Resposta do Cimi à Nota da Funasa
Resposta do Cimi à Nota da Funasa
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) vem ao público falar da sua indignação em relação às explicações dadas pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa) para tentar justificar-se frente à denúncia feita pelo Cimi sobre as mortes e a grave situação da saúde na aldeia Lage Velho, em Rondônia.
Esclarecemos:
FUNASA:
“Em relação ao suposto surto de Malária, informamos que a aldeia Lage Velho é uma aldeia próxima ao Rio Ribeirão, criadouro de anofelinos – transmissores de Malária. Algumas características culturais como a extração da castanha e pesca, prática comum entre os indígenas daquela aldeia acabam contribuindo para o alto índice de casos. As ações de controle são realizadas pela Funasa periodicamente por meio de controle vetorial, diagnóstico precoce e tratamento dos pacientes. Na mesma aldeia existe um Posto de Notificação com pessoal capacitado, sendo no caso, o próprio Valdito Oro Wari. Durante o ano de 2006, foram realizadas supervisões do Distrito na aldeia. O acompanhamento pelas equipes local é realizado no máximo a cada 15 dias. Não há surto de Malária.”
Resposta do CIMI:
– Em 2006, foram 743 casos de malária nas aldeias do Pólo-Base de Guajará-Mirim, que têm uma população de 4 mil indígenas, sendo 107 casos na aldeia Lage Velho (informação do Sistema de Vigilância Epidemiológica).
– Na segunda quinzena de janeiro de 2007, em menos de cinco dias, foram diagnosticados na aldeia Lage Velho 14 casos de malária, a maioria em crianças. Duas delas continuam internados nos hospitais de Guajará-Mirim (Armelino Oro Mon, 6 anos e Genilson Oro Mon, 4 anos). Portanto, podemos afirmar que se trata de um surto endêmico.
– De 2000 a 2003, a equipe de Endemias conseguiu reduzir a malária. Entretanto, a partir de 2004 essa tendência foi invertida.
– 557 lâminas positivas no Pólo-Base de Guajará-Mirim
– 379 lâminas positivas no Pólo-Base de Guajará-Mirim
– 251 lâminas positivas no Pólo-Base de Guajará-Mirim
– 135 lâminas positivas no Pólo-Base de Guajará-Mirim
– 341 lâminas positivas no Pólo-Base de Guajará-Mirim
– 435 lâminas positivas no Pólo-Base de Guajará-Mirim
– 743 lâminas positivas no Pólo-Base de Guajará-Mirim
As explicações ouvidas por funcionários da Funasa local são claras: ora falta transporte, ora falta o inseticida, ora falta combustível…
A partir de 2004, a situação do transporte ficou muito precária, tanto na área terrestre, como fluvial, sem condições de atender a demanda. O único carro e a voadeira da equipe de Endemias ficam a serviço do atendimento geral da saúde indígena (equipes, emergências, combate à malária…) e a programação da equipe de Endemias que conhece o seu trabalho, não pode ser realizada.
FUNASA:
“Em relação ao número de internações no Hospital Bom Pastor, esclarecemos que, nesse período (dezembro e janeiro), ocorre a colheita de castanha, quando eles passam longos períodos no castanhal acompanhados pelos filhos menores ingerindo uma alimentação inadequada (alimentado-se basicamente de castanha, um alimento rico em gorduras) e baixa ingestão hídrica”
Resposta do CIMI:
“As epidemias de diarréia infecciosa não são relacionadas à ingestão de castanha, mas à contaminação pela água ou inter-humana e ocorrem em todas as aldeias independente da época da coleta da castanha.
Os óbitos ocorridos com crianças da Terra indígena Guaporé em 2005 e 2006 por desidratação aconteceram num contexto de epidemia de diarréia infecciosa sem relação com alimentação.
No dia 31 de janeiro de 2007, foi encaminhada, do Hospital Regional para Porto Velho, uma criança de cinco meses, da aldeia Rio Negro Ocaia, em estado grave de desidratação (estado de choque, convulsões), com poucas chances de sobrevida. A criança não tinha comido castanha!”
