20/06/2008

Carta da Coordenação dos Movimentos Sociais do Estado de Mato Grosso do Sul – CMS/MS

Mato Grosso do Sul: a violência anunciada


 


Quando no início de seu mandato, o Governador do Estado de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli, anunciou para a imprensa sua máxima de atuação com a “tolerância zero” para determinadas ações de seu governo, certamente estava também se referindo aos povos indígenas em sua luta pela efetivação de seus direitos constitucionais de terem demarcadas suas terras tradicionais.


 


Exemplo disso, foi o que ocorreu no clarear do dia 17 de junho deste ano. Bastou um policial cometer uma brutalidade desproporcional e os índios partirem para a defesa de sua anciã agredida e derrubada no chão, para que as iras contidas e escondidas nas armas, nas bombas de gás se espalhassem pelo ambiente da retomada do povo Terena da aldeia Passarinho.


 


Segundo consta do documento escrito pelos membros da comunidade de Passarinho relatando o caso de violência: “Os policiais começaram arrebentando todas as barracas colocando fogo em tudo que ali estava, empurraram mulheres, crianças e idosos, puxaram cabelos de mulheres e pisaram e chutaram as roupas dos indígenas. Outra anciã, Nadir da Cunha da Silva, de 68 anos, foi agredida por um policial. Jogaram muitas bombas em direção as pessoas, atiraram com munição real na direção dos guerreiros e nas casas que existem dentro da área indígena Aldeia Passarinho. Os policiais entraram nessa área e atropelaram os guerreiros com arma de fogo…”


 


E ainda, em nítido desrespeito à terra indígena e seus habitantes: “Os policiais invadiram a aldeia Passarinho e levaram a força arrastado o Norberto Lopes Xavier (44 anos) até o camburão onde ficou retido e levado preso. Os policiais atiraram com munição real, e não somente com as balas de borracha”. Toda essa onda de violência é registrada no referido documento da comunidade.


 


Sem coração os policiais não pensaram e foram agredindo de forma mais cruel os indígenas inocentes sem armas que ali estavam. Feriram várias pessoas indígenas que estavam no movimento. Jogaram várias bombas dentro da aldeia Passarinho e atiraram com munição real em direção as casas que existem dentro dessa área que a comunidade está confinada. Na casa da indígena Rita Gomes Rodrigues, 46 anos, tem marca de bala… Os policiais invadiram a aldeia Passarinho, agrediram, empurraram, xingaram, bateram, arrastaram pelos cabelos, jogaram bombas de gás venenoso, atiram com balas de borracha e atiraram com armas de fogo em direção dos nossos guerreiros”, citam em seus relatos.


 


Já a Secretaria de Justiça e Segurança Pública – SEJUSP, apressou-se em passar a versão policial dos fatos ocorridos, conforme consta em Nota Oficial encaminhada à imprensa.  Nela se refere aos indígenas como “invasores de propriedade particular”. Alude aos fatos dizendo se tratar de agressão por parte dos índios: “a tropa avançou na tentativa de debelar o ataque indígena, tendo havido a necessidade da utilização do lançamento de granadas químicas e munição calibre 12 de elastômetro (borracha com menor intensidade). Durante a investida foram presos os lideres da invasão que frontalmente desobedeceram, desacataram e ameaçaram o Grupo da PM”.


 


Importante destacar o arsenal de guerra apreendido pela polícia, em poder dos indígenas Terena: “Conforme a secretaria (Sejusp), foram apreendidos com os índios 09 facões, 02 machetes, 01 martelo e 03 arcos e flecha” (Campo Grande News,17/06/08).


           


A ação violenta contra os índios certamente não foi uma iniciativa de algum comandante de policiamento. Eles cumprem ordens superiores. Também não se trata de fato isolado. Na retomada da terra indígena Kaiowá Guarani, Kurussú Ambá, localizada no município de Coronel Sapucaia, também foram presas quatro lideranças indígenas no início do ano passado e que permanecem nesta situação até hoje. Em determinadas instâncias, continua prevalecendo a determinação de “Terra Zero” para povos indígenas e a criminalização da luta pela terra é imediata.


 



Repúdios, responsabilidades e solidariedade.


 


Não tardaram em chegar as manifestações de solidariedade e apoio à justa luta dos Terena de Passarinho e Moreira por sua terra.


 


De Roraima, chegou uma Nota de Solidariedade enviada pelo Coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Dionito José de Souza, afirmando que:


 


O Conselho Indígena de Roraima se solidariza com os parente Terena, que infelizmente passam por mais essa injustiça. Não sendo diferente da nossa luta, da Raposa Serra do Sol, onde os invasores insistam permanecer na “Nossa Terra”,  que está demarcada, homologada e registrada.


Por isso parente, não desanimem, estamos juntos nessa luta, de conquistar a nossa terra, o nosso lugar, o nosso espaço e tirar definitivamente os invasores.


O povo indígena de Roraima está indignado com tamanha falta de respeito, de humanidade.


O Conselho Indígena de Roraima está à disposição”. (Boa Vista, 18/06/08).


 


O Coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Pantanal (ARPIPAN), Ramão Vieira de Souza, também manifestou “solidariedade aos seus parentes Terena em sua luta pela terra como única forma de viver com dignidade”.


 


Lideranças da retomada-aldeia Mãe Terra também estiveram levando sua solidariedade e apoio aos parentes no acampamento. Colocaram-se “à disposição para qualquer apoio de que necessitarem”.


 


A todas essas manifestações, querem se unir e somar a Coordenação dos Movimentos Sociais de Mato Grosso do Sul (CMS/MS), que em vários momentos manifestaram seu incondicional apoio aos povos indígenas no estado, na luta pelos seus direitos constitucionais, especialmente a Terra. Uma vez mais queremos manifestar nosso repúdio a todo tipo de violência e criminalização a que estão sendo submetidas às lutas dos Movimentos Sociais e em especial dos povos indígenas.


 


Entendemos ser urgente e inadiável uma mudança substancial na estrutura fundiária do estado de Mato Grosso do Sul, reconhecendo e garantindo as terras necessárias aos trabalhadores rurais sem-terra, aos quilombolas e aos povos indígenas conforme determina a Constituição da República. É lamentável continuarmos sob a pecha do Estado de maior violência contra os índios, e o pior índice de terras para esses povos.


 


Só um grande mutirão de decisão política do Governo Federal, com apoio substancial do Governo de Mato Grosso do Sul para a demarcação das terras indígenas de nosso estado, bem como a solidariedade e apoio Nacional e Internacional, poderá ser revertido esse quadro dramático e vergonhoso.


 


Coordenação dos Movimentos Sociais do Estado de Mato Grosso do Sul – CMS/MS.


 


Campo Grande-MS, 19 de junho de 2008.


 

Fonte: Cimi - Regional Mato Grosso do Sul
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