Cartas de pesar pelo falecimento de Maninha
Querida gente do nosso Cimi, transmitam ao povo Xukuru, queridíssimo, o testemunho da nossa constante solidariedade e de uma pascal comunhão a morte da grande militante Maninha. Da Aldeia Grande e na Paz de Deus seguirá animando a caminhada do seu povo e de todos os nossos povos indígenas. Um forte abraço na militância e na esperança do Reino. Pedro Casaldáliga ADEUS, GRANDE GUERREIRA XUKURU-KARIRI Conheci Maninha Xukuru-Kariri em 1986. Bem jovem, ela estudava no Recife. Vivia o drama de necessitar seguir uma profissão que lhe garantisse sobreviver economicamente e, por outro lado, o desejo de permanecer junto ao seu povo. Ainda não sabia bem o que fazer, mas mirava forte o exemplo de seu pai – o Pajé Antônio Celestino. Veio a luta pela retomada das terras da Mata da Cafurna, e com ela a polícia, o despejo ilegal e violento, as humilhações e ameaças à comunidade. Maninha decidia, então, que rumo tomar: ficar ao lado de seu povo. Meses de frio, de fome, e de espera por uma decisão judicial. Com muito sacrifício, a comunidade saiu vitoriosa. A comunidade cresceu, Maninha cresceu. Mas ainda havia tanto a fazer… Em 1991, surgia a Comissão Leste-Nordeste. Oito líderes indígenas – todos homens (Chicão e Zé de Santa Xukuru, Girleno Xokó, Naílton, Ninho e Manuelzinho Pataxó Hã-Hã-Hãe, Jonas Tupinikim, Caboquinho Potiguara). Maninha, a única liderança mulher no grupo. Reuniões trimestrais nas terras indígenas (Xukuru-Kariri, Xukuru, Xokó, Potiguara, Kiriri, Pataxó, Pataxó Hã-Hã-Hãe, Tupinikim – Guarani…), Maninha, a única liderança mulher na comitiva. Em 1995, Assembléia de criação da APOINME. Maninha, a única mulher na coordenação. Reuniões da APOINME nas capitais (Maceió, Recife, João Pessoa, Salvador, …), Maninha, a única mulher em meio às lideranças. Alguns começavam a falar em questão de gênero. Algumas falavam em mulher indígena. Maninha não falava sobre o tema, não ocupava espaço na mídia. Mas agia. Conquistou um lugar de destaque e respeito num ambiente eminentemente masculino. Oito lideranças calejadas nos duros embates da luta pela terra; muitos ameaçados de morte por defenderem seus povos; todos líderes respeitados por seus povos. Maninha, em meio a eles, ganhou a sua confiança, conquistou o seu respeito. Conquistou o respeito, como ela dizia, dos “meus parentes”, indígenas de todos os povos do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo. Nas reuniões, como nas tarefas da APOINME ou nas caravanas país afora, era sempre a personificação da responsabilidade, da prudência, da ponderação, do equilíbrio. Falava com mansidão, mas com autoridade. Era respeitada. Tinha, como gostava de dizer, o sangue dos Celestino, e das Santana. Nas lutas em defesa de seu Povo era obstinada, valente, destemida. Ameaças de morte, recebeu muitas. Mas dizia: “não quero morrer, mas não posso viver fugindo. Vou ficar.” Uma madrugada de 1995. Uma retomada para tentar salvar a mata da Jibóia. Na cidade, fazendeiros em passeata, carro de som, palavras de ordem contra os Xukuru-Kariri e suas lideranças. Em toda parte, notícias de jagunços que bebiam e se preparavam para subir a serra e despejar os índios à força. Na casa da fazenda, a madrugada de vigília. Crianças chorando, mulheres rezando. O ar pesado pelo anúncio de que os jagunços logo chegariam, em meio à escuridão. Me despi de meu casaco preto, e disse: “Maninha, pegue, vista e fique lá fora. Se eles chegarem, corra pela mata, se esconda. Eles vão querer você”. Manhinha agradeceu e disse: “Não, vou ficar. Não tenho o direito de fugir e deixar o meu povo. Se eles chegarem, estarei esperando”. Pegou uma borduna, seu único instrumento de defesa, e montou guarda à porta dos fundos. O dia amanheceu, trazendo o alívio da notícia de que os jagunços haviam desistido de seu intento. Maninha era assim, guerreira, destemida, disposta aos maiores sacrifícios. Entregou-se de corpo e alma à luta pelos direitos de seu povo, à solidariedade com as lutas dos povos do Nordeste, e à construção da APOINME. Sacrificou seus estudos na universidade, sacrificou seu convívio familiar, sua vida pessoal, por fim, sacrificou sua saúde. Combateu o bom combate, e para sempre viverá. Vai em paz, Grande Guerreira. Vai ao encontro de Quitéria Celestino, de Tio Migué Celestino, do Cacique Luzanel Ricardo, do Cacique Chicão Xukuru. Outros guerreiros e guerreiras, teus parentes, eu sei, estão te aguardando, com seus maracás. Ficamos por aqui, com teus pais, teus irmãos e irmãs, sobrinhos, enfim, o Povo Xukuru-Kariri que tanto amaste, e todos aqueles que tanto te admiram e respeitam. Até um dia. De sua amiga, Rosane Lacerda. Brasília – DF, 11 de outubro de 2006.