13/02/2007

O PODER DA FARSA – Por Araci Cachoeira

Peço licença ao leitor


Para de algo chato eu falar,


Mais do que chato é cruel


O que eu tenho para tratar,


Sobre o atrevimento do homem


Querendo um rio transportar.


 


Desde que mundo é mundo


O rio sabe onde correr,


É traçado o seu percurso


 E o que temos a fazer,


 É cuidar da vida dos rios


Preservar é um dever.


 


Num tempo que já se foi


Chamado de desbravação,


O Rio São Francisco foi o celeiro


O pai da alimentação,


Peixe de toda espécie


Ali tinha de montão.


 


Quando os povos indígenas


Da natureza cuidava,


As margens do São Francisco


Alimentos não faltavam,


Porque indígena e natureza


A mesma língua falavam.


 


Mas foi exatamente o fato


De desbravar sem medir,


Que acabou com as matas


Fez o rio diminuir, este tal desbravamento


Fez a fartura sumir.


 


Sumiu peixes, sumiu matas


Se some a mata, some a caça,


Resseca a terra, acaba as plantas


Falta comida na praça,


O povo é que paga o pato


São as vítimas da desgraça.


 


Assim foi com muitos rios


Do nosso imenso Brasil


Numa manobra sutil


Secaram muitas nascentes


Deste torrão varonil.


 


O motivo nós sabemos


Fazer campos de pastagem,


Criar gado foi a razão


Da enorme malandragem,


Que fez os fazendeiros


Levar nascentes à secagem.


 


Estou começando das nascentes


Para chegar nos afluentes,


Pois elas é que são as veias


Que levam a água em frente,


Secando a fecundação


É claro que o rio sente.


 


Quero fazer um pedido


Pensem na situação,


Onde brotavam nascentes


Muitos já não têm vazão


O rio São Francisco vai minguando


Por causa da devastação.


 


Mesmo com esta realidade


Que até leigo compreende,


Falam na transposição


Que pouca gente defende


Pois é uma farsa montada


Que a um jogo de interesse atende.


 


Parece um ato de loucura


Um delírio uma surtação,


Mas é o que está acontecendo


Na nossa grande nação,


Um projeto faraônico


Chamado transposição.


 


A vítima de tal desatino


É o Velho Chico famoso,


Que outrora foi navegável


Um tesouro precioso,


Com muita água e peixe


Era um rio farturoso.


 


Hoje o Rio são Francisco


Nos causa revolta e tristeza,


Ao invés da revitalização


De refazer a beleza,


Falam em transpor o rio


Isso é agredir a natureza.


 


Quem não consegue entender


A tal de transposição,


Imagine um enorme canal


Que na verdade é uma ilusão


Carregando o São Francisco


Daqui lá pra o Sertão.


 


Usam a palavra sertão


Para tentar enganar,


O problema do sertanejo


Não é o rio lá chegar,


Para água lá encontrar.


 


A transposição do rio São Francisco


É uma farsa do poder,


Que usa o nome dos pobres


Dizendo que vai abastecer,


Água para os estados


Que não tem onde beber.


 


Neste jogo de interesse


Engana-se quem está achando,


Que a água é para os pobres


Onde estaria o rio chegando,


Na verdade serão os empresários


Que ali vão estar mandando.


 


Esta mega operação


Que vai nos custar bilhões,


É um desastre para o meio ambiente


E não nos dá soluções,


Ignora os ribeirinhos


E outras populações.


 


Vai continuar sem água


Quem dela hoje depende,


Os projetos de exportação


É o que o império defende,


Sem ter clareza o projeto


O povo pouco entende.


 


Não se pode transpor um rio


Com a vazão comprometida,


O rio são Francisco pede socorro


Contra esta ação desvairada,


Ao invés de transposição


Protejamos sua vida.


 


Ao invés de levar a água


Fazer com que ela aumente,


Cuidando das margens do rio


Dos afluentes e nascentes,


Revitalizem o Velho Chico


Sejam um pouco inteligentes.


 


Hoje se o povo reclama


É por não se conformar,


Depredaram o meio ambiente


E ainda querem tirar,


O que ainda sobrou


Estão tramando acabar.


 


Como se não bastasse


A tragédia da barragem,


Inventaram esta vergonha


Esta grande malandragem,


Achando que o povo é trouxa


De apoiar a sacanagem.


 


Aproveitando a oportunidade


Vou aqui esclarecer,


Quem é contra a transposição


Não é egoísmo, não é querer


Ficar com a água para nós,


É questão de defender.


 


Defendemos um rio comprometido


Que precisa de cuidado,


Porque entendemos que o rio


Hoje está condenado,


A um futuro de extinção


Por um projeto decretado.


 


Egoísta na verdade


É quem defende a transposição,


Para atender interesses


Do lucro de exportação,


De hortifrutigranjeiros


E também de camarão.


 


Isto sim é egoísmo


Querer os carentes tapear,


Usando o nome deles


Para um projeto aprovar,


Falam em gerar emprego


Para o povo enrolar.


 


Se o problema da seca


Fosse assim resolvido,


É claro que ninguém ia se opor


A gente já teria entendido


Mas sabemos que está errado


Este é um plano falido.


 


Do custo da grande obra


Não precisa nem a metade,


Para aplicar em projetos


Que resolve de verdade,


O problema da falta d’água


Mudando a realidade.


 


Por que não fazem o certo?


É fácil de entender


Pequenas obras


Não dá fama nem poder,


Uma obra faraônica


É coisa para aparecer.


 


Cacimbas e captação


Água em armazenagem,


Isto ajuda o povo


Mas não vai dar reportagem,


Por isto é que preferem


Fazer a grande drenagem.


 


Se aplicar certo os recursos


Tanto lá como cá,


Capta a água no Nordeste


Aqui reflorestamento vai implantar,


Revitalizando as nascentes


Fazendo a água brotar.


 


O povo do Nordeste


É um povo inteligente,


Sabe avaliar muito bem


Pensar no mais pra frente,


Hoje o que temos a fazer


É cuidar do meio ambiente.


 


Gritam os povos indígenas


Lamentam os agricultores,


Ribeirinhos, quilombolas,


Estudantes, professores,


Abominam a idéia


Dos insensatos senhores.


 


Mas já que insistem na burrada


Avisamos mesmo sofrendo,


Vai haver uma tragédia


O povo está se movendo,


Que a obra vai ser barrada


Todos estão sabendo.


 


A mobilização já é grande


Para o projeto embargar,


O povo de mala e cuia


No local vai acampar,


Vão ter que pensar duas vezes


Se não vão se ferrar.


 


Vamos por o pé no barranco


Nós não vamos desistir,


Se é briga que quer o poder


A briga vai existir,


Em torno do Rio São Francisco


Muita gente vai se unir.


 


Não pensam que vai ser fácil


Com esta farsa do poder,


Do lado de lá tem a grana


Mas do lado de cá tem o querer,


De um povo que está disposto


O Velho Chico defender.


 


Pelo Rio São Francisco


Contra a transposição,


Uma corrente de forças


Um esforço, um mutirão,


O povo já se levanta


“Dizendo o rio não vai não”.


 


Araci Cachoeira, em 09/10/2006,


em Belo Horizonte.

Fonte: Cimi
Share this: