15/12/2006

Nhanderu Marangatu: um ano de violência, paciência e decepção

Os que morreram saúdam a luta.


 Na terra em que derramaram seu sangue e lutaram


 Marçal, Dom Quitito, Dorvalino


 e dezenas de crianças e adultos que foram sacrificados


 no altar do boi, da soja e injustiça!


 


Quanto amanheceu o dia 15 de dezembro de 2005 estava prestes a se consumar uma das ações mais vis, violentas e vergonhosas contra uma comunidade indígena do Brasil. Jogar na rua quase setecentas pessoas, com aparato de guerra, como se estivessem tratando com bandidos, é de uma insanidade a toda prova. É condenar à fome, sofrimento, desespero e morte centenas de pessoas, que nada mais faziam do que estar em sua terra já homologada pelo presidente da República, buscando viver com dignidade.


 


O fato que gerou indignação e protesto pelo mundo afora, completa um ano sem que o processo que deu origem a essa violência tenha sido julgado pelo Superior Tribunal de Justiça. Autoridades e até ministros do governo se comprometeram a ajudar para que houvesse agilidade no julgamento. Falava-se que a ação poderia ser julgada logo depois do recesso da justiça. Talvez em fevereiro. No máximo em seis meses. Passou-se um ano e o que se tem a lembrar é o triste fato de que o julgamento talvez saia, sabe-se lá quando!


 


Enquanto isso a comunidade passou por momentos de grande dor e sofrimento, enterrando ao menos 4 crianças que morreram em decorrência das péssimas condições de sobrevivência à beira da estrada, da falta de alimentos, de desnutrição, de fome. Jovens se suicidaram, conflitos resultaram em mortes… Muitas vidas se apagaram. Mas a comunidade resistiu heroicamente. Representantes de comissões nacionais e internacionais, jornalistas e lutadores dos direitos humanos estiveram no acampamento. Uma bonita solidariedade foi se tecendo com gestos concretos de apoio e doação do que mais necessitavam – alimentos.


 


Mas o asfalto tinha que passar. Os barracos do acampamento às margens da BR-384 não poderiam continuar sendo empecilho para atrasar o cronograma da obra. O progresso o exigia. A política tenha agenda de inauguração. E assim aconteceu. Aos índios que não aceitaram ser transferidos para outra região, restou como única opção voltar para dentro de sua terra. E isso ficou decidido na Aty Guasu ali realizada em julho.


 


Depois de pouco mais de uma semana da expulsão e de beira da estrada, assassinaram Dorvalino. Ele tombou, vítima de um tiro no peito, próximo à placa da fazenda Fronteira, dentro da terra indígena demarcada, à beira da estrada. Ali plantaram uma cruz, uma memória do sangue derramado. O asfalto veio jogou tudo para longe, tentou apagar os marcos e a memória do crime. O matador, Jimenes, ouvido no processo na semana passada em Ponta Porá, voltou a insistir na legítima defesa. Confessou o crime, foi preso e em seguida solto, estando até o momento impune.


 


Um dos fazendeiros estabelecidos dentro da terra indígena, fez um acordo com os índios para que possam permanecer em 101 hectares de terra. E lá estão os combativos Kaiowá Guarani, na fronteira e limite da paciência, resistindo e clamando ao mundo para que se supere essa situação de injustiça e possam ter condições de viver em paz em suas terras.


 


Egon Heck


Cimi – MS


Campo Grande 15 de dezembro de 2006

Fonte: Cimi - MS
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