Alto índice de morte de crianças em Rondônia ameaça sobrevivência em aldeia
Três mortes e mais de 12 internações em três semanas, em aldeia com 250 pessoas Em menos de três semanas, faleceram três crianças do povo Oro Wari´ da aldeia Lage Velho, Terra Indígena Lage, no município de Guajará-Mirim (RO). Duas delas tinham quadro de desidratação. As aldeias de Guajará-Mirim vêm sendo assoladas, nestes últimos meses, por epidemias de gripe, diarréias e surtos de malária como nunca aconteceram nos últimos 20 anos. O pico, inédito, ocorreu entre dezembro de 2006 e a primeira quinzena de janeiro de 2007. Entre 1 e 20 de janeiro, 42 crianças indígenas foram internadas no hospital Bom Pastor, em Guajará-Mirim. A maioria tinha diarréia e sintomas de desidratação. Destas crianças, 12 vinham de Lage Velho, aldeia com população de 250 pessoas. Em dezembro, haviam sido 39 internações, número já alto para um o universo de 4mil pessoas atendido pelo pólo base de Guajará-Mirim. Das crianças que foram tratadas, uma foi encaminhada para Porto Velho e os outros foram para outro hospital público. A aldeia Lage Velho, distante de apenas 36 km da cidade de Guajará-Mirim, é a aldeia mais próxima, de acesso mais fácil e também uma das maiores do município, com uma população de aproximadamente 250 habitantes. Entretanto, é uma das aldeias menos assistidas, apresentando um alto índice de malária, diarréia e gripes, conseqüência da falta de uma prevenção contínua; sem acompanhamento por profissionais de enfermagem da Funasa (Fundação Nacional de Saúde). A comunicação é aleatória por falta de radiofonia e o orelhão da aldeia nem sempre funciona. Falta medicação básica. Os poucos remédios disponíveis são guardados num armário metálico, num “puxado” da casa do Valdito, AIS (Agente Indígena de Saúde) e cacique da aldeia, que há sete anos reivindica, através dos conselhos, a construção de um Posto de Saúde. A falta de transporte no Pólo-Base prejudica tanto o atendimento como a remoção dos pacientes. Valdito perdeu sua filha de três meses em 15 de janeiro de 2007. A criança teve febre à noite e amanheceu com vômito e diarréia profusa. Pelas 8h da manhã, a AIS Regina Oro Mon telefonou para a CASAI (Casa de Saúde Indígena), solicitando a remoção urgente da criança. Com a demora na chegada do transporte e o agravamento do quadro do bebê, o cacique telefonou várias vezes para a CASAI. Quando o carro chegou, por volta das 16h, a criança tinha acabado de falecer. Era o 4º óbito nesta aldeia em 45 dias, e o 3º óbito de crianças menores de 5 anos em apenas 18 dias. Apenas após quatro mortes é que, em 19 de janeiro, a Funasa encaminhou uma técnica de enfermagem para aldeia, pela primeira vez.. Quanto à infra-estrutura, a própria comunidade colaborou cedendo o espaço da escola para hospedagem e atendimento. “Na CASAI a situação está fora de controle”, desabafou a pediatra, Dra. Márcia Gusmann, que atende nesta unidade há quase 15 anos. Existe superlotação; falta medicamentos nas aldeias e também na CASAI; não há viatura para levar os pacientes de alta para casa. Os pacientes são atendidos pela pediatra, mas muitos deles não recebem a medicação receitada pois não há remédios na CASAI. Os remédios existentes são os que as famílias, às vezes, podem comprar. Há sete anos a Funasa assumiu a saúde indígena, mas ainda não conseguiu dar respostas eficazes aos problemas. Prova disso é o aumento da mortalidade materno-infantil. A partir de 2004, quando a Funasa assumiu a total execução das ações de saúde, as expectativas de melhora nos serviços foram frustradas. No DSEI de Porto Velho, a Funasa desrespeita a decisão dos conselhos. Os Agentes Indígenas de Saúde não recebem curso de formação há 4 anos; o transporte está sucateado; a partir de 2004, a incidência de malária vem aumentando a cada ano; as