16/12/2007

Pela vida de Dom Luiz Cappio!

Certamente hoje, nos palácios de Brasília, as grandes perguntas e opiniões entre os assessores do governo e da cúpula petista no poder são: quem deu legitimidade para um bispo questionar o governo e quais interesses ele defende? Só pode ser louco aquele que ousa colocar em dúvida as intenções do presidente operário, porque ele, o presidente operário, também fez greve de fome, também combateu as elites. Que ousadia é esta?


 


O presidente petista, que acredita ser o seu governo um baluarte da democracia, afirma que o bispo é antidemocrático e que deve ser louco por jejuar em prol de um rio e de um povo ribeirinho e sertanejo. Afinal, o que é um rio e alguns ribeirinhos frente ao grandioso projeto da transposição e das obras de infra-estrutura apresentadas como o “milagre” que há de nos redimir da pobreza e nos impulsionar para cima nos indicadores de desenvolvimento?


 


Dentre as lições diárias de descaso e omissão que temos acompanhado no governo Lula, talvez a flexibilização do sentido de democracia seja agora a mais evidente. Democracia, palavra que se escuta ecoando em muitas vozes neste país torna alguns “muito mais iguais” que outros. Os banqueiros, iguais em lucratividade; os empresários do grande capital, iguais em rendimentos e privilégios; as pessoas comuns, iguais em desassistência, em insegurança e na miséria crescente que nos assemelha, cada vez mais, aos restos indesejáveis que só servem como empecilhos, penduricalhos, seres humanos considerados descartáveis e desnecessários.


 


Na alardeada democracia em que vivemos, o gesto abnegado de Dom Cappio poderia falar ao povo brasileiro de muitas maneiras. Por isso é preciso calar-lhe a voz!  A primeira resposta dada pelo presidente Lula ao jejum e oração de Dom Cappio foi a de chamar os donos das redes de televisão e dizer que não deveriam divulgar esta manifestação. Ou seja, o bispo não teria audiência nos telejornais. Do governo não receberia nada além da reprovação e, se as coisas piorassem, o Exército brasileiro estaria de prontidão, como de fato já está. Esse bispo, engajado em movimentos em favor da vida, capaz de um grande sacrifício feito por amor, é descrito nas palavras do ministro da Integração Nacional, como “o inimigo número um da democracia”.


 


De fato Dom Luiz Cappio, com seu jejum e oração, desmascarou o modelo de democracia que o atual governo cultua e promove. A tal democracia tem por fundamento assegurar a “ordem” para que os setores da macroeconomia se sobreponham aos interesses e direitos dos mais pobres, no caso a população ribeirinha, que para viver depende do Rio São Francisco.  Dom Luiz pede tão somente ao governo mais diálogo, reflexão e debate sobre quais projetos são viáveis e importantes para a população e, no que tange a revitalização do rio São Francisco, a garantia de uma melhor distribuição e utilização das suas águas.


 


Para o presidente da República a luta silenciosa do bispo compromete a “boa imagem” do seu governo e a biografia do ex-operário e militante. Mais do que isso, a atitude comprometida e capaz de entregar a própria vida põe em evidência as contradições e os verdadeiros interesses que impulsionam o projeto de transposição. O gesto de Dom Cappio é recebido com desprezo pelo presidente que reafirma a sua opção de governar para os grandes investidores e para manter as estruturas dominantes na política e na economia. E, aos pobres e excluídos, oferece ações e serviços sociais de cunho assistencialista, medidas que nada mais são do que paliativos frente a uma realidade cada vez mais desigual e injusta. No contexto desta opção, o presidente operário repele o ato de fé e coragem do bispo Dom Cappio, recusando-se ao diálogo. Ao mesmo tempo determina que forças militares se instalem nas estradas e nos canteiros das obras da transposição. Com isso, pretende evitar as ações dos movimentos sociais, dos quilombolas e dos povos indígenas contrários ao projeto. 


 


Dom Cappio está sendo imolado no altar do capitalismo pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e esta será a grande marca impressa sobre as águas do rio São Francisco. As águas do “Velho Chico” também evidenciarão que para este governo a vida vale pouco, ou quase nada, quando estão em jogo os ideais de “desenvolvimento”, de governabilidade, de credibilidade diante de capitalistas da agroindústria, da exploração do aço e dos criadores de camarão. Ou seja, daqueles que, de muitas maneiras, realmente contam nas políticas oficiais.


 


A corajosa atitude de Dom Cappio representa, na atual conjuntura, as lutas também silenciadas pela mídia dos milhares de brasileiros que sonham um mundo de justiça e igualdade. Representa aqueles que sofrem a violência cotidiana da fome, da miséria, da falta de garantias sociais, do desemprego, efeitos de um modelo de governo que optou pelo poder do mercado. A coragem de Dom Cappio representa as pessoas agredidas violentamente, encarceradas injustamente, assassinadas por levantarem a voz para denunciar ou reivindicar direitos assegurados nas muitas leis dessa dita democracia. Seu gesto fala das centenas de vidas que se perdem nos abismos da indiferença. É preciso indagar sobre essa tal democracia, essa alardeada liberdade de expressão, tão cara a intelectuais, a artistas, a políticos. Quem está realmente livre para expressar suas opiniões? Quais dessas livres formas de pensar têm a possibilidade de se fazer ouvir?


 


Dom Cappio, na sua infinita coragem de entrega da própria vida por amor ao próximo, por justiça e solidariedade, enfrenta a opressão do Estado e a ditadura da mídia. O bispo do povo do São Francisco está sendo imolado diante da intransigência do governo, da ganância dos exploradores e do silêncio dos grandes meios de comunicação e da maioria dos brasileiros. Mas o gesto de Dom Cappio tem servido também para unir os movimentos sociais, as igrejas, os intelectuais, os artistas, enfim, as pessoas de boa vontade, no Brasil, na América Latina, no mundo todo, demonstrando que a luta contra o projeto de morte da transposição não é apenas de um indivíduo, é do povo, é de todos nós.


 


Porto Alegre (RS), 15 de dezembro de 2007.


 


Roberto Antonio Liebgott


Vice-Presidente do Cimi


 

Fonte: Cimi - Vice-Presidência
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