12/03/2008

Governo reduz recursos de política indigenista

 


 


 


A política indigenista do governo federal para 2008 terá 16,5% a menos de recursos do que o anunciado em agosto passado no Projeto de Lei Orçamentária Anual 2008. Isso, se forem mantidos os valores que constam do relatório aprovado pela Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso, após negociações com o governo federal.


 


Em termos financeiros, isso significa uma perda de pelo menos R$  106,56 milhões no orçamento indigenista, incidindo principalmente sobre as ações de atenção à saúde indígena, de infra-estrutura de saneamento básico em aldeias indígenas, de atenção social aos povos indígenas e de demarcação e regularização dos territórios indígenas. Trata-se de um corte orçamentário significativo, num recurso financeiro originalmente insuficiente, o que atinge ações de fundamental importância para a proteção e promoção dos direitos indígenas.


 


Tal fato indica, na melhor das hipóteses, um desconhecimento por parte de agentes públicos tanto da realidade vivenciada pelos povos indígenas no Brasil quanto dos compromissos assumidos internacionalmente pelo Estado brasileiro em relação aos povos indígenas, estabelecidos na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 1989) e na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (ONU, 2007).


 


Anunciada pelo presidente Lula da Silva em setembro de 2007, durante visita ao município de São Gabriel da Cachoeira (AM), a denominada Agenda Social dos Povos Indígenas começa seu primeiro ano com pernas mais curtas – com menos recursos financeiros para sua implementação. Saúde e saneamento básico No programa de Proteção e Promoção dos Povos Indígenas, as ações de “Atenção à saúde dos povos indígenas” tiveram um corte orçamentário de R$  65,1 milhões, passando de R$  342,150 milhões para R$  277,049 milhões.


 


Para a execução da ação de “Promoção, vigilância, proteção e recuperação da saúde indígena”, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) enfrentará uma redução de R$  53,4 milhões em relação ao previsto na proposta orçamentária 2008 encaminhada ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo em agosto de 2007. Um valor considerável, que certamente fará muita falta à população indígena e aos executores da ação “na ponta”.


 


O orçamento da ação “Saneamento básico em aldeias indígenas” também foi duramente afetado. Caiu de R$  47,5 milhões para R$  28,5 milhões, um corte de 40% no inicialmente programado. A ação de “Vigilância e segurança alimentar e nutricional dos povos indígenas” também foi atingida, sofrendo um corte de 20% no inicialmente orçado.



 


No conjunto, as ações de “Atenção à saúde” e de “Saneamento básico” tiveram uma perda total de R$  84,1 milhões. Isso certamente implicará numa reprogramação das metas para 2008, o que por conseqüência deverá impactar negativamente a saúde da população indígena.


 


O quadro é ainda mais preocupante se compararmos o que foi autorizado pelo Congresso Nacional em 2007 com a previsão para 2008 para as ações de “Atenção à saúde indígena” e de “Saneamento básico”. O que se constata é que a política setorial deverá contar com um valor inicial autorizado R$  84,8 milhões menor que em 2007.


 


Para se ter uma visão mais ampla dos cortes orçamentários e seus impactos seria necessário, por exemplo, ter acesso ao montante dos recursos a serem repassados pelo governo federal, fundo a fundo, aos municípios e estados (para a atenção básica e contratação de pessoal) via Fator de Incentivo da Atenção Básica aos Povos Indígenas, conhecido como Piso de Atenção Básica (PAB–Saúde Indígena); e o que será destinado a hospitais e unidades de saúde prestadoras de serviço ao sub-sistema de saúde indígena do SUS via Programa de Incentivo à População Indígena (IAPI).


 


A Funai


A Fundação Nacional do Índio (Funai), que tem a incumbência de coordenar a política indigenista do governo federal, também foi objeto de cortes orçamentários. Perdeu R$  21,4 milhões, o equivalente a 8% do orçamento proposto no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2008.


 


Como se não bastasse isso, os dados disponíveis indicam que a dotação orçamentária inicial do órgão será R$  54,9 milhões menor do que a dotação inicial de 2007 e cerca de R$  78,7 milhões menor do que o total autorizado nesse mesmo ano para o funcionamento do órgão e a execução das ações sob sua responsabilidade. Para a gestão e administração do programa Proteção e Promoção dos Povos Indígenas e suas ações, o órgão coordenador da política indigenista no governo federal contará em 2008 com uma dotação inicial R$  40,4 milhões menor do que a dotação inicial de 2007. Isso coloca em cheque, é o que nos parece, o discurso governamental de que haveria um fortalecimento do órgão em termos de pessoal e capacidade de gestão.


