06/02/2007

Transposiçao do rio São Francisco: carta da PGR e dos movimentos a Lula

 


Veja aqui a carta enviada em 5 de fevereiro ao presidente Lula, cobrando a retomada do diálogo sobre as obras de transposição do rio São Francisco. O diálogo foi acordado entre o presidente Lula, o bispo D. Luiz Cappio e os movimentos populares, técnicos, Fóruns e o Comitê de Bacia, em 15 de dezembro de 2005. Um seminário foi relizado em 2006 e avaliado positivamente pelos movimentos ms, em 2007, o governo voltou a anunciar o início das obras.


 


 


Salvador, 05 de fevereiro de 2005.


 


Exmo. Sr. Luiz Inácio Lula da Silva


MD. Presidente da República


 


Caro Presidente Lula,


            


Em outubro de 2005, depois de 11 dias de uma greve de fome que mobilizou a opinião pública no Brasil e em outros países, o Governo Brasileiro assumiu publicamente um compromisso com o povo brasileiro por intermédio do Bispo Diocesano de Barra, de suspender qualquer iniciativa de efetivação do projeto de transposição do Rio São Francisco e estabelecer uma “ampla discussão, participativa, verdadeira e transparente, até que se construa um Plano de Desenvolvimento Sustentável, baseado na convivência com todo o Semi-Árido, para o bem de sua população, priorizando os mais pobres”.


 


Este compromisso teve desdobramentos práticos, a partir de audiência com Vossa Excelência, em dezembro de 2005, com a constituição de um Grupo de Trabalho composto por representantes do Governo Brasileiro (Casa Civil, Secretaria da Presidência, Ministério do Meio Ambiente e Ministério da Integração Nacional) e da sociedade civil organizada.  Este GT construiu de forma sólida e consensual uma metodologia para realizar o processo de debate acordado com D. Luiz Cappio.


 


A proposta construída estava centrada na busca de responder a duas questões centrais, capazes de elucidar a pertinência ou não do já citado projeto de transposição:


 


ü      Quais as estratégias e ações necessárias para garantir água ao conjunto da população do semi-árido, considerando as populações rurais difusas e as populações urbanas;


ü      Qual o conjunto de ações necessárias para garantir o desenvolvimento com sustentabilidade no semi-árido brasileiro.


 


A metodologia construída implicava na realização de dois seminários temáticos, em Brasília, e se estenderia para encontros ampliados em locais que contemplassem o conjunto da região semi-árida.  O intuito dos seminários temáticos propostos era levantar informações, buscar consensos e mapear dissensos.  Os encontros realizados em seguida ampliariam esta discussão.


 


O primeiro seminário temático aconteceu nos dias 06 e 07 de  julho de 2006, com ampla participação, envolvendo representantes governamentais e instituições como a CNBB, a ASA – Articulação do Semi-árido, Universidades, Comitê da Bacia Hidrográfica, Movimentos Sociais (MST, MAB e MPA), comunidades tradicionais (povos indígenas, quilombolas e pescadores), pesquisadores e o Ministério Público.  A partir deste seminário deliberou-se pela criação de três Grupos de Trabalho incumbidos de aprofundar os debates sobre temáticas: a) desenvolvimento do semi-árido; b) projeto de transposição do rio São Francisco e c) ações de revitalização da Bacia Hidrográfica do São Francisco.


 


Este seminário foi considerado, pelos representantes da sociedade civil e do governo, um marco importante na construção de saídas para a crise gerada pela tentativa de implementação de um projeto que é extremamente polêmico. O seminário também avançou na visibilidade de ações de convivência com o semi-árido que efetivamente têm garantido melhoria de qualidade de vida e segurança hídrica às populações nordestinas.


 


Mesmo enfrentando desgastes com declarações à imprensa do então Ministro Pedro Brito, desqualificando a iniciativa conjunta, o GT realizou excelente trabalho.  Durante todo este período as declarações do então Ministro da Integração Nacional foram classificadas pelos representantes do Governo Brasileiro no GT como “manifestações isoladas que não refletiam a posição do Governo Lula”.


 


Por solicitação dos representantes governamentais, que vinham conduzindo durante todo o processo as ações de forma democrática e coerente com os princípios propostos,  as atividades do GT foram postergadas para período posterior ao período eleitoral.  Desde então tentamos garantir a retomada dos trabalhos, sem recebermos por parte do Governo sinais claros sobre a continuidade deste processo que é fruto do acordo feito em Cabrobó e da audiência com Vossa Excelência ocorrida em 15 de dezembro de 2005 que reafirmou esse  compromisso.


 


Entretanto, o que nos causou maior perplexidade foi ver a decisão do STF e os repetidos anúncios veiculados pela imprensa, informando que as obras da transposição deverão ser retomadas e de forma breve, ainda para o mês de fevereiro de 2007 em total afronta ao quanto pactuado e ao caminho que vinha sendo trilhado conjuntamente em busca de soluções. No mesmo sentido, as informações recentes dão conta da realização de editais para projetos relacionados à Transposição. E, por último, surpresa maior foi verificar no PAC a relevância que foi dada ao Projeto. Não é possível a retomada desta construção conjunta sem a suspensão imediata da implementação do projeto de transposição.


 


As buscas incessantes de respostas sobre a retomada do Diálogo resultaram até o momento infrutíferas.  Diante disto nos perguntamos se o processo de diálogo que construimos conjuntamente foi efetivamente assimilado pelo Governo Brasileiro?  Como dialogar acerca de possibilidades concretas de desenvolvimento sustentável do semi-árido com ações concretas por parte do Governo Brasileiro no sentido de implementação imediata do Projeto de Transposição?


 


 A realização do Diálogo prometido é mais do que necessária, traduz-se hoje para todo o povo brasileiro como respeito ao Estado Democrático de Direito que privilegia a participação popular na tomada decisão,  mas  somente será possível com transparência e hombridade, e para tanto, faz-se indispensável garantir os compromissos assumidos.


 


Acreditamos na possibilidade concreta da realização do quanto pactuado, principalmente por se tratar este Governo de um governo constituído a partir das populações excluídas deste país.


 


Esperamos o mais breve possível que o Governo Brasileiro venha a público esclarecer se honrará o compromisso assumido não só com o Bispo da Barra, mas com o conjunto daqueles que buscam vida e o verdadeiro desenvolvimento para o semi-árido Brasileiro e que garanta com ações concretas de modo uniforme a realização de um amplo e verdadeiro Diálogo participativo que garanta às populações da Bacia do São Francisco e/ou do Semi-Árido Brasileiro contribuições para a construção do nosso país.


 


Atenciosamente,


 


 


 


 


ADRIANO MARTINS


Representante de Dom Luiz Flávio Cappio


 


 


LUCIANA ESPIENHIRA DA COSTA KHOURY


Coordenadora Interestadual das Promotorias de Justiça do São Francisco


 


 


MARCELA MENEZES


Representante do Fórum Permanente de Defesa do São Francisco da Bahia


 


 


YVONILDE MEDEIROS


Secretária Executiva do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco


 


 


CLÊUSA ALVES SILVA


Membro da Coordenação Executiva da ASA


 


 

Também subscrevem esse documento os demais integrantes da Comissão que integram o segmento da sociedade civil: O Fórum de ONGs Mineiro, o Fórum de Comitês de Minas Gerais, a Frente Cearense por Uma Nova Cultura da Água, as populações indígenas da Bacia do São Francisco, as populações quilombolas da Bacia do São Francisco, os pescadores da Bacia do São Francisco, os técnicos que são críticos ao projeto de Transposição e a Via Campesina.

Fonte: Cimi NE
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