22/04/2008

Lideranças Guarani Kaiowá denunciam violências

 


 


“Enquanto houver inconstitucionalidade estaremos juntos nessa luta. Cumpra-se a Constituição”. Minutos de aplauso. No salão nobre da Faculdade de Direito de São Paulo, Dalmo Dallari, renomado professor da instituição acabara de fazer palestra magistral sobre os direitos indígenas, em particular sobre a situação de violência contra os Kaiowá Guarani do Mato Grosso do Sul e a decisão judicial sobre a terra indígena Raposa Serra do Sol em Roraima. Foi duro ao afirmar que, muitas vezes, as autoridades judiciais são cúmplices. Foi irônico ao comentar as palavras do general Augusto Heleno de que “o nobre Exército de Caxias está sendo usado para defender criminosos, para defender um ato inconstitucional”, referindo-se à demarcação em área contínua de Raposa.


 


“Os índios não vieram aqui para pedir caridade, mas para exigir direitos que estão na Constituição. Esse é o nosso patamar”. Depois de fazer uma análise das lutas e conquistas dos direitos indígenas na Constituição de 1988, especialmente à terra “aos expulsos da terra”, e do quadro dramático de negação da terra aos Kaiowá Guarani do Mato Grosso do Sul, ali presentes em quase uma centena de lideranças, foi enfático: “O direito do índio à terra não depende de demarcação, depende apenas da ocupação. Mesma que dali tenham sido expulsos dor diversas razões e forças, a terra lhes pertence constitucionalmente”. Ele comentou a lentidão com que o ato complementar da demarcação física pelo governo está acontecendo. “As demarcações andam lentas. Intencionalmente lentas”.


 


Comentou também, o notório Dalmo Dallari, os lamentáveis fatos com relação à terra indígena Raposa Serra do Sol, falando de cumplicidade de autoridades judiciais. “A resistência armada dos arrozeiros é crime. E porque não se faz nada? Isso configura formação de quadrilha. Onde estão as instituições jurídicas? Onde está o Ministério Público? Surpreendentemente o STF impediu a Polícia Federal de cumprir a missão, ao invés de dizer, ‘faça-se a desocupação’”.  Lembrou também a situação no Mato Grosso onde “o governador Maggi é o maior produtor de soja do país e também o maior invasor de terras indígenas”.


 


O ar nobre e suntuoso do auditório foi palco de inúmeros depoimentos-denúncia dos Kaiowá Guarani e de suas danças rituais – jeroki. Nele pediram que esse espaço se transformasse em espaço de corações sensíveis e firmes aliados de sua causa e de suas lutas pelos direitos e pela vida.


 


Num dos painéis, cinco representantes do povo Kaiowá Guarani, dentre as quais a viúva de Ortiz Lopes, assassinado em Kurusu Ambá, no município mais violento do país, Coronel Sapucaia. Ela apenas disse estar com receio de que o fato de estar aí possa trazer mais riscos à sua vida, e pediu que não fosse publicada a sua foto. Os representantes de Nhanderu Marangatu relataram o sofrimento e as violências constantes de que são vítimas. Em vários momentos exclamaram “Cadê a justiça?”.


 


A representante de Dourados falou da calamitosa situação a que estão submetidos os mais de 12 mil índios, exprimidos e confinados e um pouco mais de três mil hectares de terra.  “A gente está amontoada. Somos vistos e acusados de bandidos e criminosos. Que país é esse? Somos espoliados em nossos direitos. Por quê toda essa ganância? A sociedade e o Estado brasileiro não estão reagindo. Será que é tão caro nos restituir nossas terras? Morrem nossos lutadores, mas nascem outros mais”.


 


Outras lideranças religiosas e políticas deram seus depoimentos. A tônica foi a exigência da terra, para começar a diminuir a violência, a fome, a dependência, a desnutrição e o trabalho escravo nas usinas. “Os índios são jogados que nem cachorro na beira da estrada. Mas enfrentamos as armas de fogo com nossas mãos limpas”.


 


Numa outra mesa, antropólogos, historiadores, cientistas políticos e juristas procuraram trazer elementos de compreensão da dura realidade vivenciada por esse povo hoje. Ficou ressaltada a história secular de violência que atinge hoje um nível de genocídio. Se nada for feito com urgência, cada aldeia será transformada num verdadeiro presídio. Mas foi lembrado que, apesar do momento ser tão difícil e ameaçador para esse povo, eles já resistiram há quase quinhentos anos de espoliação e invasão. Portanto, é um povo de uma enorme capacidade de enfrentar realidades adversas, de uma cultura, espiritualidade e sabedoria que os têm permitido sobreviver e afirmar seus projetos de vida.


 


A delegação indígena veio do Acampamento Terra Livre, em Brasília. Quase que nem chegaram, pois os ônibus vieram quebrando na estrada. Ali chegando foram informados sobre manchetes dos jornais no Mato Grosso do Sul “André e prefeitos pedem para Tarso barrar demarcações”, “Terras do Reverendo Moon poderão abrigar indígenas”. Os textos são fruto de um encontro “força tarefa”, de parlamentares, governador, prefeitos e representantes do agronegócio, com o ministro Tarso Genro.


 


Na ocasião, relataram que os índios Kaiowá Guarani invadiram 20 fazendas, sendo que algumas estão totalmente paralisadas. A rigor foram ao ministro dizer que não irão permitir a demarcação de 31 terras indígenas que constam no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), assinado entre o Ministério Público Federal, Funai e lideranças indígenas.


 


Dentre as alternativas levantadas, uma delas é de transferir os índios para os 150 mil hectares do reverendo Moon, no município de Jardim, já na região do pantanal. Outra é de mudar a Constituição para permitir que os fazendeiros sejam indenizados. Diante de mais essa investida contra dos direitos indígenas à terra, os Kaiowá Guarani se indignaram e indagaram se não poderiam mover alguma ação judicial contra essas agressões a seus direitos.


 


No documento final do seminário, os participantes decidem “repudiar qualquer iniciativa de impedir ou suspender os procedimentos de demarcação das terras indígenas dos Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul”.  Além disso, os participantes decidiram “reafirmar integralmente os termos do Compromisso de Ajustamento de Conduta tomado pelo Ministério Público Federal junto à Funai, em Brasília, em 12 de novembro de 2007”.


 


Na avaliação dos participantes, esse foi um momento forte, tanto pelo que representa o espaço em que foi realizado, quanto pelos debates, esclarecimentos e posicionamento tomado pelo conjunto dos participantes. Os representantes indígenas Kaiowá Guarani se sentiram muito fortalecidos e animados para continuar sua árdua luta pela terra e seus direitos. “A fala do professor Dalmo Dallari foi muito boa. Vou usar ela na minha luta”, afirmou uma das lideranças. Outro disse que “o que a gente ouviu abriu muito a minha visão”.


 


Apesar de todo o cansaço, as lideranças chegaram ao sul do Mato Grosso do Sul, muito animados e fortalecidos na sua decisão e esperança de continuar a luta.


 


Egon Heck -Cimi MS – Campo Grande, dia de Tiradentes 2008


 

Fonte: Cimi - MS
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