Quem matou Kiwixi?
Esse grito forte iniciado há 19 anos, na beira do rio Juruena, quando o corpo de Vicente Cañas foi encontrado, começa a ser elucidado, com os criminosos indo para o banco dos réus, na Cuiabá quente envolta pelos sanguessugas, no Mato Grosso dos escândalos e dossiês.
Naquela manhã do dia 19 de maio de 1987, quando chegamos à aldeia Enawenê, no igarapé Ikuê, afluente do rio Juruena, para levar a notícia de que haviam matado Kiwixi, os índios ficaram extremamente irritados e agitados cobravam ininterruptamente: “Quem matou Kiwixi?” Exigiam resposta imediata. Não podiam suportar que a morte de um de seus melhores amigos, ficasse sem resposta e impune. Porém, o direto envolvimento de interesses econômicos e políticos da região foram protelando o inquérito e o andamento do processo por 19 anos, encobrindo com a impunidade esse crime covarde e bárbaro.
Dos seis réus denunciados pelo Ministério Público, apenas um, o ex-delegado de Juína, Ronaldo Antônio Osmar, está sentado na cadeira dos réus. Dos três fazendeiros acusados de mandantes do crime, dois já morreram e o terceiro está com mais de 70 anos, e, portanto não mais pode ser julgado e punido. O mesmo acontece com um dos acusados de execução do crime. Restaram apenas dois, tendo a defesa dos réus optado pela estratégia de desdobrar o julgamento, alegando a não presença de duas das testemunhas.
O julgamento teve seu primeiro dia, em ritmo de lentidão, em meio a indefinições e intervenções de outras ordens, uma vez que tanto o juiz que preside o julgamento, Jefferson Schneider, quanto o procurador do Ministério Público, Mario Lúcio de Avelar, estão também atuando no caso do dossiê Vedoin. Aliás, ambos concordaram em dar mais 30 dias à Polícia Federal para conclusão das investigações. O atraso de quatro horas para o início do julgamento, foi considerado por D. Tomás Balduino como um desrespeito ao grande número de pessoas presentes no auditório e à memória de Vicente Cañas.
Interrogatório do acusado ex-delegado
Finalmente o único levado ao banco dos réus começa a ser interrogado. Durante mais de duas horas o ex-delegado apenas conseguiu dizer algumas evasivas e econômicas respostas. O que mais falou foi “não sei”, “não me lembro”, “talvez”, “não tenho certeza”… Diante da ironia e economia das respostas, o juiz Schneider deu o recado: “Pode falar com mais vontade, sem tanta economia de palavras, pois és advogado, foste delegado de polícia… Eu não tenho pressa, posso passar muito tempo até que o senhor fale…”.
Antes de iniciar o julgamento, na manhã de ontem, um grupo de amigos de Vicente e aliados da causa indígena, fizeram a celebração da memória dessa mártir, no hall de entrada do Fórum da Justiça Federal,
Hoje o julgamento terá seguimento com a leitura do processo e oitiva das testemunhas de acusação e defesa. Nova celebração estará lembrando a memória da vida, luta e martírio desse companheiro da causa indígena, do Conselho Indigenista Missionário, com o depoimento dos que encontraram o corpo de Vicente, em 16 de maio de 1987.
Pelo fim da impunidade, por um Brasil com justiça e respeito aos povos indígenas!
Cuiabá (MT), 25 de outubro de 2006.
Egon Heck