 


Na ação de “Demarcação e regularização de terras indígenas”, a Funai contará com cerca de R$  39,5 milhões, aproximadamente R$  13,2 milhões a mais que o autorizado para 2007, mas R$  5,3 milhões a menos do que o valor orçado originalmente no PLOA 2008.


 


A ação de “Proteção social dos povos indígenas” foi, no âmbito da Funai, aquela que teve proporcionalmente o maior corte orçamentário em relação ao que foi possível obter pelo órgão nas negociações com a Casa Civil e o Ministério do Planejamento, na fase de elaboração do PLOA 2008. A ação sai do Congresso Nacional com menos R$  10,39 milhões, passando de R$  21,19 milhões para R$  10,79 milhões. Isso significa dizer que, em 2008, o horizonte orçamentário inicial nessa ação é 49,04% menor que o inicialmente projetado.


 


Segundo informa a Funai, a ação orçamentária de “Proteção social dos povos indígenas” tem por finalidade garantir o exercício da igualdade social aos povos indígenas no tocante a políticas e serviços sociais prestados pelos entes federados. Nessa ação, estão incluídas as despesas para obtenção de documentos de indígenas; o apoio à criação de organizações indígenas e realização de encontros regionais, nacionais e internacionais; o apoio às comunidades indígenas em situação de vulnerabilidade social decorrente da invasão de seus territórios, conflitos e catástrofes; o apoio às mudanças de aldeias; o apoio ao deslocamento de indígenas para outras regiões para tratar de questões de ordem política, econômica e social; o acompanhamento da execução das ações de saúde executadas pela Funasa e SUS; entre outras. Ou seja, são ações de caráter estratégico na proteção e promoção dos povos indígenas, que deviam merecer maior atenção por parte dos definidores da dotação orçamentária, principalmente em tempos de Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).


 


Mas nem tudo são perdas. No caso da ação “Promoção do etnodesenvolvimento em terras indígenas”, houve um acréscimo orçamentário no valor de aproximadamente R$  6 milhões, passando de R$  14 milhões para pouco mais de R$  20 milhões. Na medida em que essa ação resulta da fusão de três ações do Plano Plurianual (PPA) 2004/2007, e que uma delas seje a ação de “Promoção das atividades tradicionais das mulheres indígenas”, oxalá as mulheres indígenas sejam contempladas com mais recursos para suas iniciativas.


 


Conforme informamos em publicação do Inesc1, os povos indígenas aparecem como beneficiários de ações em sete programas finalísticos do PPA 2008/2011. Além dos programas incluídos na tabela 1, os indígenas estão presentes nos seguintes: 1. Ciência, tecnologia e inovação para a inclusão e o desenvolvimento social; 2. Conservação e uso sustentável da biodiversidade e dos recursos naturais; 3. Conservação, manejo e uso sustentável da agro-biodiversidade; 4. Paz no campo; 5. Educação para a diversidade cultural.


Além dos programas elencados, sabe-se também que os indígenas estão contemplados em ações do governo federal voltadas para a capacitação de professores e o apoio ao ensino fundamental; apoio a pequenos projetos econômicos de gestão local; formação de empreendedores e gestores de projetos; e também por meio do Programa Bolsa Família e do recém-lançado Territórios da Cidadania, entre outros.


 


Na medida em que não há, nessas ações, uma definição clara sobre o montante de recursos destinado aos povos indígenas, nem sobre as metodologias de acompanhamento e monitoramento interno implantadas e aplicadas de forma sistemática, os dados e as informações ai gerados ficam ainda muito fragmentados, dificultando uma avaliação de sua abrangência e seus impactos nas comunidades e povos indígenas.


 


Para os povos indígenas também são canalizados recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e do Fundo Nacional de Educação (FNDE). Mapear esse conjunto de ações e recursos é um desafio que extrapola o objetivo imediato desta Nota Técnica, mas que deverá ser objeto de futura avaliação.


 


 


Ricardo Verdum


Assessor de Políticas Socioambiental e Indígena do Inesc

Fonte: Inesc
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