08/11/2006

Vicente Cañas Kiwxi

Está previsto para a tarde de hoje a decisão do conselho de sentença sobre o réu José Vicente da Silva, acusado de ter participado do assassinato do Irmão jesuíta Vicente Cañas Costa, que os Enawenê-Nawê chamavam de Kiwxi.  “Não é um júri fácil, devido ao tempo que já se passou e por termos um conjunto de provas indiciárias, o que faz com que a acusação precise trabalhar com associação de fatos”, declarou aos jornais de Cuiabá o promotor de acusação Mário Lúcio Avelar.


 


Para os índios, os familiares e amigos de Vicente o importante é que se chegue a elucidar o crime e os culpados sejam punidos pelo que fizeram. “Foi muito importante termos trazido à memória a luta do nosso companheiro, para nos animar na de defesa dos povos indígenas e sairmos fortalecidos em nosso compromisso com a vida desses povos”, afirmou o secretário executivo do Cimi, Eden Magalhães.


 


O debate e os embates


 


Para o reinício dos trabalhos de hoje, estão previstas algumas discussões que serão decisivas para o resultado do júri. Foi solicitado pela acusação o depoimento do índio Rikbatsa Gelson, que, em 1996, deu um depoimento que consta dos autos, nos quais declarou que “foi trabalhar na fazenda Londrina e José Vicente lhe contou que havia matado o Padre Vicente Cañas. Disse que foram em três pessoas, cercaram a casa e o mataram a pauladas…”. O juiz que preside o júri irá decidir se Gelson será ou não ouvido, com receio de que o júri possa ser anulado.


 


Conforme manifestações dos advogados de defesa esses irão defender a tese de que a morte de Vicente teria causa natural e de que não existem provas materiais contra seu cliente.


 


Já a acusação está confiante de que diante do reconhecimento do júri anterior de que se trata de um assassinato e dos depoimentos narrando os fatos, os indícios do envolvimento do acusado e das circunstâncias em que o crime ocorreu, sejam elementos determinantes para subsidiar a decisão do conselho de sentença, com a condenação do réu.


 


O corpo de Vicente ficou insepulto, exposto ao sol e chuva por 40 dias. O processo até o julgamento dos acusados durou quase 20 anos e dos seis acusados apenas dois foram a julgamento. O julgamento foi desdobrado por alegação da ausência de duas testemunhas imprescindíveis, por parte da defesa de um dos réus. Neste segundo júri, apenas uma testemunha de defesa foi ouvida. 


 


Fica no ar a pergunta: haverá justiça e punição aos culpados?


 


O grito de justiça


 


Julgamento de um dos acusados de matar Ir. Vicente


 


“Vicente era uma pessoa de uma capacidade de inculturação incrível. Viveu no meio dos Enawenê-Nawê como um deles” (Elizabeth Rondon-Cimi).


 


“Outra característica que definia Vicente e lhe dava um caráter especial era a vivência da pobreza com muita radicalidade” (Ivar Busatto-Opan).


 


Talvez a decisão do júri popular saia hoje. No fórum em Cuiabá, Conselheiros e diretores do Cimi, de todas as regiões do país, acompanham atentamente, com o coração apertado, mas esperançosos, o desenrolar do julgamento. Nos unimos em torno de Vicente Kiwxi e dos mártires das causas ameríndias. Também estavam presentes diretores e amigos da Opan (Operação Amazônia Nativa), com os quais Vicente tinha uma relação próxima, considerando-se como membro de entidade. Os jesuítas, congregação à qual Vicente pertencia, estavam articulando com muito esmero as presenças e ações desses dias do julgamento.


 


No improvisado “memorial de Vicente”, fizemos nossa celebração da memória, do testemunho e do compromisso levado até as últimas conseqüências por nosso companheiro. Felício, jesuíta que por muitos anos conviveu com Vicente, relatou alguns dos momentos fortes de muita riqueza e mesmo tensão, por haver avaliações e propostas diferentes de prática indigenista, vivenciados entre eles. Um dos pormenores lembrados foi uma certa descrença de Vicente em algumas reuniões e encontros cujos debates depois não eram traduzidos em ações coerentes na presença e solidariedade junto aos povos indígenas. Por essa razão, ele passou a questionar e mesmo não participar de algumas reuniões. Mesmo assim Vicente acompanhava a caminhada missionária e os acontecimentos mundiais, com muita perspicácia e atenção.


 


Fase dos depoimentos das testemunhas


 


Após o depoimento e interrogatório do réu José Vicente da Silva, por mais de três horas, foi feita a leitura das partes do processo requeridas pela acusação e defesa. E agora o terceiro momento é o da oitiva das testemunhas. Inicialmente foram ouvidas testemunhas da acusação.


 


Rinaldo Arruda, antropólogo da PUC, fez um detalhado relato das circunstâncias em que conheceu Irmão Vicente, e desenvolveu atividades indigenistas na região. Foi um depoimento bastante esclarecedor com relação ao processo de identificação e demarcação da terra dos Enawenê-Nawê, cultura desse povo, sua organização, economia…


 


O segundo depoente foi Claudio Quoss Comte, que trabalhou pela Opan, quando então acompanhou de perto o processo referente ao assassinato do Irmão Vicente.


 


Surrealismo!


 


Dr. Michael (assistente da acusação) chega apressada: “Preciso de um jesuíta!”. Daqui a pouco, ela aparece com a identidade de um dos padres dizendo que está precisando receber o crânio do Vicente. Mesmo sem saber muito bem como a questão estava sendo trazida à cena do julgamento, o fato pareceu extremamente surrealista, assim como o foram tantos acontecimentos relacionados ao assassinato e ao processo no decorrer desses quase 20 anos. De fato o crânio do Irmão Vicente, desde o momento em que foi encontrado numa praça próximo à rodoviária de Belo Horizonte, estava sendo guardado aqui em Cuiabá. Foi esclarecido que a guarda do crânio passou para o juiz e que este, terminado o julgamento, está querendo devolve-lo aos jesuítas.


 


Cuiabá (MT), 7 de novembro de 2006.


 


Egon Heck


 

Fonte: Cimi - Regional Mato Grosso do Sul
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