30/06/2008

Indígenas e prisões no Mato Grosso do Sul

 



 


“Nós não queremos continuar enchendo a prisão dos brancos com índios”.


(Liderança Kaiowá Guarani)


 


“Espanta-me que deputados dizem que aqui o secretário é sério, o promotor é serio, o juiz é sério. Então como deixaram os presos dormir com porcos? Não me convencem”.


(Dep. Domingos Dutra, relator da CPI do sistema carcerário – O Estado do MS, 26/06/08)


 


Em nota paga nos jornais de Mato Grosso do Sul, o governador André Puccinelli (PMDB) procura se eximir da culpa pela caótica situação da criminalização de indígenas dizendo que “Os problemas graves encontrados pela CPI do Sistema Carcerário em Mato Grosso do Sul são de inteira e total responsabilidade do governo anterior”. Dentre os 32 indiciados no relatório, estão o atual secretário de Justiça e de Segurança do Mato Grosso do Sul.


 


Índios presos


O Mato Grosso do Sul é o estado que tem mais índios presos. Conforme recente relatório de pesquisa feita pela Universidade Dom Bosco e o Centro de Trabalho Indigenista – CTI, estão atualmente em torno de 200 índios nos presídios e delegacias do estado. Na Audiência Pública realizada no Senado Federal, no dia 26 de junho foi denunciado que: “Um levantamento realizado durante 16 meses, entre janeiro de 2007 e abril deste ano, em Mato Grosso do Sul pela organização não-governamental Centro de Trabalho Indigenista (CTI) revelou que cerca de 100 índios de várias etnias foram condenados pela Justiça do estado e estão presos sem ter podido aproveitar adequadamente o direito de defesa. Segundo o CTI, outros 200 indígenas estão detidos em delegacias e penitenciárias sem acusação formal do Judiciário”. (Correio Brasiliense 26/06/08).


 


Por ocasião do seminário realizado em Campo Grande sobre esse tema, no mês passado, com a presença de grande número de lideranças indígenas, ficou evidenciado que essa é mais uma das conseqüências brutais do confinamento, especialmente da população Kaiowá Guarani.  E a questão se apresenta ainda mais assustadora quando vemos crescer a violência e os assassinatos. Cada assassinato faz com que mais dois ou três índios sejam levados às prisões da região.


 


Outro dado revelado pelos pesquisadores foi o rápido crescimento do número de índios presos. No presídio de Amambaí, no inicio da pesquisa, foram encontrados menos de dez índios presos. Já na visita no final de 2007, havia ali mais de 40 índios presos. No presídio de Dourados o número chegava em torno de 70 Kaiowá Guarani presos.


 


Somando-se a isso a quase total ineficiência da Funai na defesa e acompanhamento aos índios presos, vemos que esse é mais um dos calvários enfrentados pelos povos indígenas no estado.


 


Militarização da Funai?


Nos últimos meses tem voltado ao noticiário as articulações e violências em decorrência da administração regional do Cone Sul, da Funai. Um grupo de indígenas de Dourados e de Amambaí insistem em tirar a atual administradora regional Margarida Nicoletti. Não cabe aqui debater as razões alegadas, pois elas estão imbricadas na complexidade extrema das disputas de interesses, internos e externos.


 


Porém duas coisas são preocupantes neste episódio em curso. A primeira é a proposta do nome do policial militar Terena, Waldison Francisco, para a administração regional. Ainda estão presentes na memória dos povos da região as cruéis conseqüências da Funai militarizada, especialmente na década de 70, durante a ditadura militar, em que o presidente da Funai era um general, o delegado regional, um oficial militar e o chefe de posto um policial militar. Esse esquema gerou um processo repressivo e criminalizador do movimento indígena e de suas lideranças.


 


Outro fato preocupante é que tudo isso se dá exatamente no momento em que os Grupos de Trabalho da Funai deveriam estar iniciando os trabalhos de identificação de 36 terras indígenas, conforme o Termo de Ajustamento de Conduta, assinado pelo presidente da Funai, Ministério Público e lideranças indígenas. Nunca é demais lembrar que tanto no Incra, quanto no Ibama, interesses políticos e econômicos já conseguiram colocar pessoas afinadas com o governo do estado, que por sua vez dá total apoio ao agronegócio e à implantação de usinas de cana de açúcar. Enquanto a identificação das terras vai sendo protelada, o agronegócio e os fazendeiros realizam a contratação de escritórios de advocacia para trabalhar na sua defesa.


 


Outro Mato Grosso do Sul é possível


Ao mesmo tempo em que esse quadro lamentável continua, vemos Campo Grande sediar um importantíssimo evento – VIDEO INDIO BRASIL, onde se procura debater e dar visibilidade à riqueza e à beleza que representam os povos indígenas no país e neste estado. São aproximadamente cem atividades desenvolvidas em cinemas, escolas e aldeias urbanas. É uma mostra de que a resistência desses povos e suas ricas culturas apontam para caminhos diferentes, plurais, em harmonia com a natureza e a diversidade de vida e socialmente mais justa.


 


Egon Heck – Cimi MS

Fonte: Egon Heck
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