Conferencia Nacional Popular sobre Agroenergia
“Terra, água e energia
não são mercadoria!”
“Globalizemos a luta
globalizemos a esperança!”
Com palavras de ordem que refletiam bem o espírito e a disposição dos mais de 700 participantes de 16 países latino americanos e da maioria dos estados brasileiros, o tema da agroenergia trouxe muitos debates a partir dos diversos enfoques e olhares sobre a questão.
A primeira Conferência Nacional Popular sobre agroenergia, foi marcada por um clima de indignação pelo assassinato de Keno e toda a violência desencadeada contra os camponeses, especialmente os militantes no MST.
Ficou evidenciada a necessidade de mudança de paradigma civilizatório. Momento de desconstruir para construir um novo projeto de sociedade
Apesar de poucos participantes indígenas, ficou evidenciado a importância desses povos, particularmente com seus valores, sua relação com a terra, não como uma mercadoria ou objeto, mas como espaço integrado de vida e cultura, fonte de alimentos e harmonia, de lazer e energia, de espiritualidade e alegria. Por isso é fundamental que não apenas sejam reconhecidos e respeitados seus territórios tradicionais, mas também sirvam de inspiração para novas formas de viver e produzir.
Estão sendo dado passos importantes para unir, somar e articular as lutas dos povos indígenas e os movimentos camponeses, quilombolas e populações tradicionais. Um dos exemplos citados foi o da luta unificada pelas terras roubadas pela Aracruz celulose tanto aos índios Tupinikim Guarani, quanto aos quilombolas e camponeses expulsos das terras pelo deserto verde do eucalipto.
Os diversos expositores, desde a conferência de abertura por Leonardo Boff, até o relato das experiências em curso nas diversas regiões do país, destacaram a necessidade urgente de pensar uma outra racionalidade não capitaneada pela industria automobilística com seus 800 milhões de carros rodando no mundo às custas de 800 milhões de pessoas passando fome. É indispensável acabar com o absurdo da monocultura do agronegócio concentrador e excludente, destruidor e poluidor. Precisamos urgentemente rediscutir e redefinir os padrões de produção, consumo e bem viver. O mundo precisa de alimentos, bem mais do que de etanol. Chega de tanques cheios e barrigas vazias.
Assistimos uma aceleradas alianças capitalistas entre a indústria automobilística, petroleira e agronegócio. Com isso umas poucas empresas no mundo(41) controlam tudo: mercado, preços, tecnologia e sementes (transgênicas). Monsanto, Bunge, Cargill…Com isso assistimos um brutal empobrecimento de alimentos. Hoje 80% dos alimentos têm origem em 5 tipos de grãos –soja, arroz, milho, feijão, trigo É um processo criminoso de empobrecimento alimentar, dependência e transformação do alimento em simples mercadoria. Isso significa a eliminação galopante da biodiversidade e conseqüentemente ameaça à vida no planeta.
No documento final, ao qual até o governador Roberto Requião deu sua total adesão, sinaliza para os princípios que vão nortear a luta dos camponeses, indígenas, quilombolas, populações tradicionais, mas especialmente os pequenos produtores rurais, na luta por soberania alimentar e energética, por autonomia e controle da agroenergia.
Por uma soberania alimentar energética
Não há dúvida de que o planeta Terra está gravemente enfermo devido à ação destruidora do Capital, responsável pelo aquecimento global e mudanças climáticas, além da privatização de todas as formas de vida. Estamos diante de uma encruzilhada: ou mudamos o paradigma de civilização atual ou a humanidade e a vida no planeta será destruída.
A nossa luta é por uma nova civilização que se baseie em uma relação de harmonia entre a humanidade e a natureza, na qual não prevaleça o consumismo e a lógica do lucro e do mercado, que devasta os recursos naturais, concentra riqueza e poder nas mãos de poucos e gera pobreza e desigualdade social. Lutamos por uma sociedade baseada na justiça social e ambiental, na igualdade, na solidariedade entre os povos, assentada em valores éticos coerentes com uma sociedade voltada a sustentabilidade de todas as formas de vida.
