20/12/2007

As ilegalidades do projeto de Transposição

 


Na condução do projeto de transposição do rio São Francisco pelo Governo Federal, assistimos uma flagrante afronta ao Estado de Direito e ao Estado Democrático. O Estado não está cumprindo as normas Constitucionais e infra- constitucionais do país.


Três grandes blocos de descumprimentos podem ser destacados:


 


1 – Descumprimento da Constituição Federal –


A Constituição (art. 49) estabelece que é competência exclusiva do Congresso Nacional aprovar o aproveitamento de recursos naturais em terras indígenas. O ponto de captação de água do Eixo Norte, em Cabrobó (PE) fica há 80 metros da Ilha de Assunção, Território do Povo Truká já demarcado. Outros pontos obra cortam terras dos povos Truká e Pipipan, dentre outros, sendo essas terras já requeridas na FUNAI e até o momento ainda não demarcadas, mas a presunção é de que tais terras são indígenas, na ampla jurisprudência do país.


A Constituição (art. 231) também garante que os povos indígenas afetados em casos como esses devem ser ouvidos – o que não ocorreu até agora.


 


2 – Descumprimento das normas ambientais –


Os procedimentos previstos na legislação para o licenciamento ambiental foram todos desconsiderados. A seguir diversos exemplos:


 Os Estudos de Impacto Ambiental não consideraram os reais impactos na Bacia do São Francisco e nas bacias chamadas receptoras. Eles somente estudaram detalhadamente os impactos por onde passam os canais.


  Os estudos não foram concluídos sobre os reais impactos negativos para o meio físico (por ex. os impactos nas águas do sub-solo), para o meio biótico (por ex. quantas espécies de plantas da Caatinga serão extintas), nem para o meio sócio-econômico (por ex. a matriz energética será modificada para termoelétrica, mas não analisaram as conseqüências da mudança).


Após realização dos estudos, o governo fez novos traçados na obra, que não foram apreciados.


O Governo desrespeitou o obrigatório estudo de alternativas para se saber a melhor opção para o objetivo do empreendimento, no caso, ampliar o suprimento hídrico das populações dos Estados do Nordeste (RN, CE, PE e PB). O estudo de alternativas é parte obrigatória integrante do EIA/RIMA.


O estudo de alternativas verificaria que existem melhores alternativas.


Para as áreas urbanas: a implementação do Atlas do Nordeste, produzido pela Agência Nacional de Águas que atenderiam 9 Estados e não apenas 4 por um custo muito mais reduzido.


Para a população difusa do Nordeste: o investimento em tecnologias sociais alternativas desenvolvidas pela ASA –Articulação do Semi-árido, que valorizem a biodiversidade local (cisternas, mandalas, barragens sucessivas, barragens subterrâneas, dentre outras).


A transposição não chegará ao povo sedento do nordeste e isso precisa ser discutido dentro do O EIA/RIMA, pois a indicação da população beneficiada é parte integrante desses estudos.


O princípio da Precaução deveria garantir que a obra não seja executada sem todas as variáveis estudadas e avaliadas, buscando a sustentabilidade, sob pena de danos irreversíveis ao meio ambiente e aos cofres públicos.


 


 


3 – Descumprimento das normas de recursos hídricos


O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos está sendo violado. O Plano de Bacia do São Francisco (aprovado segundo o art. 38 da Lei 9433/97) prevê a possibilidade de retirada de água desta bacia para fora apenas para consumo humano e animal, comprovada a escassez.


 A Transposição destinará água para usos industriais no Ceará, criação de camarão no Rio Grande do Norte, agronegócio, dente outros usos econômicos. Estes usos foram permitidos na outorga concedida pela ANA, que violou o Plano de Bacia.


Além disso, o Comitê da Bacia do S. Francisco ainda não se decidiu sobre um conflito em relação ao uso de águas. Os pescadores e entidades da sociedade civil requereram que as águas que estão sendo pleiteadas para a transposição sejam utilizadas dentro da Bacia, pois o São Francisco já está com sua capacidade esgotada de outorgas. Sem aguardar essa decisão, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos, numa clara supressão de instância, aprovou o Projeto de Transposição, votando expressamente contra a compatibilização com o Plano de Bacia. 


 


Violação à democracia


A violação à Democracia ocorre de forma clara quando observamos que todas as instâncias formais de participação popular previstas na legislação ambiental e de recursos hídricos não foram respeitadas.


● As Conferências Nacionais de Meio Ambiente (2003 e 2005), convocadas com caráter deliberativo pelo Presidente e Ministra de Meio Ambiente, reuniram delegações de todo o Brasil, que decidiram proibir a Transposição.


● A legislação ambiental determina a realização de Audiências Públicas para apresentação do EIA/RIMA, para que a comunidade afetada conheça o projeto e faça críticas e sugestões.


As audiências sobre a transposição cumpriram apenas uma obrigação formal, de o acesso das comunidades ribeirinhas não foi garantido. Como exemplo, a audiência da Bahia, convocada para Salvador (500 km de distância do rio), com oito dias de antecedência, num hotel cinco estrelas. A participação popular está prevista na legislação de recursos hídricos. A decisão do Comitê não está sendo cumprida e baseou-se em consultas públicas na Bacia.


 


Ações na justiça


Todos esses questionamento estão presentes nas ações judiciais promovidas pelo Ministério Público Federal, Ministério Público da Bahia, de Sergipe, de Minas Gerais e pelo Fórum permanente de Defesa do Rio São Francisco na Bahia, e por diversas ONGs em outros estados. Durante dois anos essas obras estiveram paralisadas por determinação judicial em liminares concedidas na Bahia.


Em 18 de dezembro de 2006, o Supremo Tribunal Federal (STF) chamou para si a competência para processar e julgar diversos processos em curso e permitiu a continuidade do licenciamento ambiental, mas determinou a realização de novas audiências públicas, o que não foi cumprido pelo Governo.


Em 23 de março de 2007, foi concedida a Licença de Instalação que autoriza a obra, mesmo com todas as falhas no licenciamento ambiental.


Em 5 de julho de 2007, o Ministério Público, através do Procurador Geral da República requereu a paralisação das obras ao STF.


Em um processo que tramitava no Tribunal Regional Federal da 1ª região, o Desembargador Federal Dr. Souza Prudente, no dia 10 de dezembro de 2007 determinou a paralisação das obras, pois suspendeu os efeitos da decisão do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.


 


QUARTA-FEIRA – 19 de dezembro de 2007, o STF apreciará o pleito de proibição das obras da transposição.


 O Estado Democrático de Direito no caso do Projeto de Transposição está sendo frontalmente violado!


 


O princípio da eficiência determina ao Administrador a escolha da melhor opção para atingir o objetivo proposto, o princípio da precaução enuncia cautela quanto aos danos irreversíveis e o princípio da participação popular determina a escuta dos diversos segmentos da sociedade.


 


Como o Governo não quer cumprir voluntariamente essas responsabilidades é preciso que o Poder Judiciário faça compulsoriamente, como já o fez o Desembargador Federal do TRF da 1ª Região,  que seja restaurado o respeito às normas de convivência no País, para que a democracia seja concreta e as Instituições sejam respeitadas por cumprirem o seu papel.    


 


 


 

Fonte: Cimi
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