FUNASA:
“Quanto ao acompanhamento das equipes de enfermagem do Pólo Base de Guajará-Mirim, existem quatro equipes com enfermeiros e técnicos de enfermagem trabalhando 20 dias em área, além de um técnico de enfermagem em ponto fixo, 20 dias em uma mesma aldeia com o acompanhamento dos agentes indígenas (no caso os indígenas Valdito Oro Wari e Regina Oro Mon), equipe responsável pela realização do Programa de Saúde da Família Indígena – PSFI, preconizado dentro das diretrizes do Ministério da Saúde em conformidade com Sistema Único de Saúde”
Resposta do CIMI:
De 2000 a 2004, houve duas equipes PSF
Em 2005 teve apenas uma equipe PSF
A partir de 2006 foram contratados profissionais de enfermagem para formar três equipes (e não quatro) e mais técnicos para permanecer em área. Infelizmente, essas equipes e os técnicos de enfermagem lotados numa aldeia deixaram de viajar para área vários meses por ano por falta de medicamentos, combustível, transporte… Acontece o mesmo com os odontólogos.
FUNASA:
“Quanto à utilização dos serviços de telecomunicação, informamos que, segundo equipes da Funasa que atuam na região, os telefones disponibilizados na aldeias encontram-se em funcionamento normal”
Resposta do CIMI:
Sempre aparecem problemas técnicos que deixam a aldeia dias ou semanas sem comunicação.
De 20 a 31 de janeiro, foi impossível ligar de um telefone fixo para o orelhão do Lage Velho. Depois do serviço de um técnico da Brasil Telecon, o problema não mudou, mas descobrimos que o orelhão recebe ligação apenas de celular.
Aldeias que possuem orelhão e até radiofonia da Funai passam todos os anos por períodos sem comunicação, devido a problemas técnicos que infelizmente podem acontecer simultaneamente. A exemplo disso, em agosto de 2006, a aldeia Ricardo Franco, distante de 250 km de Guajará-Mirim, de acesso unicamente fluvial, ficou várias semanas ilhada sem transporte e sem comunicação.
Muitos documentos das comunidades encaminhados ao Ministério Público Federal e à Funasa reivindicam a aquisição de radiofonia. Todos os anos, os conselheiros solicitam a inclusão de radiofonia no Plano Distrital que mesmo aprovado não é concretizado.
FUNASA:
“Em relação ao Posto de Saúde, informamos que a obra já foi autorizada e será iniciada na próxima semana, pela empresa vencedora do certame licitatório.”
Resposta do CIMI:
Se for verdade, será uma vitória arrancada pela pressão do cacique porque, até então, a Funasa não tinha priorizado o Lage Velho.
FUNASA:
“Em relação ao transporte, esclarecemos que as estradas de acesso à aldeia não são asfaltadas – o que dificulta e, por vezes, gera atraso no atendimento”
Resposta do CIMI:
De Guajará-Mirim até a aldeia Lage Velho são 36 km, com 25 km de estrada asfaltada e 11 km de estrada de chão, onde, apesar das chuvas, qualquer carro baixo pode passar.
O problema principal é a falta de transporte.
O que não faltam são as promessas do Coordenador Regional aos conselheiros.
FUNASA:
“Quanto ao óbito da menor de três meses, filha do indígena Valdito Oro Wari, a Coordenação Regional abriu sindicância para analisar se houve negligência ou alguma falha no atendimento. O resultado do processo deve estar disponível em alguns meses”
Resposta do CIMI:
A respeita da morte por desidratação de duas crianças indígenas da aldeia Ricardo Franco, em maio de 2005, foi feita uma sindicância e até hoje o relatório não foi apresentado.
FUNASA:
“Com relação aos quatro óbitos citados na denúncia, três deles aconteceram em Porto Velho (Hospital de Base e Cosme Damião), o que caracteriza a assistência secundária hospitalar integral.
