Quilombolas retomam terras da Aracruz e criam 1º assentamento no ES
Ubervalter Coimbra
Quarenta anos após serem expulsos pela Aracruz Celulose, aproximadamente 500 descendentes dos escravos negros do norte capixaba, moradores das comunidades quilombolas do Sapê do Norte, reocuparam parte de seu território. A ação, em Linharinho, começou às 9 horas desta segunda-feira (23). Ali os quilombolas vão criar ali seu primeiro assentamento no Espírito Santo.
O objetivo dos quilombolas que ocupam parte do seu território de Linharinho, em Conceição da Barra, é pressionar para que se concretize a demarcação da área reconhecida como território quilombola pelas pesquisas realizadas pela Universidade Federal do Espírito Santo, segundo portaria divulgada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Ao Incra, por lei, cabe devolver o território negro aos seus donos.
Segundo Maria Aparecida Marciano, da Comissão Quilombola de Sapê do Norte, informou que os negros estão limpando suas terras. Os quilombolas estão derrubando o eucalipto, vão construir casas e plantar alimentos.
Desde que os quilombolas chegaram ao local, a Visel, milícia armada da Aracruz Celulose, está rondando a área. Até o final da manhã não foram registrados conflitos. A área ocupada é próxima a um córrego que, como os demais da região onde a Aracruz Celulose planta eucalipto está contaminado por venenos agrícolas. A região também foi desertificada pelo uso intensivo das terras com os plantios de eucalipto, que são vorazes consumidores de água.
Ao comentar a ocupação, Maria Aparecida Marciano criticou o governador Paulo Hartung por sua política em relação aos quilombolas; “Ele só jogou contra os quilombolas”. A seguir apontou que a ocupação do território e a criação do assentamento quilombola em Linharinho visam “alavancar o processo de titulação da área pelo Incra”.
Os quilombolas estão recebendo apoio da Rede Alerta Contra o Deserto Verde, de trabalhadores da Via Campesina – Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e MST, entre outros segmentos.
Para tomar as terras dos quilombolas (cerca de 50 mil hectares), dos índios (40 mil hectares) e ocupar terras devolutas – que têm de ter destinação social – a Aracruz Celulose empregou a força, ou seduziu as pessoas com falsas promessas de emprego e bem estar social nas cidades. Os que venderam suas terras a preços vis passaram a ocupar as favelas nas periferias das cidades.
Na violência contra os negros, índios e trabalhadores rurais, a Aracruz Celulose, fundada por um membro da Coroa Norueguesa, contou com favores da ditadura militar e dos governos do Espírito Santo, como o de Arthur Carlos Gehardt. Santos, governador biônico (não eleito pela população).
Para plantar seus eucaliptais, a Aracruz Celulose destruiu somente no Espírito Santo 50 mil hectares da mata atlântica, acabando com sua biodiversidade. A empresa explora e degrada há 40 anos as terras que arrecadou no Espírito Santo.
Negros descendentes de escravos têm 50 mil hectares no Estado
No dia 13 de abril de 2006, o Incra publicou o edital confirmando que o território de Linharinho pertence aos descendentes dos escravos negros de Sapê do Norte. O edital foi publicado no Diário Oficial da União (DOU).
O estudo da Ufes feito a pedido do Incra em Linharinho confirmou a presença de 41 famílias quilombolas, que resistiram à ocupação da região pelos eucaliptais da Aracruz Celulose e de outras monoculturas. Há, ainda, moradores não descendentes dos escravos negros. O território quilombola de Linharinho tem
A publicação do edital foi realizada por exigência legal e faz parte do processo de devolução das terras a seus verdadeiros donos. O trabalho de identificação dos territórios quilombolas no Estado está sendo coordenado pelo Comitê Gestor do Projeto Territórios Quilombolas do Espírito Santo. Algumas das áreas pesquisadas estão em Sapê do Norte, território formado pelos municípios de Conceição da Barra e São Mateus.
O Comitê Gestor do Projeto Territórios Quilombolas do Espírito Santo é coordenado pelo Incra, com a participação de representantes da Ufes, do Ministério Público Federal, da Defensoria Pública e da Fase, além de organizações que representam os negros no campo e na cidade.
O trabalho de “identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes de quilombos” é obrigatório e deve ser realizado por determinação do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; do Decreto n. 4887 de 20/11/2003; e da Instrução Normativa n. 16/2004.
Os territórios ocupados por população tradicional negra têm de ser demarcados e devolvidos aos quilombolas, para cumprimento da legislação, tarefa de responsabilidade o Incra. Pesquisas científicas concluídas e já entregues ao Incra para análise, confirmam que os quilombolas capixabas têm direito a um território com cerca de 50 mil hectares, ocupados por empresas.
As pesquisas apontam que os negros foram forçados a abandonar suas terras: em Sapê do Norte existiam centenas de comunidades na década de 70, e hoje restam 37. Ainda na década de 70, pelo menos 12 mil famílias de quilombolas habitavam o norte do Estado: atualmente resistem entre os eucaliptais, canaviais e pastos, cerca de 1,2 mil famílias. Em todo o Espírito Santo existem cerca de 100 comunidades quilombolas.
O projeto Territórios Quilombolas no Espírito Santo também pesquisou e confirmou ser território quilombola