A batalha judicial pela garantia da Terra Indígena Morro do Osso
A comunidade indígena Kaingang, que em 9 de abril de 2004 retomou o Parque Natural Morro do Osso, na cidade de Porto Alegre, continua a sua luta pela demarcação da área. A Fundação Nacional do Índio – Funai, por sua vez, permanece omissa diante desta questão, o que nos remete a uma reflexão ampla sobre uma política indigenista que contemple as demandas dos índios urbanos.
A população indígena que atualmente mora nas cidades, sejam elas grandes ou pequenas, é pelo menos a metade da população indígena do país. De acordo com o Censo do IBGE de 2000, são hoje 380.000 indígenas morando nos centros urbanos e esses números podem ser maiores. O IBGE está fazendo, neste ano de 2007, um novo levantamento populacional no país e com toda certeza trará novos e importantes dados sobre esta realidade indígena urbana.
Os Kaingang do Morro do Osso, desde que ocuparam o Parque, enfrentam inúmeras dificuldades, de modo especial o preconceito por parte da população vizinha e das autoridades públicas, em particular daquelas que administram a prefeitura de Porto Alegre, tanto na gestão atual como na passada.
A população e as autoridades desencadearam uma intensa campanha nos meios de comunicação contra os índios. Buscam desqualificar a comunidade, alegando que as famílias são negligentes com suas crianças, preguiçosos, sujos, bêbados, barulhentos, violentos e que depredam o meio ambiente.
Entraram com ações judiciais (interdito proibitório e com pedidos de liminares de reintegração de posse) reclamando o Morro do Osso como sendo patrimônio do município de Porto Alegre e para que nele sejam desenvolvidas atividades preservacionistas e de lazer. Alegam que a presença dos índios Kaingang inibe e amedronta aqueles que desejam fazer os passeios e o lazer e que eles, os índios, devem ser removidos para bem longe. Ou seja, ali não é local de índio.
Para enfrentar as ações na justiça, os Kaingang contam com o Ministério Público Federal e com o apoio solidário de um advogado que os representa.
A comunidade assegura que naquele parque existem elementos antropológicos, arqueológicos, históricas, espirituais e míticos que comprovam a tradicionalidade da ocupação indígena. A própria prefeitura de Porto Alegre fazia propaganda turística sobre o parque usando-se destas informações.
De acordo com estudos de ambientalistas, arqueólogos e antropólogos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a região hoje ocupada por condomínios luxuosos, na qual está o Parque Natural do Morro do Osso, era, até muito recentemente, área de ocupação e de passagem de famílias indígenas que vinham para os centros urbanos para comercialização de seus produtos e para tratamento de saúde. O Morro do Osso, de acordo com os estudos, é um local sagrado, porque nele os pajés, através de sua mística e religiosidade, se comunicam com os antepassados. E o forte elo de ligação entre os Kaingang de hoje com o passado é a existência de um cemitério indígena naquele local. Foram localizadas pelos pesquisadores materiais de cerâmica, pedras polidas e outros materiais e artefatos que sugerem a existência de um grande sítio arqueológico, que precisa ser estudado e preservado.
No dia 29 de junho o juiz federal da Vara Ambiental, Agrária e Residual de Porto Alegre sentenciou, em ação de interdito proibitório proposta pela Prefeitura de Porto Alegre, que os índios teriam 30 dias para sair do local hoje ocupado e que caberia à prefeitura a obrigação de reassentar as famílias em outro local e assegurar a elas toda a infra-estrutura necessária.
A comunidade indígena, por sua vez, ingressou com recurso de “embargos de declaração” alegando a incompetência do juiz da Vara Ambiental e Agrária em julgar a ação, uma vez que uma decisão da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, na sessão do dia 19/7/2006, assegurou aos Kaingang o direito de permanecerem onde estão até que a Funai proceda aos estudos sobre a área. Segundo o juiz Márcio Rocha, “a remoção programada não leva em conta qualquer estudo antropológico, estudo de sustentabilidade de permanência, de adequação etc., ou qualquer aspecto de defesa dos interesses da comunidade Kaingang, pois a relocação não é feita para uma área tradicionalmente ocupada pelos índios, sustentável e adequada, mas para qualquer área, desde que não seja o Morro do Osso”. Ainda segundo juiz, “não são as comunidades indígenas que devem aguardar nossos processos de ocupação de suas terras, nós é que devemos aguardar os resultados de nossos próprios processos administrativos e judiciais para afirmar que as comunidades não apresentam os direitos que alegam”.
Quanto à alegação da Prefeitura de Porto Alegre de que estariam havendo danos irreversíveis ao meio ambiente em função da presença indígena, o magistrado rebateu: “em termos de política preservacionista, sabe-se, hodiernamente, quanto a comunidades potencialmente danosas, que a retirada pura e simples não é medida mais acertada, mas sim o comprometimento de todos com a causa ambiental” (ver processo n.º 2005.04.01.052760-4/RS).
A partir da decisão da 4ª Turma do TRF da 4ª Região, cabe à Funai dar os encaminhamentos necessários e urgentes para a constituição de um grupo de trabalho de identificação da terra e implementar uma política de assistência e proteção à comunidade e, acima de tudo, reconhecê-los como merecedores de direitos e aceitar a sua luta como legítima.
Roberto Antonio Liebgott
Cimi Sul Equipe POA