Garani-Kaiowá: o genocídio pelo verde dólar da cana
Quando abri um dos maiores jornais do Mato Grosso do Sul parei o olhar na manchete “Genocídio Silencioso”. Pensei, finalmente a vergonhosa situação a que estão submetidos os povos indígenas no estado começa a ser reconhecida. O editorial começava falando da brutalidade com que três adolescentes Kaiowá Guarani assassinaram outra adolescente. Passei a ler com mais pressa na expectativa de encontrar na próxima linha o reconhecimento da causa dessa e de dezenas de outras mortes anunciadas. Qual não foi a minha decepção ao terminar a leitura e não encontrar nenhuma referência à questão da terra.
Faride, importante liderança Kaiowá Guarani, que alguns meses retornou com seu grupo para terra tradicional de seu povo à beira do rio Brilhante, comentou entristecido: “Acabamos de enterrar o Josemar, de 15 anos que se suicidou. Ainda sentei com ele nesses dias. Conversamos bastante. Ele estava muito triste porque cortaram a bolsa escola. Você sabe, nós estamos aqui presos nessa retomada. Ninguém pode sair nem para estudar. Então acho que esse foi o motivo porque ele se matou”.
A matéria da imprensa também fazia alusão a uma possível reintegração de posse e expulsão dos índios do local, como uma das causas de mais essa morte, contabilizada entre as mais de quarenta entre assassinatos e suicídios ocorridos entre os Kaiowá Guarani nestes primeiros meses de 2008.
O presidente do Sindicato da Alimentação de Sidrolândia liga ao escritório do Cimi para comunicar que mais de 40 pessoas continuam internadas em hospital desta cidade, trazidos da Usina Vitória, suspeitos de contaminação por alimentação. Desses 80% são indígenas. Informou ainda que foram impedidos de ir até os alojamentos para se certificar da situação, pois os indígenas teriam informado que existiam muitos outros doentes e que a situação era crítica.
Na Assembléia Legislativa de Campo Grande será votada essa semana uma lei que revoga outra que estabelecia a distância de 25 km entre uma usina e outra. A justificativa é que para viabilizar a construção do alcooduto deste estado até o litoral no Paraná será necessário mais que duplicar a atual produção de etanol. E isso será preferencialmente feito nas melhores terras no sul do estado. Se hoje isso não é possível, mude-se a lei. Essa é a lógica do verde dólar da cana.
Não bastasse isso tudo, é só dar uma olhada no capital que está sendo investido pesadamente na região. Das 11 usinas em construção, a grande maioria é de capital transnacional. A Dreyfus, francesa, estará inaugurando possivelmente este mês uma moderna usina próxima a rio Brilhante. Além do processo de colheita mecanizado, terá produção de energia elétrica e outros aproveitamentos. Com a compra de outras cinco usinas da Coimbra, a Dreyfus está sendo um dos gigantes da cana/etanol. Porém seus mais de dez mil trabalhadores estarão com os dias contados, pois a rápida mecanização está anunciada. E daí. É a lógica do verde dólar da cana.
E assim poderíamos continuar o passeio pelo por este imenso verde canavial, real e virtual. Amontoar restos de arvores, animais e gente para a fogueira permanente, neste dia de São João!
Egon Heck – Cimi MS
Campo Grande, 24 de junho de 2008