Caso 1 – Criança prematura internada no hospital de Porto Velho, onde permaneceu 38 dias, indo a óbito dia 29.12.06 por insuficiência respiratória e hidrocefalia;
Caso 2 – Puérpera de 21 anos, foi atendida pela médica do Pólo Base de Guajará-Mirim cinco dias após o parto, no dia 26 de novembro de 2006. Na oportunidade, a paciente se recusou, juntamente com o seu esposo, a seguir para o hospital, como aconselhado pela médica que atendeu a indígena. Tal fato foi registrado em seu prontuário. Com a evolução da gravidade, ela foi internada no Hospital de Base indo a óbito no dia 30.11.06, por insuficiência respiratória aguda e miocardiopatia, segundo a Declaração de Óbito. Foi acompanhada no pré-natal pela enfermeira de área, tendo feito consulta e exames pré-natais.
Caso 3 – Menor indígena atendida pelo Pólo Base no dia 6 de janeiro de 2007, tendo sido encaminhada, no dia seguinte, para Porto Velho, onde foi internada no Hospital Cosme Damião por motivo de gastroenterite grave, indo a óbito no mesmo dia.
A respeito da falta de medicamento na Casa do Índio de Guajará-Mirim informamos que no ano de 2006, além dos medicamentos fornecidos pelo Ministério da Saúde, foram adquiridos, por meio de contrato contínuo do Dsei Porto Velho, R$ 229.146,92 em medicamentos, o que garante níveis adequados de estoque para atendimento.”
Resposta do CIMI:
A falta de medicamentos nas aldeias e na CASAI é denunciada a cada reunião de conselho e o valor da compra para o DSEI não justifica nada, pelo contrário.
Medicamentos receitados pela médica da CASAI foram comprados pelos familiares do paciente.
FUNASA:
“Quanto à contratação de Agentes Indígena de Saúde (AIS), a Funasa esclarece que, no ano de 2003, haviam 79 AIS contratados pelo Dsei. Em 2006, este número aumento para 111”.
Resposta do CIMI:
A Funasa deve estar confundindo AIS (Agente Indígena de Saúde) e AISAN (Agente Indígena de Saneamento). Pois no Pólo Base de Guajará-Mirim houve contratações de AISAN, mas em sete anos não houve novas vagas de AIS. A justificativa da Funasa é que os candidatos a AIS indicados por suas comunidades serão contratados somente depois de terem participado de pelo menos um curso, sendo que o último foi em 2003!
A Eliana Oro Mon da aldeia Lage Novo fez o curso de 2003, estagiou três anos, foi indicada pela comunidade, e há três anos e meio o Conselheiro da aldeia, apoiado pelo Conselho Local reivindica a sua contratação. A aldeia Lage Novo com 260 pessoas tem apenas um AIS da Funasa e a contratação da Eliana responde aos critérios da própria Funasa. Porque colocar tantas dificuldades para os indígenas? Até auxiliares de enfermagem indígenas deixam de ser contratados com a justificativa que não tem mais vaga e por outro lado a Funasa contrata mais auxiliares de enfermagem que se formaram junto no curso do PROFAE.
FUNASA:
“É importante salientar que a participação de Agentes Indígenas de Saúde na atenção básica garantem o atendimento contínuo e imediato, uma vez que os agentes moram na própria aldeia”
Resposta do CIMI:
É verdade. Mas tem que dar condições para eles trabalharem. Por exemplo, depois de sete anos ainda não foi deixado um aparelho de pressão nas aldeias, instrumento de trabalho que eles apreenderam a utilizar e é indispensável para o acompanhamento das gestantes e dos hipertensos.
Já que a Funasa reconhece que os AIS são os pilares da atenção primária à saúde indígena lamentamos que não priorize os cursos de formação e acompanhamento por enfermeiro. São quatro anos sem realizar um curso modular (enquanto o que foi projetado em 1999 era de dois cursos ao ano).
FUNASA: