Federal (STF) há 26 anos, e que finalmente deve ser julgada no próximo dia 24 de setembro de 2008.
A morosidade da justiça em decidir a questão durante todos estes anos (26 anos) causou muita indignação e revolta não só aos índios, mas, sobretudo, àqueles que primam pelo bom senso da justiça. Na verdade, essa demora contribui para legitimar a cada dia a posse ilegal dos invasores, representando mais uma violência praticada pelo poder público contra os Pataxó Hã-Hã-Hãe. Não resta dúvida de que o poder político-econômico estabelecido na região sul da Bahia conseguiu protelar a decisão judicial e legitimar o ato de grilagem. Igualmente isso causa indignação e fere os princípios da justiça. A atual Constituição Federal, no art. 231, parágrafo 4º, estabelece que as terras indígenas “são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis”; o parágrafo 6º determina que “são nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo…”….
Esta morosidade da justiça e a impunidade estabelecida na região revelam uma cronologia de terror que, nos últimos anos, tomou proporções alarmantes, custando a vida de muitas lideranças indígenas e deixando seqüelas irreparáveis na vida desse Povo.
Nesse cenário dantesco, difícil é destacar os casos mais cruéis. Entretanto, nesta tentativa, citamos:
· Em 1983, assassinato do indígena Antônio Júlio da Silva, atingido com um tiro na cabeça, por pistoleiros mandados pelo fazendeiro Marcus Wanderley.
· Em junho de 1986, uma emboscada deixa gravemente feridos os indígenas Antônio Xavier (10 tiros), Anivaldo Calixto (01 tiro no peito), Enedito Vítor (02 tiros) e Leonel Muniz (01 tiro).
· Em novembro de 1986, a aldeia São Lucas é invadida por pistoleiros e soldados da Polícia Militar, fortemente armados. São assassinados os indígenas Jacinto Rodrigues e José Pereira. Uma criança recém-nascida também morre no conflito quando sua mãe fugia pela mata para se esconder dos tiros.
· No dia 29 de março de 1988, é encontrado morto o indígena Djalma Souza Lima, depois de ter sido seqüestrado na aldeia. Seu corpo apresentava vários sinais de tortura: unhas, dentes e couro cabeludo arrancados, castrado e com queimaduras em várias partes.
· No final de 1988, no dia 16 de dezembro, é brutalmente assassinado o líder Pataxó Hã-Hã-Hãe João Cravim, aos 29 anos de idade, casado e pai de três filhos, numa emboscada que liga a aldeia à cidade de Pau Brasil – BA.
· Nove anos depois, no dia 20 de abril de 1997, o irmão de João Cravim, Galdino Jesus dos Santos, é queimado vivo em Brasília por cinco jovens da classe média/alta, enquanto dormia numa marquise de ônibus. Galdino estava com um grupo de lideranças, cobrando da Justiça providências para regularização de suas terras. O crime que chocou o país, até hoje clama por justiça. Antes de entrar em coma, Galdino perguntou repetidas vezes: “Por que fizeram isso comigo?”
· No dia 02 de janeiro de 2002, Milton Sauba é assassinado em frente ao seu filho, quando saiam para retirar leite no curral da fazenda que estavam ocupando, todos sabem que são os culpados, mas nenhuma providência até o momento foram tomadas;
· No dia 18 de julho de 2002, o índio Raimundo Sota é brutalmente assassinado em uma tocaia ao lado de sua casa. Raimundo já havia denunciado há alguns dias que vinham sendo ameaçados por pistoleiros a mando dos fazendeiros da região. Três dias antes do seu assassinato, houve uma tentativa de homicídio que deixou ferido o índio Carlos Trajano, com cerca de 15 balas.
· No dia 19 de maio de 2007, o indígena Aurino Pereira dos Santos, 40 anos, casado, foi assassinado a tiros em uma tocaia na região do Taquari, município de Pau Brasil. O índio Aurino era participante ativo desse processo de luta do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe pela recuperação do seu território, participando ativamente de varias retomadas, inclusive na região onde foi assassinado, onde de dirigia a retomadas mais recentes na região do Taquari e Braço da Dúvida.
Mesmo com todo este quadro de violência o povo Pataxó Hã-Hã-Hãe continua acreditando na Justiça e aguarda que todos os criminosos sejam punidos, e que finalmente as suas terras lhes sejam devolvidas, acabando assim com todo o sofrimento vivenciado por esta comunidade. E que finalmente possam viver como filhos de Deus na sua “Terra sem Males”.
É bom ressaltar que ao longo destes anos, a FUNAI já realizou vários levantamentos fundiários, tendo pago indenizações pelas benfeitorias de boa-fé à maioria dos proprietários/possuidores. Uma minoria destes – os réus da presente ACO – 312-BA –, no entanto, não reconhece a terra como indígena ou discorda do valor proposto pela FUNAI. E, apesar de serem minoria, as áreas por eles ocupadas correspondem à maior parte da TI Caramuru – Catarina – Paraguaçu.
O dia 24 de setembro de 2008, será uma ótima oportunidade para que a sociedade possa pagar a sua dívida histórica que tem com os Pataxó Hã-Hã-Hãe, que ao longo dos séculos foram tão esbulhados dos seus direitos e mais recentemente como percebemos na cronologia de violência apresentada acima, tão violentados. A equipe Itabuna, do Conselho Indigenista Missionário ver esta oportunidade como uma luz, que não pode ser contida ao amanhecer, e assim ressurgir a esperança dos Pataxó Hã-Hã-Hãe, maltratados, violentados, esbulhados, mas resistentes e conscientes de seus direitos. Eles nos oferecem uma nova chance de valorizar a vida, a resistência, a diversidade cultural, mas se quisermos, podemos manter nossos olhos fechados, privando nosso espírito de desfrutar da beleza das cores, das formas, das diferentes maneiras de pensar e de viver.
Itabuna, 03 de setembro de 2008.
Conselho Indigenista Missionário