Lideranças indígenas da CNPI entregam carta ao ministro Tarso Genro
Brasília, 13 de dezembro de 2007.
Ao
Excelentíssimo Senhor.
Tarso Genro
Ministro da Justiça
Ministério da Justiça
Esplanada dos Ministérios, Bloco T – Ed. Sede
Brasília – DF
Prezado Senhor,
Ao cumprimentá-lo cordialmente, nós lideranças abaixo assinadas, na condição de representantes dos povos e organizações indígenas do Brasil na Comissão Nacional de Política Indigenísta (CNPI), vimos, por meio desta, expor as nossas preocupações a respeito da situação de violação dos nossos direitos, solicitando da vossa excelência atenção especial, adotando as devidas providências, para a superação dos problemas que listamos a seguir.
Em primeiro lugar queremos reconhecer e valorizar o fato de o Governo do Presidente Lula ter atendido em parte as nossas reivindicações ao criar a Comissão Nacional de Política Indigenísta (CNPI), como instância de transição para o Conselho Nacional de Política Indigenísta, e oportuno espaço de diálogo entre o governo e os nossos povos para definir os rumos da política indigenísta que por fim venha atender aos nossos interesses e aspirações.
Lamentamos, contudo, que seja o próprio Governo o primeiro a desrespeitar esta importantíssima instância ao não cumprir ou encaminhar a contento os acordos e resoluções consensuadas na CNPI, sobre as distintas matérias tais como o caso do Estatuto dos Povos Indígenas, a saúde e educação indígenas. Promulga-se a portaria 2656 para regulamentar o repasse de recursos da saúde a prefeituras municipais, cria-se uma comissão especial na Câmara dos Deputados para discutir a mineração em Terras Indígenas, sem ter ouvido os nossos povos, nem mesmo a CNPI, contrariando acordo, no sentido e tratar a mineração como parte do Estatuto dos Povos Indígenas.
Há vários anos, o nosso movimento tem se manifestado de distintas formas perante o Governo chamando a atenção para o agravamento da situação de violação dos direitos humanos dos nossos povos. A situação da saúde indígena continua alarmante, com o alastramento de doenças como a malária, hepatite, parasitoses, desnutrição e mortalidade infantil. O Ministério da Educação desenvolve processo de mudanças na legislação específica da educação escolar indígena sem a devida participação dos nossos povos, que reivindicam a realização da Conferência Nacional de Educação Indígena. As nossas terras continuam sendo invadidas ostensivamente por fazendeiros e outros tipos de invasores, ameaçando a vida física e cultural dos nossos povos, como no caso dos Enawene Nawe e Xavante em Mato Grosso.
Continuamos preocupados pelo retardamento da desinstrusão da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, que submete aos povos indígenas da região a permanente clima de insegurança e tensão, e a perspectivas de conflitos com os invasores, de resultados imprevisíveis. No mesmo estado, na Terra Indígena São Marcos, vários anos depois da homologação, a desintrusão deu-se com recursos da comunidade indígena advindos de indenização procedente da passagem de linhas de transmissão no seu território. Até hoje, a Funai não devolveu esses recursos, que ultrapassam o valor de quatro milhões, quatrocentos e cinqüenta e cinco mil reais, conforme acordos estabelecidos.
A estas situações soma-se o quadro de violência física e psicológica contra os nossos povos, organizações e lideranças, agravada com o incremento de prisões ilegais, como no Mato Grosso do Sul, e de homicídios. Só no ano de 2007, até o mês de novembro, segundo levantamento do Conselho Indigenísta Missionário, foram assassinados 61 parentes nossos, 38 somente no estado de Mato Grosso do Sul. No entanto, a justiça brasileira mostra-se ineficiente ou conivente ao não apurar, julgar e condenar os responsáveis. Ao contrário, percebe-se uma tendência de reforçar as ameaças, intimidações, perseguição e criminalização das nossas lideranças, inclusive por agentes da Polícia Federal sob o olhar conivente do Ministério Público, como o caso específico do Nordeste, notadamente do povo Xucuru de Ururubá, em Pesqueira, Pernambuco, cujo cacique, Marcos Xucurú, membro titular da CNPI é vítima desta situação, particularmente por parte do delegado, de nome Marcos Contrin, cuja remoção reivindicamos veementemente da vossa excelência.
Como se fosse pouco, Senhor Ministro, o Governo Lula mostra determinação a implantar inúmeros empreendimentos previstos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) como a transposição do rio São Francisco, as hidrelétricas nos Rios Xingu, Madeira e Tocantins, entre outros, rodovias e hidrovias, linhas de transmissão e outras obras de infraestrtura, sem se importar com os impactos diretos ou indiretos que poderão ter sobre o meio ambiente, os recursos naturais e da biodiversidade existentes nos nossos territórios, que preservamos a milhares de anos, assim como a nossa cultura, o nosso modo de vida. Até o momento não vemos sinal nenhum de que o Governo criará as condições para cumprir o estabelecido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), no sentido de garantir aos nossos povos o direito à consulta, visando o consentimento livre, prévio e informado, sobre quaisquer medidas administrativas, políticas e jurídicas que os afete.
Para terminar, Senhor Ministro, queremos parabenizá-lo pela sua determinação de garantir o processo de reconhecimento de várias Terras Indígenas, com a assinatura de portarias declaratórias como no particular das Terras Indígenas de Santa Catarina. Somos solidários com sua atuação. Contudo, esperamos que jamais se dobre às pressões de governos estaduais, políticos, fazendeiros e outros setores econômicos quer relutam para não admitir esse reconhecimento, tentando de todas as formas provocar a anulação de medida favorável aos nossos povos.
Concluímos, solicitando da vossa excelência dar trâmite às nossas reivindicações visando encontrar solução aos problemas, dentre tantos, aqui relacionados.
Certos de contarmos com a Vossa atenção, subscrevemo-nos,
Atenciosamente,