16/08/2007

O Brasil que sonhamos e o que vivemos: o governo Lula e os povos indígenas


A política desenvolvimentista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva faz-nos recordar a repetição dos acontecimentos históricos do processo de colonização e de propaganda ideológica dos períodos ditatoriais. Em nome do desenvolvimento e de interesses externos, a população brasileira e seu território são dilapidados e espoliados. Durante campanhas de suas repetidas candidaturas à presidência da República, o atual mandatário do país afirmava que a as elites brasileiras governavam de costas para a população: os pés no Brasil e cabeça nos países do denominado primeiro mundo. No poder, esqueceu o pregou e implantou o que a receita neoliberal orientou.


 


Na polêmica com seus adversários, desde o final da década de 1980, Lula apresentou-se como o representante de milhões de miseráveis e dos sonhos de milhares de lutares e lutadoras por um país independente frente aos interesses da classe burguesa e do capital internacional. Já no rápido e avassalador governo do ex-presidente Fernando Collor de Mello, identificava-se o desmonte do Estado e o aprofundamento do sucateamento das políticas sociais, além das privatizações de empresas estatais e dos serviços. O projeto neoliberal avançou com os oito anos do governo do Fernando Henrique Cardoso, que, ao ser questionado sobre sua trajetória acadêmica e política recente, pediu para esquecer o que tinha escrito e dito.


 


O fato é que, o povo brasileiro, quando elegeu o Lula presidente, o fez apostando em sua política da defesa da autonomia quanto aos interesses da maioria da população e enfrentamento da concentração de renda do capital financeiro nacional e internacional. Entretanto, a sua política demonstra o contrário: a concentração de aumentou nas mãos do grande capital, a classe média foi empobrecida e são agraciados com as migalhas que caem da mesa farta do capital financeiro.


 


Frente a isso, pode-se refletir que a história de luta da população brasileira é construída de momentos de enfrentamento, de resistência e de refluxo frente aos interesses da colonização de ontem e do imperialismo contemporâneo. No início os povos indígenas se rebelaram, buscando refúgio nas matas e florestas; com a entrada e alargamento das fronteiras agrícolas, foram levados á negociarem acordos políticos, assegurando suas práticas religiosas e econômicas. Depois chegaram os negros, arrancados de suas terras, foram colocados no trabalho como mão-de-obra escrava. Quando não interessava mais ao mercado, foram todos jogados ao relento e à própria sorte. Levadas de europeus desembarcaram no sul do país em busca de terras para trabalhar, expulsando indígenas dos seus territórios e negros perambulando em mocambos e favelas.


 


Nas últimas décadas a história tem se repetido. A partir de 1950, com o avanço e organização dos movimentos sociais, as lutas operária e camponesa aumentaram. Novamente, monitorado pelos interesses americanos, a elite governante brasileira se submeteu colocando-se como subserviente à intervenção na América Latina, ocorrendo no Brasil o golpe militar de 1964. Os movimentos sociais desmontados e suas lideranças humilhadas, assassinadas e exiladas.


 


Dezenove anos de ditadura militar. A sociedade foi calada e submetida aos grandes interesses de multinacionais capitaneadas pelo governo brasileiro. Grandes projetos foram implantados no Brasil em nome do desenvolvimento econômico, a exemplo das hidrelétricas, rodovias, ferrovias, mineração e madeireiras. Povos indígenas foram dizimados, outros desestruturados; territórios invadidos e degradados. Depois de quase duas décadas, pode-se identificar como conseqüências uma país dividido economicamente, com a renda concentrada nas mãos de uma classe social de um lado e, do outro, milhões brasileiros vivendo na miséria, submetidos à fome, ao analfabetismo, ao desemprego, à falta de terra e de moradia, assistência à saúde e à educação.


 


A retomada da construção da cidadania, com a reorganização dos movimentos sociais, igrejas e segmentos oprimidos da sociedade, tem ocorrido à custa de mobilizações e de ações organizadas na conquista e defesa dos direitos da maioria da população. Dentre esses momentos históricos, destaca-se o processo de luta pela redemocratização política, elaboração e promulgação da nova Constituição Federal, em 1988.


