Violência no Maranhão
Em 2007, o estado onde foi registrado o segundo maior número de assassinatos no Brasil foi o Maranhão, ficando atrás apenas do Mato Grosso do Sul. Foram 10 vítimas. Destes casos, três estão relacionados diretamente ao problema da exploração ilegal de madeira na terra Araribóia, do povo Guajajara.
A presença constante dos madeireiros e o desmatamento provocado também ameaçam um grupo de pelo menos 60 pessoas do povo Awá Guajá que vive nesta terra, sem contato com a sociedade envolvente.É necessário que a população maranhense faça uma reflexão em relação ao modo como tem tratado os povos indígenas no estado. Intolerância e preconceito têm sido a tônica nessas relações.
Se três dos dez assassinatos cometidos no estado contra indígenas foram motivados por conflitos decorrentes da exploração madeireira por não índios dentro das terras indígenas, os outros sete assassinatos a que se devem? É necessário atenção sobre esse tema, pois em muitas cidades do Maranhão a população tem uma visão extremamente equivocada e preconceituosa em relação aos indígenas. Preconceito esse que explica os sete casos de assassinatos e tantas outras formas de agressão aos indígenas maranhenses.
Nesse contesto de violência, mais uma vez a situação vivida pelas comunidades indígenas da terra Araribóia, sobretudo as que estão localizadas nas aldeias próximas ao município de Arame e nas margens da rodovia MA 006, merece destaque. Essas comunidades vivem em um clima de constante tensão. Cinco assassinatos que ocorreram no ano passado foram nessa região.
Já este ano, dois casos gravíssimos de violência contra os indígenas foram registrados. Ambos terminaram em morte. Um deles ocorreu em fevereiro, quando dois indígenas Guajajara que saiam de uma seresta na cidade de Arame foram atacados por vários homens a pauladas. Um deles morreu e outro ficou gravemente ferido.
O outro caso ocorrido foi ainda mais cruel. Na noite do dia 5 de maio, dois homens armados em uma moto pararam em frente à aldeia Anajá, que fica às margens da MA 006, a cerca de 11 km da sede do município. Sem falar nada, apontaram para a aldeia e iniciaram os disparos. Sem tempo para reagir, uma indiazinha de 6 anos de idade levou um tiro na cabeça e morreu na hora. O irmão dela de 12 anos também foi atingido na perna, mas passa bem.
Nos dois casos citados não encontramos outra motivação para os crimes que não seja o preconceito que impera na região. No caso da indiazinha de 6 anos de idade é difícil aceitar que uma pessoa possa ser tão fria a ponto de cometer um ato desses. Ato que, em crueldade, não difere em nada do midiático caso da menina Isabela Nardoni que mobiliza e comove todo o Brasil. Mas para boa parte da população maranhense, em especial a do município de Arame, parece que a morte da menina indígena pouco importa.
Segundo relatos de moradores daquele município, não se percebe nenhum clima de comoção em relação à morte da menina. Trata-se de um fato normal. Em conversa com lideranças indígenas das comunidades localizadas próximas à rodovia, ficamos ainda mais estarrecidos. Disseram que a prática de passar pela estrada atirando em direção as aldeias é comum. Informaram ainda que a polícia e a Fundação Nacional do Índio (Funai) têm conhecimento disso, mas nada tem sido feito para proteger esses indígenas.
De acordo com Geraldo Abdias, missionário do Cimi na região, O clima na aldeia é de muita dor e desolação. Os indígenas não acreditam na Justiça, dizem que “matar índios por aqui é igual a matar um cachorro, pois não acontece nada”. Diante desta situação me pergunto o que pensam e sentem as pessoas que praticam esses crimes? E quanto às autoridades “responsáveis”, o que justifica assistirem inertes o agravamento deste quadro sem esboçarem nenhuma reação?
Talvez a resposta para as perguntas possa estar na compreensão que se têm dos povos indígenas e de seus direitos. O artigo 231 da Constituição Federal que é fruto de muita luta dos povos indígenas e de seus aliados durante o período constituinte parece não valer. Termos importantes contidos nesse artigo, que expressam claramente o reconhecimento do povo brasileiro em relação ao direito sagrado dos indígenas de existirem como povos culturalmente diferenciados, passam longe da forma como agem parte dos brasileiros.
A impressão que se têm é que boa parte dos cidadãos brasileiros gostaria que os indígenas deixassem de ser índios. Felizmente, os povos indígenas que resistem há mais de 500 anos não parecem dispostos a se renderem. Mesmo frente a tantas dificuldades, não desanimam e seguem unidos na luta por seus direitos. Esperamos que essa resistência sirva não só para garantir a sobrevivência destes povos que muito tem a nos ensinar, mas que também sirva de exemplo para a sociedade brasileira que em tempos de barbárie vive em apatia.
São Luis, 8 de maio de 2008.
Humberto Rezende Capucci
Cimi Regional Maranhão