O ferro e o bambu – a luta continua
O ferro e o bambu – a luta continua
Madrugada de 15 de abril. Abril Indígena. Uma penumbra encobre o amplo gramado da esplanada dos ministérios. A lua apenas dá umas espiadas entre as nuvens e volta pro seu esconderijo. Montes de armações de ferro estão amontoadas sob os olhares curiosos de algumas centenas de indígenas vindos dos quatro cantos do país. As cavadeiras começam a ser agitadas. Os lugares dos abrigos começam a ser marcados, por povos, regiões, grupos. Daqui há pouco chega o caminhão carregado de taquaras. Começa uma correria. Em breve as taquaras vão sendo distribuídas pelos diversos cantos do acampamento que vai surgindo.
Uma espécie de “festa da taquara”, entre risos e piadas vai fazendo brotar os barracos. Os engenheiros, arquitetos, paisagistas…todos vão agindo muito rapidamente. Apesar dos contratempos, nem a falta do barbante, ou de facões ou cavadeiras impediu que algumas dezenas de barracos estivessem erguidos. Ainda deu tempo para dormir um pouco até o clarear do dia. A eficácia da taquara e lona preta tornou possível abrigar mais de 700 pessoas em poucas horas.
Enquanto isso os montes de ferro inertes, dormiam amontoados ao lado de pesadas estruturas iniciadas para a festa de dos 47 anos de Brasília. Uma festa do “tamanho do céu de Brasília”, anunciavam enormes painéis. As caras estruturas de ferro vão povoando o gramado, a passos lentos, em descompasso com a agilidade da taquara. A festa e a luta. Parece que a história se repete. Há mais de quinhentos anos chegavam à costa as espadas e canhões. Os arcos e flechas foram sendo quebrados. A curiosidade e a exploração colocaram conquistadores e conquistados lado a lado. Os combates e o diálogo de absurdos teve inicio.. A enganação dos espelhos pelo pau Brasil não tardou. E continua. Se atualiza. A violência, as mortes, a exploração, ganharam tempo. A história é outra, mas a mesma.
O Acampamento Terra Livre dá visibilidade a esses contrastes, a essas lutas, que continuam a mais de quinhentos anos. Quando hoje à noite as lonas e os bambus forem recolhidos e os participantes indígenas voltarem às suas aldeias, mais um momento forte se encerra e Brasília iniciará sua festa, do tamanho do céu e do véu que encobre 500 anos de massacre e resistência heróica dos 230 povos indígenas no Brasil.
Egon Heck
Brasília, 17 de abril de 2008