02/05/2007

Comissão Pastoral da Terra divulga Carta Final após XIX Assembléia Geral

A Comissão Pastoral da Terra divulga nessa quarta-feira, 2 de maio, a Carta Final de sua XIX Assembléia Geral. Agentes e trabalhadores rurais ligados à entidade estiveram reunidos entre os dias 24 e 27 de abril na cidade de Goiânia sob o lema “O meu povo viverá muitos anos como as árvores e se deliciará com o fruto do trabalho de suas mãos” (Isaías 65, 22).


 


Os participantes discutiram, entre outros temas, a conjuntura política nacional, com a assessoria do professor e advogado Plínio de Arruda Sampaio; e a Lei de Florestas, com a assessoria do engenheiro florestal e pesquisador do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) Niro Higuchi. Após esses momentos de estudos, os integrantes da CPT redigiram a Carta Final do encontro em que reafirmam sua posição contrária à lógica do hidro e agronegócio e de apoio aos movimentos e organizações dos camponeses e das comunidades tradicionais.


 


Segue abaixo a carta na íntegra:


 


CARTA DA XIX ASSEMBLÉIA DA CPT


 


“Sabemos que toda a criação geme e está com dores de parto até agora” (Romanos 8, 22).


 


Estamos em meio a uma profunda crise civilizatória. O modelo civilizatório ocidental capitalista, alicerçado na exploração de seres humanos por outros seres humanos e na intensa exploração da natureza por uma restrita elite mundial que se sustenta e se reproduz em sistemáticas guerras de ocupação e intervenção, na idolatria do consumo, é o responsável pelo aquecimento global e pela miséria no mundo.


 


O Brasil, hoje como sempre, continua assumindo um papel periférico de colônia entregando suas riquezas e vidas aos interesses do capital. O governo de FHC privatizou as empresas estatais de serviços e infra-estrutura. O governo Lula – escondendo-se atrás de concessões e parcerias – está entregando a natureza e o território brasileiro.


 


O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) tem como objetivo principal potencializar a infra-estrutura a serviço do agro-hidro-negócio, do agrocombustível, da exportação das reservas minerais, florestais, hídricas e territoriais, sem levar em conta os protagonismos, as demandas e as lutas que nascem do campo e da cidade e que exigem a participação popular, a socialização do poder e a distribuição da riqueza.


 


A prova disso é que o governo considera como entraves os interesses e resistências de populações tradicionais e as ações dos movimentos sociais e do ministério público em defesa do ambiente e da vida. Do mesmo modo pouco faz para assegurar os direitos territoriais de quilombolas, indígenas e posseiros, não implementa e não amplia as metas de reforma agrária, não combate a grilagem, não atualiza os índices de produtividade da terra, não se esforça para que seja aprovada a emenda constitucional que permite o confisco das terras onde se dá trabalho escravo.


 


De modo especial, nesta XIX Assembléia, nos organizamos para o estudo detalhado da Lei de Concessão de Florestas Públicas, mais um instrumento que se integra ao PAC. Concluímos que esta Lei é inútil, cínica e iníqua. Inútil porque o Brasil já possui um conjunto de leis – que nunca foram levadas a sério – que combatem a grilagem e o desmatamento, regulamentam o manejo florestal e garantem os direitos territoriais das populações tradicionais. Cínica porque manipula os discursos e as práticas da defesa do meio-ambiente e dos interesses nacionais, enquanto se multiplicam as ameaças à legislação ambiental, e o governo não oferece condições ao Incra e ao Ibama e demais órgãos de fiscalização e loteia cargos públicos a ONGs interessadas na certificação florestal a serviço do mercado. Iníqua porque a única e verdadeira novidade desta lei, a concessão, é uma autêntica privatização do uso das florestas públicas atendendo interesses de grupos nacionais e internacionais motivados pelo lucro e pelo esgotamento da madeira em muitos países e nas propriedades particulares. Iníqua, também, por desobrigar o mercado madeireiro a obedecer a legislação ambiental e fundiária existente no país, contradizendo o dispositivo constitucional que considera as florestas patrimônio público inalienável. Isto, que diz respeito à Amazônia, à Mata Atlântica, à Serra do Mar, à Zona Costeira e ao Pantanal, também, deve ser aplicado ao Cerrado, à Caatinga e aos demais biomas.


 


Diz a Constituição no artigo 225:


 


“Todos têm direito ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.


 


“Porque em esperança fomos salvos. Mas, se esperamos o que não vemos, com firmeza o esperamos” (Romanos 8, 24 e 25).


 


Os movimentos sociais, mesmo num momento de conflito e de contradição, continuam mantendo sua esperança militante num projeto de Brasil que garanta a soberania e segurança territorial, ambiental, energética e alimentar de modo que o trabalho, a economia e as políticas públicas priorizem a vida do povo brasileiro, em especial dos mais pobres, de modo estrutural e não compensatório.


 


Esta esperança se concretiza neste tempo em inúmeras ações e articulações de mulheres camponesas, juventude rural, sem-terras, pequenos agricultores, atingidos por barragens, quilombolas e indígenas, extrativistas e ribeirinhos que não se entregam à lógica do agro-hidro mercado avançando com experiências e propostas de agroecologia, produção e consumo socializados e defesa da natureza e dos modos de vida camponês. Estas experiências e propostas não são expressões isoladas, mas se movimentam na direção de alianças com os movimentos sociais da cidade e das forças vivas da sociedade. Nesta esperança compartilhamos, aprendemos e fortalecemos as experiências latino-americanas de poder popular como expressão de um caminho cultivado por nossos povos em solidariedade.


 


“Porque estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nada nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor” (Romanos 8, 38 e 39).


 


Fiel ao Deus dos pobres, aos pobres de Deus e à Terra de Deus para todos e todas, a CPT se afirma como espaço eclesial e se une, nas palavras de dom Pedro Casaldáliga, com brio e esperança à opção da Teologia da Libertação. Sabemos, pelo nosso povo, que a luta pela Terra e pela Água é um serviço urgente ao Reino de Deus e uma resposta agradecida e corajosa ao testemunho de homens e mulheres, mártires da Nossa América.


 


“O meu povo viverá muitos anos como as árvores e se deliciará com o fruto do trabalho de suas mãos” (Isaías 65, 22).


 


Goiânia, 27 de abril de 2007.


 


Maiores informações:


Assessoria de Comunicação


Comissão Pastoral da Terra


Secretaria Nacional – Goiânia, Goiás.


Fone: 62 4008-6406/6412/6200


www.cptnacional.org.br

Fonte: CPT - Nacional
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