Caso Cañas: Júri deve terminar na tarde desta quarta-feira
Cinco testemunhas foram ouvidas até a noite de ontem, sete de novembro, no segundo julgamento relacionado ao assassinato do missionário espanhol naturalizado brasileiro Vicente Cañas Costa. Foram interrogados os indigenistas Cláudio Comte e Rinaldo Arruda, além dos indígenas Rikbaktsa Adalberto Pito e Paulo Tompeba. O julgamento segue nesta quarta-feira, 8, com o interrogatório de testemunhas. Ao todo, foram 11 testemunhas arroladas pelos advogados e pelo juiz. A defesa desistiu de quatro de suas testemunhas, e a acusação abriu mão de duas. Entre elas, o ex-deputado federal Gilney Viana, que não pôde comparecer. Com isso, o julgamento deve acabar na tarde de hoje, 8 de novembro.
O réu José Vicente da Silva trabalhava na fazenda Londrina, contratado para desmatar a terra que começava a ser colonizada, de acordo com o que afirmou no depoimento de segunda-feira. A fazenda Londrina é a propriedade rural que aparece citada pelos indígenas Paulo Tompeba e Adalberto Pito, que contam sobre os relatos do assassinato que ouviram em duas situações diferentes, ambas em 1989. O dono da fazenda Londrina, Pedro Chiquetti, foi outro dos acusados pela morte de Vicente Cañas, mas já faleceu. José Vicente é acusado de ter participado do grupo que executou Cañas, a mando de Chiquetti. O nome de José Vicente foi apontado em 1996. Na época, Gilney Viana era deputado federal e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Como a investigação sobre a morte de Cañas não caminhava, entidades indigenistas como o Cimi, a Opan e os padres jesuítas solicitaram a presença de Viana. Durante a visita, Viana tomou depoimentos. Entre eles, o indígena Gelson, que trouxe informações sobre a participação de José Vicente no assassinato.
Por questões processuais, ainda deverá ser definido hoje se o indígena Gelson será ouvido como testemunha.
A tese da acusação é de que o grupo do qual José Vicente da Silva fez parte teria chegado ao barraco do missionário através de uma picada que partia da fazenda Londrina. Esta picada só foi identificada em 1990, por indígenas.
“Os depoimentos coincidem com a cena do crime, na forma de acesso ao barraco, realizada através da picada”, declarou Cláudio Comte. No final da década de 1980, ele foi contratado pela organização indigenista Opan para tentar levantar informações sobre o assassinato, pois as investigações policiais não caminhavam, fato que Comte segue atribuindo à relação do ex-delegado de Juína, Ronaldo Osmar, com o assassinato. Na época, Cláudio analisou os diários do missionário do Cimi Vicente Cañas e neles identificou diversos relatos de tentativas de invasão de terras, muitos deles realizados por outro fazendeiro que depois seria indiciado, Camilo Carlos Óbice.
Na manhã de ontem, o antropólogo Rinaldo Arruda, da PUC-SP, foi questionado sobre sua atuação nas pesquisas para a demarcação da terra, no início da década de 1980. Rinaldo relatou também que, já em 1984, tinha notícias de que Vicente vinha sendo ameaçado por atuar pela demarcação da terra Enawenê. O antropólogo foi procurado por indígenas do povo Rikbaktsa, com o qual trabalhava, que relataram as informações que tinham recebido sobre a morte de Vicente Cañas.
Rinaldo conheceu Vicente Cañas, conviveu com ele em seu barraco por cerca de uma semana antes de entrar na terra indígena do povo Enawenê-Nawê. Esta parada era um procedimento normal, adotado por Vicente Cañas, para impedir a contaminação dos indígenas, de contato recente, por doenças não indígenas. Cañas o auxiliou na identificação da terra porque era o único não índio que conhecia bem o idioma Enawenê-Nawê.
Os indígenas do povo Rikbaktsa, Adalberto Pito e Paulo Tompeba, foram novamente interrogados sobre os depoimentos que gravaram em 1989 relatando conversas que ouviram em uma fazenda e na cidade de Castanheira, MT, feitos por pessoas que disseram ter participado do caso. Os depoimentos são peças centrais do processo, pois possibilitaram a identificação das pessoas que posteriormente foram acusadas de mandantes do crime.
A única testemunha de defesa ouvida foi o médico legista da cidade de Juína, Joaquim Delfino Neto, que participou de uma das perícias realizadas no corpo de Cañas.
Em entrevistas no final na tarde de ontem, os advogados de defesa insistiram na tese de que não houve assassinato. A acusação refutou a tese, afirmando que esta discussão já está superada, pela decisão do júri anterior, que sentenciou a existência de assassinato.
“Não é um júri fácil, devido ao tempo que já se passou e por termos um conjunto de provas indiciárias, o que faz com que a acusação precise trabalhar com associação de fatos”, afirmou Mario Lucio Avelar, procurador do Ministério Público Federal, responsável pela acusação.
O contato com os Enawenê-Nawê foi realizado em 1984, pelo irmão Vicente Cañas e pelo padre Tomás Lisboa, que já trabalhavam na perspectiva de impedir que o povo fosse dizimado por doenças causadas pelo contato com não índios ou pelo contato com os madeireiros e fazendeiros que começavam a colonizar o interior do Mato Grosso. Os Enanewê eram, em 1987, época em que ocorreu o assassinato, conhecidos como povo Salumã. Até hoje, são chamados assim por parte da população da região de Juína. Os antropólogos, ao longo do contato com este grupo, perceberam que Salumã não era o nome do povo, mas de um indivíduo do grupo e também o nome de uma entidade entre as muitas que povoam os seres espirituais deste povo.
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