Diante disso nos posicionamos:
1. Defendemos que a terra, água, sol, ar, subsolo e a biodiversidade sejam conservados e utilizados de modo sustentável para prioritariamente produzir alimentos e proporcionar trabalho e qualidade de vida.
2. Afirmamos o direito da soberania popular sobre o seu território e seu destino. A soberania alimentar e energética é o direito do povo produzir e controlar os alimentos e a energia para atender suas necessidades.
3. A produção de energia não pode, de modo algum, substituir ou colocar em risco a produção de alimentos. A agroenergia só deverá ser produzida de forma diversificada e complementar à produção de alimentos.
4. A política de produção de agroenergia não pode ser determinada pela lógica do mercado. E pelos interesses de lucro das empresas petrolíferas, automobilísticas e do agronegócio.
5. Rechaçamos e combatemos qualquer tipo de monocultura e propomos o limite do tamanho das propriedades rurais e o limite das áreas destinadas para produção de agroenergia em cada estabelecimento, município e região.
6. Reafirmamos a necessidade de uma reforma agrária popular e de um processo de democratização de acesso á terra como via para garantir a soberania alimentar e a soberania energética. O atual modelo do agronegócio é um processo de continua concentração da propriedade da terra.
7. A soberania alimentar e energética é baseada na agroecologia e na economia local e regional. Combatemos o modelo insustentável e excludente do agronegócio, um dos principais causadores das mudanças climáticas devido à transformação do uso da terra, o desmatamento e a utilização massiva de agrotóxicos e transgênicos, além da mecanização e do transporte de mercadorias em escala planetária.
8. A agroenergia deve ser produzida para garantir a soberania energética do povo e não para ser exportada com o objetivo de abastecer os países ricos e gerar lucros para o agronegócio e as grandes empresas privadas e transnacionais.
9. Combatemos o controle do capital estrangeiro sobre a economia, a terra, os recursos naturais e as fontes de energia do Brasil.
10. Lutamos por um modelo energético sustentável e diversificado. A agroenergia é uma das alternativas ao lado de medidas de eficiência e outras fontes de energia renovável e sustentável.
11. Defendemos um modelo energético popular e descentralizado, que expresse as necessidades sociais e as características e potencialidades locais e regionais. Propomos a produção e gestão na forma de pequenas usinas cooperativadas, comunitárias ou familiares sob controle dos camponeses e trabalhadores.
12. Lutamos por um novo sistema de transporte que integre suas diferentes formas (fluvial, ferroviário, rodoviário) e privilegie o transporte público e coletivo de qualidade, em vez do modelo insustentável e irracional dependente de petróleo e que privilegia o transporte individual.
13. O atual modelo de produção de agrocombustíveis degradará os biomas brasileiros, principalmente a Amazônia e o Cerrado, pressionando a expansão das fronteiras agrícolas. Frente a isso, afirmamos a soberania de todos os povos e as comunidades tradicionais sobre o território. Basta de desmatamento em todos os ecossistemas brasileiros.
14. O papel dos camponeses e da agricultura familiar deve ser definido pela sua soberania e autonomia. Portanto, somos contra o sistema de integração que atrela os agricultores a empresas de agroenergia, que apenas explora sua mão de obra. Defendemos políticas públicas que garantam crédito, assistência técnica e condições para que os camponeses e agricultores produzam agroenergia em pequenas unidades de produção.
15. Exigimos ao Estado brasileiro estimular, normatizar e controlar uma política de soberania energética em nosso país. Para isso, são necessários instrumentos, políticas e instituições públicas com controle social que garantam o papel efetivo do Estado para gerir todo o processo de produção e comercialização de agroenergia no Brasil.
Assinamos a carta, nós, 500 participantes da I Conferencia Nacional Popular sobre Agroenergia, representando os movimentos que compõem a Via Campesina, ambientalistas, sindicalistas e pastorais.
Curitiba, Paraná, Brasil. 31 de outubro de 2007
Egon Dionisio Heck