14/03/2007

Os bispos e o clamor dos Povos Indígenas no Mato Grosso do Sul

“Nós perdemos muita terra, mas não a dignidade. Vamos continuar lutando. Enquanto tiver um índio de pé existe luta” (Ortiz Kaiowá-13 de março)


 


“Olhando para a situação Kaiowá Guarani hoje, temos como caracterizar uma situação de genocídio” (Antonio Brand – 13 de março)


 


A partir de uma decisão da última Assembléia do Regional Oeste 1 da CNBB, foi preparado um dia de estudo sobre os povos indígenas no Mato Grosso do Sul. O dia 13 de março acabou sendo esse marco de um aprofundado debate, conhecimento e assumir do clamor dos povos indígenas.


 


Dentre as realidades mais gritantes o que sobressai é a falta de terra, a situação de confinamento, cujas conseqüências mais visíveis são a fome, desnutrição, violências e mortes. O Mato Grosso do Sul é o estado campeão em todos esses itens. Os dados dessa dramática realidade foram apresentados pelos próprios bispos, por lideranças indígenas, por especialistas da causa indígena, representantes do CDDH Marçal de Souza, OAB, Universidade Católica Dom Bosco, Cimi e o deputado Pedro Kemp.


 


Enquanto se iniciava esse momento histórico para a CNBB regional, os bispos D. Vitório e D. Redovino estavam em audiência com o governador do Estado, tratando também dessa realidade indígena. Ouviram as justificativas e impossibilidade de atender a doação das cestas básicas às famílias indígenas. Disse que a Funasa ficou com essa responsabilidade. O deputado Pedro Kemp, ao afirmar que é militante como Igreja, desta causa, falou da grande espiritualidade desses povos: “deixemos nos evangelizar por eles”, disse. E ao concluir sua exposição na qual ressaltou que o problema principal a ser resolvido com urgência é o da terra, conclamou todos a “sermos presença solidária junto a esses povos para que eles possam lutar e defender seus direitos”.


 


Kurussu Ambá presente


 


Cacilda, filha da líder religiosa assassinada dia 9 de janeiro, Xuretê Julite Lopes, e esposa de Francisco preso em Amambaí, foi um dos testemunhos da brutalidade e violência com que são tratados os povos indígenas no Mato Grosso do Sul. Num painel os representantes indígenas das aldeias e nas cidades deram testemunhos do sofrimento que enfrentam e conclamaram as autoridades da Igreja Católica ali presentes, bispos, padres, agentes das pastorais a que assumam cada vez mais essa luta, pois “nós não queremos mais perder nossos parentes”.


 


“Nós queremos viver”, foi a exclamação da líder do movimento de mulheres indígenas, Evanize. “Que os gritos cheguem aos ouvidos de todos, para podermos andar juntos, somar forças”.


 


Na sua fala, D. Redovino, bispo de Dourados, diocese de maior número de indígenas deste regional da CNBB, destacou que sua diocese é mundialmente conhecida pelas violências, mortes e a dramática situação a que são submetidos os Kaiowá Guarani. Lembrou que existe uma espécie de decreto de morte para os indígenas na região: “os índios tem que morrer”. Diante disso é preciso exigir respostas urgentes do Governo Federal e ao mesmo tempo ampliar nossa presença solidária junto a eles, “pois o que estamos fazendo ainda é pouco”. E conclui reconhecendo que “quanto mais conheço, mais vejo minha ignorância com relação aos índios”.


 


Uma das colocações mais impactantes foi feita pelo professor Antonio Brand da UCDB e militante da causa indígena há mais de 30 anos. Conhecedor profundo da história, lutas e realidade Kaiowá Guarani, enfocou a questão da “sustentabilidade” nas aldeias. Diante da grave constatação de que se produz cada vez menos nas aldeias e do crescente assalariamento dos índios no trabalho das usinas de cana de açúcar, foi enfático: “a raiz desta situação está no confinamento, falta de terra, que compromete a organização social gerando um desconforto entre a população indígena agravando o quadro de violência e fome. E o que é mais grave – o cenário aponta para a piora da situação com a implantação de mais 40 usinas de açúcar e álcool no Mato Grosso do Sul. Já existem 17 mil índios trabalhando nas nove usinas existentes hoje”.


 


Compromissos e o difícil caminho


 


Ao final dos trabalhos foram assumidos, com o conjunto de participantes, enquanto regional da CNBB, alguns compromissos e orientações na difícil caminhada de solidariedade, apoio e presença profética junto aos povos indígenas no estado do Mato Grosso do Sul.


 


Foi assumido o compromisso de buscar os melhores meios e formas para enfrentar essa grave realidade, especialmente no tocante à demarcação e garantia das terras indígenas.


 


Em termos internos foi ressaltada a importância de ampliar a sensibilização sempre maior das nossas pastorais, paróquias, escolas, igrejas, comunidades para um assumir mais conjunto e articulado de apoio aos povos indígenas.


 


D. Bruno, presidente do Regional Oeste 1 da CNBB,  na sua exposição inicial alertou para a urgência de enfrentarmos essa realidade com coragem, pois estamos diante da possibilidade de novos conflitos a curto prazo. Ele encerrou o encontro afirmando que foi um momento muito importante diante do qual todos temos que dar nosso testemunho.


 


Campo Grande, 14 de março de 2007.


 


Egon Heck


 


 

Fonte: Cimi - Regional Mato Grosso do Sul
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