27/11/2006

O prato do dia à moda Maggi: as propostas do governo Lula para assegurar o desenvolvimento a qualquer custo

Deveríamos reagir com indignação ao escutarmos as bobagens que saíram da boca do presidente da República em discursos proferidos para políticos, latifundiários e governadores. Nesta semana ele extrapolou todos os limites enquanto dedicava-se a articular suas bases de apoio para o segundo mandado. Ao fazer uma visitinha numa das fazendas do governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, nosso presidente teceu inúmeros elogios aos feitos daquele fazendeiro, “empreendedor” e governador como sendo ele o principal responsável pela expansão do agronegócio e da produção da soja na Amazônia e no Brasil. Lula vive um processo de encantamento com seu mais novo amigo íntimo. E em função disso, fecha os olhos para os custos ambientais e sociais da referida expansão: os desmatamentos criminosos, a invasão das terras indígenas, a grilagem de terras públicas, a devastação das economias locais. Entre um carneirinho assado e outras guloseimas mais, o Presidente dedicou grande parte de seus discursos para bradar contra o que ele está chamando de entraves ao desenvolvimento, ou o que também resolveu denominar de  penduricalhos que não deixam o Brasil crescer, quais sejam: o meio ambiente, os quilombolas, os povos indígenas, a legislação ambiental e o Ministério Público. Estes sim, segundo o presidente e seus novos amigos do latifúndio, são os problemas a serem removidos nos próximos quatro anos, para que com isso, o Brasil possa crescer.


 


A partir destas declarações públicas de nosso presidente reeleito nós podemos imaginar que o Brasil do Lula e do Maggi tem duas prioridades: a primeira consiste em mudar a legislação ambiental para, com isso, liberar a Amazônia para o desmatamento e o investimento no plantio da soja transgênica; assegurar a construção de todas as hidrelétricas planejadas, sem levar em conta o impacto e a tragédia ambiental que isso gerará, beneficiando, com essa medida, o latifúndio, as grandes empresas de geração de energia hidráulica e as grandes mineradoras, que consumirão a energia gerada enquanto exploram os recursos minerais de nosso país; A segunda prioridade fundamenta-se em velhas teses, dos tempos do chamado “milagre econômico”, de que é preciso extrair os empecilhos, extirpar os focos do atraso para promover o desenvolvimento. Ao que parece, está aberta a temporada de caça aos direitos indígenas, aos direitos dos Quilombolas e de outras comunidades tradicionais. Está decretada a sua insignificância, a sua irrelevância, sua condição de entulho, que deve ser removido das frentes da expansão econômica que se desenham como alternativas para o país. Eliminar estes entraves pela raiz, condenando-os à falta de assistência, roubando-lhes as terras e desmantelando os seus direitos constitucionais. E sem os índios, sem os quilombolas, sem as matas e rios o Ministério Público perde a função de ser o guardião destes direitos constitucionais e vai ter que encontrar outros afazeres para deixar de ser considerado pelo Presidente um penduricalho neste país. Até mesmo o Banco Mundial, em suas determinações aos países endividados, impõe reformas de estado, mas nesta redefinição o Ministério Público assume um papel central, para assegurar direitos dos grupos vulneráveis. Nem mesmo os modelos neoliberais mais agressivos são capazes de apresentar propostas tão anti-democráticas e anti-sociais.


 


A estratégia está bem montada. Os novos amigos do presidente, depois das suas declarações, poderão percorrer o país para arrebanhar a pistolagem do latifúndio que vive embrenhada nos fundos das grandes fazendas, porque estes atores da nova/velha política serão novamente necessários para a caçada às populações tradicionais. Estes amigos do presidente também ocuparão as tribunas no Congresso Nacional para desqualificar os apoiadores e os que lutam pela defesa dos direitos dos Povos Indígenas, dos Quilombolas do Meio Ambiente e consequentemente retirar os direitos constitucionais conquistados em 1988. O presidente da República está avalizando os coronéis a agirem depois que estes estavam sendo silenciados por uma onda de democracia que parecia se expandir sobre nossa Nação. Mas agora, estão encontrando reforço pelos atos e palavras daqueles que foram, no passado, seus opositores políticos, a turma que está hoje no poder. Além das declarações de Lula, o Dep. Aldo Rabelo também fez discursos igualmente nefastos. Disse ele: “Por que não podemos plantar soja na Amazônia? Onde está o decreto que proíbe?” E com essas palavras ele determina, como presidente de uma das casas do Poder Legislativo, a Câmara dos Deputados, uma pauta para discussão, qual seja, a legitimação do desmatamento e a liberalização indiscriminada do plantio da soja transgênica na Amazônia Brasileira.


 


Vale destacar que desde a ditadura militar não se ouvia da boca de um presidente da República que os índios e quilombolas seriam entraves ao desenvolvimento. Esse tipo de declaração havia perdido a razão de existir porque estas populações tradicionais têm uma trajetória de luta, resistência, conquistas e de participação no  cenário político, econômico de nosso país. Estas populações e povos vêm, a duras penas, sendo protagonistas em nossa sociedade, e conquistado o reconhecimento deste protagonismo. Os setores ligados às oligarquias políticas regionais é que nunca se conformaram com essa nova realidade e sempre promoveram duras investidas contra os povos indígenas tendo em vista a exploração de suas terras.


 


A luta dos povos indígenas, a sua participação nas diferentes instâncias de discussões e debates  em nosso país, na consolidação de uma nova legislação e na construção de uma democracia verdadeira, vinha freando as ações dos setores conservadores da política e da economia. E agora, depois dos discursos da “nova” elite, a elite que está no poder, vem à tona o sentimento de que estamos retrocedendo, a passos largos, no que tange a garantia dos direitos e do exercício de nossa cidadania. E se analisarmos os quatro anos do governo Lula vamos perceber que ele abriu muito espaço para os setores virulentos e por isso estão fortes e atuantes e voltaram a matar, perseguir e amedrontar lideranças que lutam por terra e justiça no campo. Os dados de violências registrados pelo Cimi demonstram isso: a média de assassinatos por ano nos três primeiros anos do governo Lula passou de 40. No mesmo período, a média de terras declaradas por ano não passou de 6, número inferior registrado até mesmo no governo Figueiredo, em plena ditadura militar.


 


A partir do que sinalizam os discursos de autoridades importantes podemos esperar que se acentue cada vez mais a violência e a negação de direitos. Cabe-nos a luta e a indignação contra o autoritarismo destes que estimulam e praticam o capital predador, contrapondo-nos fortemente a  esta ideologia desenvolvimentista (ultrapassada e fundamentada no extrativismo predador das  riquezas ambientais) que vem absorvendo as mentes, palavras e ações de nossos governantes e políticos. Temos que dar um basta nisso. Não cabe ao poder executivo, definir sozinho os grandes rumos da nação, não cabe ao Ministério Público um papel de penduricalho e não cabe a nós a passividade e a acomodação, em nome de supostos benefícios que permitiriam aos mais sofridos e injustiçados compartilhar migalhas que caem da farta mesa do grande capital.


 


Porto Alegre (RS), 24 de novembro de 2006.


 


Roberto A. Liebgott.


 

Fonte: Cimi - Regional Sul - Equipe Porto Alegre
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