17/10/2007

Ecumenismo segundo o Documento de Aparecida

Por Paulo Suess


Assessor Teológico do Cimi


 


Nos últimos 40 anos, o magistério latino-americano e a prática pastoral da Igreja Católica têm insistido no diálogo ecumênico.[1] O ecumenismo, a relação fraterna entre todos aqueles que adoram Deus como Pai e “que foram regenerados pelo batismo” [228], não é algo optativo entre especialistas, mas é “irreversível”[2] e “irrenunciável para o discípulo e missionário”. O contrário seria um “escândalo” e um “atraso no cumprimento do desejo de Cristo” [227] (cf. UR 1, SD 132).


 


Aparecida segue no diálogo ecumênico as linhas mestras do Vaticano II e assume o magistério latino-americano das Conferências anteriores [cf. 231]. O Credo comum da fé cristã “no Deus uno e trino, no Filho de Deus encarnado, nosso Redentor e Salvador” nos permite dar “o testemunho da nossa esperança” ao mundo e nossa “cooperação no campo social” (UR 12). Aparecida “insiste no caráter trinitário e batismal do esforço ecumênico, onde o diálogo emerge como atitude espiritual e prática, num caminho de conversão e reconciliação” [228].


 


A unidade dos discípulos missionários é unidade na “comunhão no Espírito Santo” (2Cor 13,13), no plural dos dons, das vocações e dos significados históricos [155].


 


O Espírito Santo é não só o protagonista da missão, mas também o promotor da unidade na diversidade das culturas e do diálogo ecumênico a partir de um Credo trinitário comum com seus desdobramentos históricos diferenciados. Guiado pelo Espírito Santo, o movimento ecumênico produziu muitos frutos: “favorece a estima recíproca, convoca a escuta comum da palavra de Deus e chama aos que se declaram discípulos e missionários de Jesus Cristo à conversão” [232].


 


A unidade dos cristãos será um “dom do Espírito Santo” [230], um dom que envolve oração, participação e partilha dos agraciados. Em sintonia com o Vaticano II, o DA afirma que uma das bases importantes do movimento ecumênico é a oração e a conversão. Em questões de fé, que permitem tantas divergências, o ecumenismo sociológico do “movimento” necessita do apoio do “ecumenismo espiritual” (UR 8 [230]). O ecumenismo, que nasce da oração de Jesus, só é sustentável através da oração, conversão e reconciliação dos discípulos [234, 228].


 


Onde existe o diálogo ecumênico, “diminui o proselitismo, cresce o conhecimento recíproco, o respeito e se abrem possibilidades de testemunho comum” [233]. O ecumenismo nos faz “recuperar em nossas comunidades o sentido do compromisso do batismo” [228], suscita “novas formas de discipulado e missão em comunhão” [233] e inspira a colaboração no campo social [99g]. Pelo amor de Deus e pelo amor aos pobres devemos avançar no diálogo ecumênico, porque uma das finalidades do movimento ecumênico é a concretização do Evangelho no meio dos pobres.


 


O ecumenismo, classicamente pensado como movimento pela unidade dos cristãos, deve sempre ser pensado também como macro-ecumenismo do diálogo inter-religioso que visa a unidade de toda a humanidade. A unidade, por ter como base a criação do ser humano segundo à imagem e semelhança de Deus, e o desejo de Jesus para que todos “sejam um” (Jo 17,21; [227], cf. SD 132), protege as pessoas contra qualquer discriminação racial, religiosa ou de gênero [cf. 97; 533].


 


O diálogo ecumênico ainda não se tem desenvolvido “com a mesma intensidade em todas as Igrejas” [99g]. Obstáculos para esse diálogo representam a falta dos devidos discernimentos e a convivência com grupos fundamentalistas que “atacam a Igreja Católica com insistência” [100g]. É importante participar de organismos ecumênicos em todos os níveis da vida eclesial.[3] Além das “escolas de ecumenismo” já existentes “necessitamos de mais agentes de diálogo e mais bem qualificados” [231s].


 


Seguindo o Vaticano II, Aparecida chama a atenção para um “falso irenismo”, que se esquece desse dinamismo histórico (UR 11, cf. 231, 234). Celebrações que tentam antecipar a unidade, que de fato não existe, misturando elementos de cada denominação que participa da respectiva celebração, ferem, muitas vezes, a identidade de pessoas ou grupos envolvidos e aumentam a discórdia que queriam superar. O movimento ecumênico é impulsionado pela energia que corre entre os dois pólos: a desunião de fato existente e a vontade firme de superá-la num diálogo paciente e amplo. O ecumenismo com base popular avança, geralmente, com mais facilidade do que o ecumenismo meramente doutrinal. “Sustentado pelo Espírito da verdade”, o povo vive em seu conjunto e no corpo a corpo ecumênico o “senso da fé” (LG 12a). O povo pobre, que é a base constitutiva da Igrejas, sabe-se situar na “hierarquia de valores” (GS 37a) e na “hierarquia de verdades” (UR 11c), sem trair o próprio e sem desprezar o alheio e diferente.


 








[1] Cf. Medellín II/26, III/20, IV/19d, V/19, VIII/11, IX/14. – Puebla 108, 1008, 1096s, 1107s., 1114s., 1118-1122, 1124, 1127, 1161. – Santo Domingo 132s., 135.



[2] Ut unum sint 3



[3] Algumas instituições com longa tradição ecumênica: CESEP (Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular; www.cesep.org.br ), CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil; www.conic.org.br ), CESE (Coordenadoria Ecumênica de Serviços; www.cese.org.br ), KOINONIA (Presença Ecumênica e Serviço; www.koinonia.org.br ), IAMS (International Associacion for Mission Studies/Associação Internacional de Estudos Missiológicos; www.missionstudies.org ).

Fonte: Cimi
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