Entrevista Dom Pedro Casaldáliga fala sobre o julgamento de Vicente Cañas
Uma fotografia do jesuíta Vicente Cañas com brincos e ornamentos indígenas, cabelo cortado igual ao dos Enawenê-Nawê, é uma das imagens que faz parte do Santuário dos Mártires, na prelazia de São Felix do Araguaia, no Mato Grosso. A imagem ajuda a entender a vida deste homem que escolheu conviver como o povo Enawenê-Nawê, grupo que ainda hoje tem pouco contato com a sociedade não indígena. Cañas compartilhou seus rituais, sua caça, pesca e tratava da saúde dos Enawenê, ameaçados pelo contato com os não índios que avançavam para o oeste do Brasil em busca de terra e madeira. Ele lutou pelo direito deste grupo à vida e ao território, e por isso foi assassinado. Dom Pedro Casaldáliga, ou simplesmente Pedro, como prefere ser chamado, há décadas vive no Mato Grosso acompanha os fatos da região. Ele concedeu ao Cimi, por correio eletrônico, a entrevista sobre o julgamento de Vicente Cañas que enviamos abaixo. Aqui, ele nos fala de inculturação, a prática de conviver com povos distintos com atitudes de escuta, convivência., solidariedade respeito e liberdade de espírito, aprendendo e dialogando com eles e sem querer mudar a vida do outro. Que ensinamentos nos deixou a vida de Vicente Cañas? Dom Pedro – A vida e a morte de Vicente Cañas nos ensinam sobretudo a vontade sincera de inculturar o Evangelho nos diferentes povos; sem etnocentrismos, com total despojamento, na monótona vida diária, arriscando e doando a própria vida, confiando na força maior do testemunho. Como o senhor vê o fato de este processo levar 19 anos para ser julgado? Dom Pedro – Ter levado 19 anos este processo confirma a triste sensação de falta de vontade política na causa indígena, de lerdeza (ou será omissão? ou cumplicidade? ou subserviência?) do poder judiciário. Há muitos interesses grandes no solo e no subsolo das terras indígenas e contra os direitos dos povos indígenas. Que significado tem a conclusão deste processo judicial? Dom Pedro – Concluir este processo judicial é chegar, muito tarde, a um desfecho que continuará sendo uma divida indigenista do nosso Brasil e de nossa Igreja. O senhor fala sempre da importância da solidariedade entre os povos. Como os outros povos do mundo podem contribuir neste caso? Dom Pedro – Não se pode ser solidário com as pessoas isolando-as do seu povo. A verdadeira solidariedade é interpessoal e também intercultural; na reciprocidade; enriquecendo-se mutuamente as diferentes culturas. Somente a comunhão das alteridades pode construir a outra mundialidade que sonhamos.