04/10/2006

Eleições, democracia formal e democracia indígena

 


Tenho acompanhado com interesse e atenção o caminho das urnas e do voto indígena. E mais, as discussões que vão além e aquém da democracia representativa dos interesses dominantes. Infelizmente estamos saindo de mais uma experiência que cada vez mais parece apontar para caminhos diversos do que os das convencionais urnas, mesmo que eletrônicas.


 


Achei muito oportuna a discussão da participação indígena na Constituinte através de vagas específicas para os mais de duzentos povos indígenas no país. O pedido do movimento indígena naquela ocasião era modesto – apenas 5 vagas, na multidão de mais quinhentos representantes de interesses e privilégios. Imagina se Ulisses Guimarães e seus escudeiros aceitariam semelhante precedente. Poderia se transformar num perigo, pois os negros e outras minorias e maiorias exploradas e oprimidas poderiam questionar a forma de representação das elites.


 


Achei desafiador o pensamento do “voto étnico” que passaria pela formação de uma consciência de pertencimento e de  direitos que não estavam sendo representados no sistema democrático dominado e dominante. Vinculado a isso veio a discussão dos instrumentos e canais que poderiam  levar a esse representação, que poderia ser a criação do “Partido Índio Brasileiro” (PIB), algo bem diferente do que essa sigla representa no mundo econômico. A discussão morreu no nascedouro.


 


Na década de noventa começou-se a levantar a bandeira do “Parlamento Indígena”. Uma proposta que trazia um sonho, uma utopia, mas que terá uma longa trajetória política e de mudanças para ir se firmando. É bem verdade que experiências semelhantes já estão vigorando em alguns países, mas em contextos e percentagens indígenas bem diferentes da nossa.


 


As experiências dos caminhos indígenas no continente são bem diversificadas. Muitas são as lições. Experiências amargas de participação no poder dominante, até propostas revolucionárias e de autonomia dos povos em seus territórios. A recente eleição de Evo Morales, na Bolívia, ao menos trouxe o rosto não colonial ameríndio para espaços de mando em país de secular dominação colonial e imperial. Terá pela frente desafios imensos que o sistema capitalista certamente fará emergir. Quem sabe, a sabedoria milenar não possibilitará a afirmação de novos caminhos, mesmo enfrentando o império das multinacionais globalizadas e as armas do pretexto do terror ou do narcotráfico. Quiçá!


 


Diante do resultado de zero indígenas eleitos, são possíveis, mesmo assim, reflexões sobre avanços se considerados os números absolutos dos votos recebidos por candidatos indígenas. O número de votos aos cinco  candidatos a deputados federais indígenas foi  17.065 votos. Em 2002, três candidatos haviam recebido 4.282 votos. Já os candidatos a deputados estaduais foram 19, com 19.752 votos, contra 17 candidatos que conseguiram 9.089 votos em 2002.


 


Porém, cada vez mais se impõe uma reflexão sobre estratégias que possibilitem enxergar caminhos além da democracia representativa, que certamente está longe da democracia indígena, do consenso e da participação direta, do efetivo poder nas mãos da comunidade. Quem terá que mudar somos nós e nossos modelos e não os indígenas!


 

Egon Heck – Cimi MS – Campo Grande, 3 de outubro de 2003

Fonte: Cimi
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