20/12/2007

Os algozes e a História

Além do slogan que virou mantra: “São Francisco vivo: terra, água, rio e povo”, duas frases ecoam nas bocas e mentes de todos quantos chegam ou permanecem em Sobradinho: “um dia a mais é um dia a menos” e “tudo pode acontecer em Sobradinho”. De fato Sobradinho é uma caixa de surpresas, mas nada será como antes depois de Sobradinho.


 


Isso vale para o governo Lula, para os movimentos sociais, para a Igreja Católica, para os artistas, para os intelectuais, para o PT, enfim…Mas o que acontece de tão marcante em Sobradinho, além do fato de ali jejuar e talvez ali perecer o bispo franciscano D. Luiz Flávio Cappio? Os intelectuais pouco recorrem à metáfora. Milton Santos era intelectual e abusando do seu brilhantismo, muitas vezes, recorria à metáfora. Nas suas últimas obras, apontava a importância para a história dos “homens lentos”. Quem era o homem lento do qual tratava Milton Santos? Ele está em toda parte e cada vez mais aumenta em número.


 


Aliás, como dizia João Guimarães Rosa pela boca de Riobaldo-Tatarana: o sertão está em toda parte. E o sertanejo também. Em Sobradinho, ele não só é presença como ousa mostrar a cara e dizer que não quer se equiparar, forçosamente, aos homens galopantes, representantes do capital que a tudo destrói e a tudo consome. Ele defende uma outra lógica. O que se afirma em Sobradinho é isso. Homens dizendo que querem as coisas de outro modo, de outro jeito, com outra cara. Eles dizem que há uma outra forma de fazer as coisas, de lidar com terra, de usar a água, de conviver com o semi-árido… Em suma: que um outro mundo é possível.


 


O bispo Dom Luiz Flávio Cappio, através de seu sacrifício e gesto extremado, está expressando isso. Não é por outra razão que acorrem a Sobradinho tantos homens e mulheres que, se não são lentos na definição miltoniana, defendem a premissa da lentidão como resistência, como desobediência, como civismo.


 


Estive em Sobradinho. Foram oito dias (6 a 14 de dezembro) intensos e ricos em experiências. Guardada a distância no tempo e as circunstâncias históricas, Sobradinho faz lembrar Canudos. A Belo Monte de Conselheiro. Em Sobradinho como em Canudos encontra-se devoção, fé, mística, esperança. Como Canudos, Sobradinho é fruto da incompreensão, do silêncio, da mentira, das intrigas dos poderosos, das promessas não cumpridas.  Não faz muito tempo, uma “liderança” do PT disse-me que a Transposição será a Brasília de Lula. Quem conhece minimante o projeto sabe que será sua Transamazônica. Sobradinho nos coloca uma equação: a Nova Canudos X a Nova Transamazônica.


 


Através da Transposição, Lula quer marcar seu nome na história. Qualquer que seja o desfecho de Sobradinho, Dom Luiz Cappio já adentrou as páginas da nossa história (e da Igreja). Quem lembra de Prudente de Morais, do Conselheiro Luiz Viana, do Barão de Jeremoabo e tantas outras tristes figuras que estiveram no centro ou tramaram o massacre de Canudos? Quem esquece Antônio Conselheiro? Ao andar da carruagem, quem se lembrará, no futuro, de Geddel, Jaques Wagner, Lula da Silva? Eles serão apenas os algozes do Frei imolado em Sobradinho. Quem viver verá.


 


 Ely Souza Estrela – Professora da Universidade do Estado da Bahia – Campus V


 

Fonte: Cimi
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