 


A eleição de governantes e parlamentares originários das lutas populares, do nível municipal à esfera federal, a conquista dos direitos constitucionais e o avanço da lutas populares não significaram ainda a paralisação das forças conservadoras e do poder econômico, particularmente no que se refere à demarcação das terras indígenas e à Reforma Agrária. Nesse contexto, pode-se destacar o modelo de desenvolvimento econômico, identificado na peça publicitária de Programa de Aceleração de Crescimento – PAC, a reforma trabalhista e da previdência postas no Congresso Nacional, revisão dos direitos indígenas e sociais da classe trabalhadora.


 


No cenário de revisão ideológica, ou, na melhor das hipóteses, da despressurização da memória dos atuais condutores da política brasileira, os responsáveis historicamente pelo massacre de populações indígenas e escravização do negro e do camponês viraram abruptamente heróis nacionais.


 


Mesmo enfrentando políticas indigenistas contrárias, a exemplo do instrumento da Tutela amplamente utilizado contra as lutas pelos direitos indígenas, as populações têm conquistado, em nível internacional, a assinatura da Convenção 169 da Organização do Trabalho – OIT no final do primeiro do Governo de Lula e a criação da Comissão Nacional de Política Indigenista – CNPI, do Ministério da Justiça, atendendo à uma antiga reivindicação do movimento indígena e entidades indigenistas. Cabe ressaltar a demarcação e homologação de alguns territórios indígenas historicamente emblemáticos, como é caso da Terra Raposa Serra do Sol, no estado de Roraima. Pode-se também destacar a visibilidade alcançada pelas populações indígenas nesse contexto de luta e conquista de autonomia. Povos que se encontravam secularmente esquecidos pela sociedade não-indígena, têm encontrado espaço importante através das pesquisas acadêmicas, entidades indigenistas e de canais de comunicação alternativos.


 


Entretanto, mesmo considerando essas conquistas simbólicas, é importante destacar a continuidade neoliberal dos governos anteriores no que se refere às políticas públicas, quanto à demarcação dos territórios indígenas, à política de projetos de desenvolvimento, saúde e educação.


 


Como resultado da aliança do governo com os setores invasores das terras e historicamente inimigos dos povos indígenas, pode-se identificar nos últimos anos o aumento de assassinatos de lideranças indígenas, ampliação das fronteiras agrícolas sobre seus territórios, aumento da precarização da mão-de-obra, escassez da assistência à saúde e abandono dos estados da educação escolar indígena específica e diferenciada.


 


No Nordeste, assiste-se a pirotecnia governamental pela transposição do rio São Francisco, justificando resolver a problemática da seca do semi-árido que atinge a 12 milhões de pessoas e ao criatório de animais. Obra orçada em cerca de 6 bilhões e com uma extensão de mais 700 km, com capitação de água no Estado de Pernambuco. Os estados mais beneficiados seriam da Paraíba, do Rio Grande do Norte e o Ceará.


 


Na Bacia do rio São Francisco está uma diversidade de povos indígenas, onde serão diretamente atingidos os Truká, em Pernambuco, e os Tumbalalá, Bahia. Encontram-se também os quilombolas e ribeirinhos, onde cultivam seus rituais religiosos, produção e costumes tradicionais. Essas populações já tiveram seus costumes e tradições afetadas com as construções de hidrelétricas ao longo do leito do rio, provocando profundas mudanças culturais, degradação e assoreamento.


 


Diante de dados dos pesquisadores e das manifestações de movimentos sociais contrários à transposição, o governo não consegue explicar como pretende executar uma obra de dimensões faraônica enquanto milhares de sertanejos vivem praticamente às margens do rio são penalizados pela falta de água, saneamento básico e assistência técnica. E mais grave, o local previsto para capitação está localizado em territórios indígenas, onde, apesar das reivindicações, o governo não procedeu ao processo de identificação e demarcação e, respeitando à Constituição Federal, encaminhar projeto lei para que possa ser discutido no Congresso Nacional.


 


Jorge Vieira


Missionário do Cimi-NE e jornalista

Fonte: Cimi - NE
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