Relatório analisa direitos humanos no Brasil em 2006
Veja principais números do documento, lançado hoje,
No ano de 2006 o Relatório Direitos Humanos no Brasil chega à sua sétima edição. Mais uma vez, a obra traz um amplo panorama de temas ligados aos direitos humanos e mostra que no Brasil os direitos fundamentais continuam sendo violados. São 29 artigos com dados e análises importantes sobre, por exemplo, o direito à terra, à educação, ao trabalho e à justiça social ao longo dos últimos anos, e especialmente em relação a situação em 2006.
Assim como em 2005, foram motivo de preocupação as atitudes criminosas e violentas por parte da Polícia Militar, assassinando, agredindo e humilhando indígenas. “Preocupa, ainda mais, o acobertamento e a impunidade de todos esses atos da autoridade policial, mesmo com as denúncias devidamente encaminhadas ao Ministério Público”, diz o assessor político do Conselho Indigenista Missionário, Paulo Maldos. Entre os anos de 2005 e 2006, mais de 80 indígenas foram processados criminalmente, de maneira ilegal, em decorrência de conflitos envolvendo a luta pela terra. Além desses, só na cadeia de Dourados, no Mato Grosso do Sul, estão presos cerca de 70 indígenas, condenados pelos mais variados delitos. “Tudo indica um recrudescimento do preconceito, da criminalização, do ódio étnico e do absoluto desrespeito aos direitos indígenas para que tal cenário descrito tenha se constituído, envolvendo inclusive o sistema judicial e o poder policial”, informa o representante do Cimi.
Dados da Comissão Pastoral da Terra, de janeiro a agosto deste ano, apontam para a manutenção da tendência de diminuição das ações dos movimentos sociais e dos números da violência. O número de assassinatos até final de agosto era 18,37% menor que em igual período de 2005, quando foram assassinadas 29 pessoas. O número de famílias expulsas baixou de 2.339, de janeiro a agosto de 2005, para 927, em igual período de 2006, 60,37% a menos. A ação do poder judiciário foi menos intensa. Foram 31,41% menos pessoas despejadas de janeiro a agosto de 2006 e 11.065 famílias, contra 16.131 famílias em 2005. Já com relação aos trabalhadores presos, deu-se um salto significativo. De janeiro a agosto de 2006, foram presas 749 pessoas, 351,20% a mais do que em igual período de 2005,
No que diz respeito à reforma agrária, os quatro anos do governo Lula foram marcados pelo esvaziamento da proposta e da concepção da reforma agrária. De acordo com o professor José Juliano de Carvalho Filho, “estudos mostram que as metas do programa de reforma agrária não foram alcançadas e que os dados de famílias assentadas foram divulgados de forma, no mínimo, enganosa”. “Os documentos informam que os assentamentos aconteceram principalmente em terras públicas e na Amazônia. A política agrária posta em prática não incomodou o latifúndio e chegou a beneficiar o agronegócio”, escreve.
O relatório também traz críticas quanto à luta contra o trabalho escravo. Para o padre Ricardo Rezende Figueira, membro da coordenação do Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, se houve atitudes positivas para tentar resolver o problema, “persistem velhos impasses, como a impunidade, a indefinição de competência para se julgar os aspectos criminais, e a não aprovação, até o novembro de 2006, da PEC 438-2001, relativa à perda da propriedade nos casos de trabalho escravo”. Além disso, diz, faltam medidas preventivas ousadas de geração de renda para a população mais vulnerável ao aliciamento e implementação de medidas eficazes de reforma agrária.
A situação vivida pelos atingidos por barragens também está no livro. Segundo Leandro Gaspar Scalabrin, membro do Setor de Direitos Humanos do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), a descaracterização da organização perante a opinião pública tem sido uma das táticas utilizadas pelos grandes grupos econômicos contra o MAB, a partir do momento em que o movimento passou a denunciar o modelo energético brasileiro, onde o consumidor residencial paga sete vezes mais caro o preço do KWH (kilowat/hora) do que as grandes empresas. “A criminalização aumentou depois que o MAB passou a denunciar os aumentos abusivos no preço da energia (mais de 400% nos últimos 10 anos) e que a população brasileira e os atingidos por barragens têm pago a conta dos impactos sociais e ambientais das hidrelétricas que estão sendo construídas para beneficiar grandes empresas energo-intensivas.”
