Documento da XXIª Assembléia do Cimi Regional Rondônia
Nós, membros do Conselho Indigenista Missionário – Regional Rondônia, nos reunimos em nossa XXIª Assembléia do CIMI-RO, no Centro Comunitário São José, em Guajará-Mirim – RO, no período de 24 a 25 de outubro de 2006, com representantes da CNBB – Dom Geraldo Verdier, do Conselho de Missão entre Índios (COMIN) – Nelson Deicke, da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) – Ir. Antonia Mendes Gomes, do Assessor das Pastorais Sociais da CNBB, Pe. Luis e de lideranças indígenas dos povos: Oro Eo, Oro Waram, Canoé, Oro Mon e More (Bolívia), com o Tema: “Amazônia, Vidas Ameaçadas” e o lema: “Defender a biodiversidade, garantir a vida”. Após a avaliação das atividades desenvolvidas pelas equipes de área, bem como uma análise da conjuntura nacional e regional; das políticas públicas, especialmente da política indigenista; das constantes violências contra os povos indígenas, inclusive com mortes, manifestamos nossa indignação diante do descaso e omissão dos órgãos públicos oficiais no que tange as populações indígenas em nosso estado. Situação esta que vem sendo denunciada há vários anos, sem que nenhuma providência seja tomada, com conseqüentes agravantes para os povos indígenas, sendo cada vez mais desesperadora:
TERRA
1. Identificação, delimitação, demarcação, homologação e registro, portanto, regulamentação das terras indígenas dos povos: Purubora, Wayoro, Miqueleno, Cujubim, Karitiana, Pangyjej, Gavião, Oro At, Oro Eo, Oro Jowin, Jabuti, Arikapu, Kampé, Salamãi e Cassupá, expulsos de seus territórios tradicionais pelo próprio Estado brasileiro, representado por seus órgãos públicos, principalmente pela omissão do órgão indigenista oficial, pela grilagem das terras públicas e pelo latifúndio. É importante destacar a existência de inúmeros documentos destes povos, solicitando a devolução de suas terras tradicionais com a devida inclusão dos lugares sagrados.
2. Revisão de limites das Terras Indígenas: Omerê (Canoé e Akunsu), Tubarão Latundê (Latundê, Aikanã), Rio São Pedro (Kwazá), Pirimeu de Souza (Tawandê, Manduca, Sabanê, e outros), Vale do Guaporé (Mamaindê, Negarotê e outros), Pacaas Novas (Oro Jowin, Oro Nao’), Lages (Oro Waram, Oro Waram Xijien, Oro Mon), Rio Negro Ocaia (Oro Eo, Oro At, Oro Nao), Kaxarari, Sagarana e Guaporé. Estes povos perderam de seus territórios tradicionais, muitos lugares sagrados. Existem, no Ministério Público Federal de Rondônia, inúmeros documentos destes povos, solicitando a revisão de limites para a inclusão de seus lugares sagrados de suas terras tradicionais.
3. Povos Indígenas em Situação de Isolamento e Risco.
É dramática a realidade em que se encontram os povos indígenas em situação de isolamento e risco da Amazônica legal, especialmente em Rondônia, onde o risco de extermínio de culturas milenares, em pleno século XXI, é evidente pela complexidade da política fundiária em que os interesses de grupos políticos e econômicos se fundem, dando margem para que latifundiários, madeireiros, garimpeiros imperem e dessa forma invadam seus territórios, destruindo seus recursos naturais, ameaçando sua integridade física e cultural, sem que os órgãos oficiais competentes tomem as devidas providências, no sentido de regularizar e proteger suas terras. São eles: Povo Indígena em situação de isolamento e risco da cabeceira dos rios Formoso; Povo Indígena em situação de isolamento e risco do Rio Candeias; Povo Indígena em situação de isolamento e risco do rio Karipuninha; Povo Indígena em situação de isolamento e risco do rio Jaci Paraná; Povo Indígena em situação de isolamento e risco do rio Jacundá; Povo Indígena em situação de isolamento e risco da cabeceira do rio Marmelo e Maicizinho; Povo Indígena em situação de isolamento e risco do rio Novo e Cachoeira rio Pacaas Novas; Povo Indígena em situação de isolamento e risco da Rebio Jaru; Povo Indígena em situação de isolamento e risco da Serra da Cutia; Povo Indígena em situação de isolamento e risco chamado de “Índio do Buraco” quase extinto na fazenda Modelo; Povo Indígena em situação de isolamento e risco do Parque Estadual de Corumbiara.
4. Desintrusão de terra indígena: Terra Indígena Kwazá e Terra Indígena Uru Eu Wau Wau.
5. Desinterdição de Terra Indígena – Protestamos contra a desinterdição da Terra Indígena Muqui (Povo Isolado Jururei) pela Funai.
6. Redução da terra
– A Terra Indígena Karipuna foi reduzida de 195.000 ha para 152.929 ha, ou seja, perda de 42.071 ha (para atender interesses de políticos e latifundiários do estado para dar continuidade a BR 421). Entretanto, essa terra é parte do território tradicional do Povo Oro Mon;
– A Terra Indígena Omerê foi reduzida de 51.000 ha para 26.000 ha, seja uma redução de 25.000 ha (para atender interesses dos latifundiários).
7. Proteção e Fiscalização: Todas as terras indígenas do estado de Rondônia sofrem alguma forma de invasão (madeireiro, garimpeiro, fazendeiros, pescadores, caçadores, pequenos agricultores), sem que providências sejam tomadas de forma eficientes.
Torna-se urgente a definição de uma Política Indigenista, que venha solucionar os casos de invasão de não-índios em terras indígenas, retirando os invasores e reassentando os de boa-fé.
