06/06/2007

Cimi repudia ameaças ao bispo de Chapecó, D. Manoel João Francisco

O Conselho Indigenista Missionário vem a público expressar sua solidariedade aos agentes de pastoral da Diocese de Chapecó, de modo especial ao seu bispo diocesano D. Manoel João Francisco, em função das ameaças que vem sofrendo de grupos ligados aos setores do agronegócio e de políticos oportunistas.


 


Foi a segunda vez, em poucas semanas, que o bispo da Diocese de Chapecó sofreu ameaças. A primeira ocorreu no final do mês de abril, quando quatro pessoas em uma camionete de cor preta desembarcaram na sede da chácara da Diocese, em Chapecó, e lá informaram ao caseiro que o bispo deveria tomar cuidado e parar de defender os índios, caso contrário eles iriam acampar naquela chácara com milhares de pessoas.


 


A segunda ameaça ocorreu no dia 1º de junho, em frente à Catedral da Diocese de Chapecó, quando manifestantes instigados por políticos, penduraram numa árvore um boneco de pano, representando o enforcamento do bispo e no qual havia uma faixa escrita: “O futuro do Bispo Diocesano é igual a Judas, o enforcamento”.


 


D. Manuel tem se posicionado sempre de maneira sóbria e tranqüila na defesa dos direitos dos povos Guarani, Kaingang e Xokleng à demarcação e garantia de suas terras. As posições de D. Manuel nunca excluem a sua preocupação com a defesa dos direitos dos pequenos agricultores que foram assentados de maneira ilegítima em terras que eram ocupadas há décadas por povos indígenas. D. Manuel, desde sua chegada à  Diocese de Chapecó, defendeu e continua a defender que estas famílias de agricultores precisam ser devidamente indenizadas e reassentadas em outras terras. Cabe ao Estado de Santa Catarina assumir suas responsabilidades frente aos erros do passado e indenizar as terras tituladas indevidamente a estas famílias. Por outro lado, é dever da União assegurar as justas indenizações pelas benfeitorias e efetuar os respectivos reassentamentos.


 


O Cimi  também quer esclarecer que as áreas indígenas que vêm sendo duramente questionadas pelos grupos e setores mencionados acima foram objetos de uma decisão administrativa do ministro da Justiça que, atendendo aos preceitos constitucionais, emitiu no dia 19 de abril as portarias declaratórias de quatro terras indígenas em Santa Catarina, quais sejam: Terra Toldo Pinhal, Terra Araça’i, Terra Toldo Imbu e Terra Xapecó (Gleba Canhadão e Pinhalzinho). As demarcações dessas terras, que são os frutos de muitas lutas e sofrimentos, eram esperadas com ansiedade pelos povos Kaingang e Guarani, que jamais aceitaram a expulsão e o exílio de seus territórios tradicionais. Cabe dizer que os procedimentos de demarcação destas terras, bem como os de dezenas de outras, se encontram na Funai e no Ministério da Justiça há muito tempo, alguns há mais de 10 anos.


 


É importante ressaltar que a região sobre a qual estas áreas estão sendo demarcadas é tradicionalmente habitada pelos povos Kaingang e Guarani. No entanto, durante o processo de colonização, nos anos de 1920 a 1960, os indígenas foram retirados de forma violenta de suas terras e transferidos para localidades distantes. Isso foi efetivado pelas empresas de colonização, que na época receberam glebas de terras do governo estadual em troca dos serviços de abertura de estradas. As terras eram loteadas por estas empresas e vendidas aos agricultores, sendo na sua maioria de descendentes alemães e italianos. As conseqüências deste processo de colonização foram desastrosas. Famílias e comunidades desagregadas e destruídas, pessoas assassinadas e aldeias inteiras removidas brutalmente de uma região para outra.


 


Os erros cometidos no passado continuam causando impactos profundos na vida dos povos indígenas e nas famílias de agricultores que compraram as terras que hoje ocupam e nelas construíram história. No entanto, os povos indígenas estão presentes, construindo também sua história e buscam assegurar que seus direitos constitucionais sejam efetivamente respeitados e fundamentalmente que as terras tradicionais sejam demarcadas, para nelas viver de acordo com seus usos, costumes, crenças e tradições.


 


O ato declaratório do ministro da Justiça das terras referidas acima, que constitui-se numa determinação constitucional, tornou-se objeto de distorção da verdade e de manipulação política por parte de autoridades, carreiristas da política, empresários e representantes do agronegócio. E vale destacar que existe forte discriminação e preconceito contra os povos indígenas em praticamente todas as regiões e que são alimentados através dos meios de comunicação local e regional. Os índios não são considerados, por boa parcela da população, como cidadãos, detentores de direitos e dignidade.


 


Cabe ainda, na nossa avaliação, uma crítica ao ministro da Justiça Tarso Genro que depois de ter publicado as portarias declaratórias das terras em Santa Catarina, começou a manifestar atitudes de condescendência com os opositores dos direitos indígenas daquele estado. Prova disso é que no dia 22 de maio, através de despachos ministeriais (Despacho SE/MJ n.º 172 a 178) determinou que a Funai faça novas diligências no que se refere ao procedimento demarcatório das terras por ele declaradas como de ocupação tradicional indígena. O mais grave nos referidos despachos é que o ministro da Justiça expandiu o direito ao contraditório para além do que as normas administrativas, expressas pelo Decreto 1775/96, admitem. Este precedente é perigoso e pode gerar uma infinidade de manifestações de políticos e de terceiros interessados nas demarcações em uma etapa do procedimento que já havia sido superada. As conseqüências poderão ser desastrosas para os povos indígenas, porque não haverá mais segurança de que seus direitos constitucionais serão assegurados diante das (velhas e novas) artimanhas criadas pelo poder público, a fim de acolher e assimilar as pressões contrárias às demarcações e, em última instância, inviabilizá-las.


 


Por fim, o Cimi quer externar sua preocupação com a morosidade do governo federal no que se refere ao andamento e conclusão dos procedimentos administrativos de demarcação das terras indígenas. No nosso entendimento, esta morosidade do governo acaba sendo um dos elementos que contribui para o aumento da violência contra os índios e que legitima movimentos instigadores de violência a se articularem e a desencadearem ameaças contra entidades, agentes de pastoral, bispos, lideranças indígenas que lutam pela garantia de seus direitos e pela demarcação das suas terras.


 


Brasília, 06 de junho de 2007.


 


Cimi – Conselho Indigenista Missionário


 

Fonte: Cimi
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