O livro mostra que, em relação à educação, tudo indica que no ano de 2007 permanecerão excluídas para fim de recebimento de recursos as matrículas da educação infantil; ensino médio e também ensino fundamental para as pessoas com mais de 14 anos que o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) permitiria contemplar. “De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão responsável pelo permanente processo de avaliação do programa Brasil Alfabetizado, o baixo impacto da iniciativa demonstra que não está suficientemente focalizada no seu público-alvo a parcela da população que registra analfabetismo absoluto”, escrevem Sérgio Haddad e Mariângela Graciano, da Ação Educativa. “Para o exercício de 2006 o MEC definiu como prioridade para o estabelecimento de convênios os planos pedagógicos que contemplem integração com iniciativas para a continuidade dos estudos e que atendam segmentos sociais específicos. Dos 60 mil pescadores artesanais estimados pelo MEC em situação de analfabetismo absoluto, 6.045 (10%) freqüentavam o programa em 2006. Dos 10 mil catadores de material reciclável, 2.013 (20,1%) participavam. Apenas 1.356 (9%) dos 15 mil quilombolas e 3.238 (10,8%) das 30 mil pessoas privadas de liberdade.”
O tráfico de pessoas é outro tema presente no Relatório. A antropóloga Márcia Anita Sprandel traz dados da publicação Trafficking in Persons Report/2006, do Departamento de Estados dos EUA, analisando que o Brasil é descrito como um país onde mulheres e meninas são traficadas para exploração sexual, tanto internamente quanto para América do Sul, Caribe, Europa Ocidental, Japão, Estados Unidos e Oriente Médio. “O documento afirma que aproximadamente 70 mil brasileiros, em sua maior parte mulheres, se prostituem em países estrangeiros, muitos como vítimas de tráfico. O principal problema do Brasil, no entanto, seria o pequeno número de condenações de traficantes de pessoas”, diz a pesquisadora.
Outro tema preocupante presente na obra este ano é a extração de urânio em Caetité.
Municípios do sertão baiano estão sofrendo com os nocivos impactos sócio-ambientais causados pela Indústrias Nucleares do Brasil – INB, responsável pelo Complexo Mínero-industrial Lagoa Real/Caetité, que produz urânio para as usinas nucleares brasileiras. “Os sertanejos vêem com preocupação a política energética brasileira anunciar a reativação do programa nuclear, inclusive com a construção de usinas no Nordeste”, avalia a jornalista Zoraide Villasboas, do Movimento Paulo Jackson Ética, Justiça, Cidadania. “Mais de uma dezena de ‘eventos nucleares usuais’ e várias paralisações, que podem somar mais de dois anos de inatividade, desnudam os desafios técnicos e administrativos que a INB vem enfrentando para operar com segurança e lucratividade. Mais que isto, alimentam as dúvidas quanto à competência científica da empresa para lidar com produto tão perigoso”, escreve.
O professor Marcio Pochmann, do Instituto de Economia da Unicamp, escreve sobre o desemprego no país. Ele avalia que, enquanto permanecer baixo o ritmo de crescimento econômico, o Brasil tende a se especializar na produção e comercialização de bens de baixo valor agregado, contido conteúdo tecnológico e dependente do reduzido custo da mão-de-obra. “Nesse sentido, o crescimento da atividade econômica pode demandar mais trabalhador, porém o perfil dos ocupados tende a estar associado à baixa remuneração e às precárias condições de trabalho, nem sempre acessíveis à mão-de-obra de escolaridade e qualificação profissional superiores.” Para Pochmann, é preciso que a economia nacional cresça pelo menos 5% ao ano somente para absorver os 2,3 milhões de pessoas que anualmente ingressam no mercado de trabalho. “Sem isso, a competição no interior do mercado de trabalho, mesmo para postos mais simples, termina levando à queda salarial e ao desemprego em massa.”
Migrantes e trabalhadores na cana-de-açúcar também são temas da obra. O Serviço Pastoral do Migrante estima que haja entre 150 e 200 mil bolivianos em situação irregular na Grande São Paulo. A maioria, mais de 90%, trabalha em pequenas confecções de propriedade de coreanos, brasileiros e de outros bolivianos. “São jornadas de até 18 horas diárias, sendo que os imigrantes recebem 30 centavos por peça costurada. O local onde trabalham, e geralmente vivem, são escuros, úmidos, totalmente insalubres. Muitos passam a ter problemas respiratórios e tuberculose”, escrevem Luis Bassegio e Luciane Udovic.
A professora Maria Aparecida de Moraes Silva, da Unesp, faz uma análise sobre o trabalho na cana-de açúcar. Ela informa que a maioria dos trabalhadores na cana é constituída de migrantes, provenientes dos estados do nordeste e do Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais. “Quando migram, em geral, são trazidos pelos gatos, viajam em ônibus clandestinos e, em alguns momentos, são submetidos às condições análogas às de escravo, segundo denúncias da Promotoria Pública, do Ministério do Trabalho e da Pastoral do Migrante, veiculadas pela imprensa local e regional, nacional e até mesmo internacional”, diz. De
As políticas internacionais e os direitos humanos são os destaques do último capítulo do Relatório Direitos Humanos no Brasil 2006. Estão ali análises sobre os programas de crédito fundiário do Banco Mundial no Brasil, as dívidas interna e externa e os impactos para os direitos humanos e as conseqüências para o continente da militarização no Paraguai.
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