ações de saneamento não solucionam as necessidades de água potável das aldeias, seja por falta de poço ou por problemas técnicos; não houve novas contratações de AIS – como sempre é solicitado nos conselhos – e dois auxiliares de enfermagem indígenas deixaram de serem contratados. Enquanto isso, o Pólo-Base tem profissionais de saúde, auxiliares e técnicos de enfermagem não-indígenas e dentistas, impossibilitados de viajar durante vários meses por falta de condições de transporte ou de equipamento. A falta crônica de medicamentos de base nas aldeias e na CASAI contribui para o superlotação das enfermarias dessa unidade, construída há mais de 20 anos e necessitando ampliação. A aldeia Lage Velho não tem a mínima infra-estrutura para atender doentes. Algumas aldeias menores têm postos de saúde, mas a Funasa não tem dado a atenção necessária à situação em Lage Velho. Em sete anos, a Funasa não equipou nenhuma aldeia com radiofonia e nenhuma aldeia fluvial adquiriu uma voadeira para emergência. Depois da denúncia da morte por desidratação de duas crianças da terra indígena Guaporé, por falta de transporte em 2005, a coordenação da Fundação prometeu uma voadeira para a aldeia Ricardo Franco. Infelizmente, a promessa não foi cumprida e no ano seguinte faleceram, nas mesmas circunstâncias, mais duas crianças da aldeia. Estas reivindicações são antigas e constam no Plano Distrital Anual aprovado pelo Conselho Distrital, mas até agora só foram feitas promessas. A Funasa procura mostrar aos conselheiros que o problema é a falta de recursos financeiros. No nosso entendimento, é necessário melhorar a administração dos recursos existentes e pôr fim nos atrasos de repasses de verba, que geram interrupção do atendimento. Os conselhos devem retomar a sua autonomia para controlar as ações e os gastos. A atual Coordenação Regional da Funasa impede que este controle efetivo seja feito, com interferência em datas e locais de reuniões, por exemplo. A Vª assembléia indígena dos povos da região de Guajará-Mirim, realizada em novembro de 2006, encaminhou ao Ministério Público Federal um abaixo-assinado solicitando uma Audiência Pública sobre “Atendimento à Saúde Indígena”, dando o prazo até o dia 10 de dezembro para a sua realização. Apesar dos inúmeros documentos e denúncias encaminhados pelas comunidades indígenas e protocoladas no Ministério Público, o pedido das lideranças ainda não foi atendido. Esperamos que, com a tragédia da aldeia Lage Velho, a atenção das autoridades responsáveis se volte para o Pólo-Base de Guajará-Mirim. Esta tragédia coincide com um ano da também lamentável e triste efeméride do terrível acidente de caminhão fretado pela FUNAI para carregar sacos de castanha, no qual seis indígenas Oro Wari´morreram e 17 ficaram feridos. O motorista, não habilitado, ainda não foi julgado e está respondendo em liberdade. Histórico trágico · Em novembro de 2005, na mesma aldeia do Lage Velho já havia falecido uma criança por malária. Gilcinei Oro Mon tinha 3 meses. Apesar de ter sido encaminhada para a Casa de Saúde Indígena (foi até com uma carona do Ministério Público), teve um diagnóstico médico tardio, entrou em coma e foi levada para Porto Velho, onde faleceu. · Em 30 de novembro de 2006, faleceu em Porto Velho uma jovem mãe de 21 anos, no período de pós-parto por motivo cardíaco. Segundo o esposo, a jovem não teve acompanhamento médico no pré-natal. · Em 29 de dezembro de 2006, foi a óbito em Porto Velho um recém-nascido prematuro que ia ser submetido a uma cirurgia no encéfalo, filho do professor indígena Valdemar Oro Mon · Em 7 de janeiro de 2007, faleceu em Porto Velho Josinete Oro Mon, de 4 anos, por desidratação (diarréia e vômito). Equipe CIMI-Guajará-Mirim (RO), 22 de janeiro de 2007
Aldeia Lage Velho
CASAI
Estrutura
Respeito Plano Distrital