Denunciamos:
– A constante retirada ilegal de recursos naturais das terras indígenas como madeira, minérios e peixes sem que os órgãos públicos, especialmente a Funai tome as providências para impedir estas agressões aos povos indígenas. Estas denúncias já diversas vezes levadas ao conhecimento do Ministério Público Federal (MPF).
– as situações de descaso quanto ao atendimento à saúde indígena vem se agravando a cada ano. A partir de abril 2004, quando a Funasa assumiu a execução das ações de saúde, a esperança de um atendimento melhor não aconteceu. Nas reuniões de conselhos, a Funasa pressiona os conselheiros para aprovarem o Plano Distrital e a entidade a ser conveniada. Os recursos, já insuficientes, estão chegando cada vez menos nas comunidades indígenas devido à burocracia do órgão. A contratação de inúmeras empresas pela Funasa, para a realização dos serviços, encarece os custos. Também um agravante é a contratação dos presidentes dos conselhos distritais e locais de saúde como assessores indígenas da FUNASA, pois entendemos que enfraquece o controle social. A falta de formação dos AIS – Agentes Indígena de Saúde, falta de medicamento, muitas aldeias sem radiofonia, sem transporte e posto de saúde.
– o não cumprimento das políticas públicas referentes a uma educação específica e diferenciada e desinteresse quanto à implantação do ensino nos diferentes níveis. Entendemos que os direitos indígenas não devem ser tratados isoladamente, mas de forma articulada, no conjunto do debate acerca do Estatuto dos Povos Indígenas;
– a descriminação da Funai de Guajará Mirim em relação aos indígenas que moram fora de suas terras, negando-lhes a identificação indígenas e os benefícios aos quais tem direito, apesar das recomendações do Ministério Público Federal. Assim como repudiamos os maus tratos a estes indígenas por funcionários da Funai, já denunciados ao MPF. Lamentamos que isto continua acontecendo.
– somos solidários aos povos indígenas de Guajará-Mirim que neste dia lembram o nono mês do trágico acidente de trânsito que causou 6 mortes e deixou 17 feridos. Esta falta de transporte adequado resultou na ocupação da sede da Funai. E depois de uma semana de ocupação foi assinado um termo de acordo entre MPF, Funai e Lideranças Indígenas. O qual só foi comprido pelos indígenas, que hoje estão exigindo da FUNAI o cumprimento do termo de acordo: auditoria imediata da Funai de Guajará Mirim, aquisição de transporte para as aldeias, e a nomeação de um administrador que tenha confiança das comunidades. Portanto, repudiamos a nomeação do novo administrador, pois este já foi expulso da Administração Executiva Regional da Funai de Cacoal/RO inclusive com a participação de representantes Indígenas de Guajará-Mirim.
O Estado brasileiro continua sendo utilizado como instrumento das forças econômicas antiindígenas que, sedentas do lucro fácil, dão continuidade aos grandes projetos, como a construção de hidrelétricas, ao agronegócio, à monocultura da soja, ao gasoduto e outros, que afetam drasticamente a vida dos povos indígenas, destruindo seu patrimônio cultural e outros patrimônios culturais do estado de Rondônia.
A crise atual, resultado de inúmeras denúncias de corrupção envolvendo o Legislativo e o Executivo do estado de Rondônia, revela a irresponsabilidade dos políticos no uso do dinheiro e dos bens públicos; fatos estes que já vinham sendo denunciados por setores organizados da sociedade e que foram se agravando devido à paralisia da Justiça.
O reconhecimento oficial por parte da Ministra do Meio Ambiente e recentemente do presidente Lula do Zoneamento Sócio Econômico Ecológico do Estado de Rondônia nos surpreendeu devido às invasões constantes de unidades de conservação, áreas indígenas e à ocupação por grileiros de terras públicas e das terras classificadas por zona 2.1. Esse reconhecimento que permitiu ao estado driblar a lei provisória, isto é elevar a 50% o desmatamento de cada propriedade da zona 1.1 vai ser responsável pelo aumento do desmatamento no Estado. Quanto ao reflorestamento exigido, duvidamos de sua aplicação tanto por motivos de falta de fiscais como dos constantes incêndios dos pastos.
– A área 2.1 do zoneamento que não pode ser utilizada para atividades agro-pecuárias é invadida por latifundiários e madeireiros inescrupulosos. Nos municípios de Nova Mamoré e Porto Velho foram formadas imensas fazendas e até distritos como o de União Bandeirante.
– No município de Guajará-Mirim, as terras do distrito de Surpresa, também classificadas 2.1 no zoneamento, continuam com grandes desmatamentos para pecuária, como o santuário ecológico do Guaporé, zona de amortecimento do Parque Nacional da Serra da Cutia e habitadas por populações tradicionais.
– Planos de manejo em Resex não aprovadas pelo IBAMA, mas apoiadas pela SEDAM e OSR estão prejudicando fortemente o meio ambiente e as populações tradicionais. Como é o caso do Plano de Manejo na Resex Estadual Pacaas Novos, criado em terra tradicional dos povos Oro Eo, Oro Nao, Oro At, e Oro Jowin. E outro fator agravante é que nesta região tem perambulação de índios isolados.
Tendo por base o compromisso assumido pelo governo federal diante das reivindicações das lideranças indígenas, por ocasião do “Acampamento Terra Livre”, em Brasília, exigimos a criação do Conselho Nacional de Política Indigenista e o respeito aos direitos constitucionais dos povos indígenas.
Conclamamos todo o povo brasileiro para a luta por uma sociedade realmente democrática, onde os povos indígenas possam viver e construir seu futuro em liberdade.
Guajará-Mirim (RO), 25 de outubro de 2006.