Licenciamento da usina hidrelétrica de Mauá, no PR, é permeado por omissões, fraudes e ilegalidades
É com muita preocupação que entidades movimentos e as comunidades ameaças pela construção da UHE – Mauá aguardam o leilão que concederá o direito de construir a barragem, marcado para o dia 10 de outubro de 2006. Atualmente, existem 6 ações na justiça denunciando o descumprimento das leis ambientais, falsificações e atos de improbidade administrativa. Elas solicitam a suspensão da licença emitida pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP) e a responsabilização de funcionários da CNEC-Engenharia, empresa que realizou o estudo de impacto ambiental do empreendimento. A UHE pode alagar parte da terra Mococa, do povo Kaingang. Outros projeto no mesmo rio, a UHE São Jerônimo, pode diminuir a vazão do Tibagi perto da terra Apucaraninha, também Kaingang.
O que causa estranheza é que, apesar dos inúmeros questionamentos apontados a respeito do empreendimento por pesquisadores da Universidade Estadual de Londrina (UEL), das ações no judiciário e do posicionamento contrário da comunidade local, os órgãos responsáveis (IAP e demais órgãos ambientais) têm autorizado e defendido a continuidade do processo.
Uma destas ações que tramitam na justiça foi proposta pelo Ministério Público de Londrina, em agosto de 2006. Na ação, os procuradores da República em Londrina pedem a declaração de inexistência de Estudos de Impacto Ambiental (EIA/Rima) para a construção da usina, devido a fraudes e por não atender às disposições da Resolução 01/86 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Foram constatadas no EIA/Rima inúmeras falhas, omissões, inconsistências e contradições. Tudo comprovado pela avaliação de pesquisadores de duas Universidades Estaduais (UEL e UEM), de ambientalistas, da própria equipe técnica do IAP, que entenderam ser necessária a complementação do EIA em 69 itens, assim como da equipe de peritos do Ministério Público Federal. A ação também pede a nulidade de todos os atos do procedimento de licenciamento ambiental, desde o termo de referência, passando pelas audiências públicas e, por fim, a licença prévia (LP), concedida na etapa inicial do licenciamento.
O problema do inventário de potencial hidrelétrico
A instalação de uma usina hidrelétrica é decidida após um processo administrativo complexo, formado por três procedimentos diferentes . Na proposta de construção da UHE Mauá são encontradas irregularidades em todos estes passos. A primeira irregularidade se refere ao inventário de potencial hidrelétrico do Rio Tibagi, que é o estudo que aponta as possibilidades da divisão do rio em quedas de água, formadas a partir da construção de barragens.
Segundo as regras da ANEEL, durante a elaboração do inventário, é necessário consultar os órgãos de gestão dos recursos hídricos e os órgãos de fiscalização ambiental. No caso do Rio Tibagi, o órgão máximo de gestão dos recursos hídricos é o Comitê de Bacia. O que choca as entidades que vêm defendendo a anulação do processo de licenciamento em curso é que, apesar da legislação vigente garantir e fomentar a participação da sociedade organizada na gestão dos recursos hídricos, até o presente momento o Comitê de Bacia do Tibagi não foi consultado e tampouco aprovou a elaboração do inventário.
A postura autoritária da SUDERHSA
O segundo procedimento que integra o processo de instalação de uma usina hidrelétrica é o da concessão da outorga prévia de uso da água. Segundo a Lei Estadual dos Recursos Hídricos, esta outorga prévia só pode ser concedida pela Agência Estadual de Águas (SUDERHSA) se no plano de bacia (discutido e aprovado pelo Comitê de Bacia) estiver previsto o uso da água para geração de energia elétrica.
No caso do Tibagi, o Comitê de Bacia ainda está discutindo esse plano e, portanto não o aprovou. Neste sentindo, até que o plano esteja aprovado, a agência Estadual de Águas teria que consultar o Comitê de Bacia antes de emitir a outorga. No entanto, contrariando mais uma vez a legislação vigente e desconsiderando a sociedade organizada representada no Comitê da Bacia, a SUDERHSA emitiu a outorga prévia para a UHE Mauá sem que o Comitê fosse consultado.
As fraudes e omissões no licenciamento Ambiental
O terceiro procedimento necessário para se instalar uma usina hidrelétrica é o licenciamento ambiental. Os primeiros estudos prévios de impacto ambiental elaborados para se verificar a viabilidade ambiental das usinas previstas no inventário de aproveitamento hidrelétrico do Rio Tibagi foram feitos em 1996. De lá para cá, os interessados em construir as barragens ingressaram com os pedidos de licenciamento ambiental de três usinas: UHE Jataizinho, UHE São Jerônimo e agora UHE Mauá, sendo que o licenciamento de Jataizinho não foi levado adiante.
Já o de São Jerônimo resultou numa grande mobilização social contrária que resultou na organização da comunidade local e na realização da 21ª Romaria da Terra do Paraná, realizada nos municípios de São Jerônimo da Serra e de Jataizinho.
No estudo de impacto ambiental da UHE São Jerônimo estava previsto o alagamento de terras indígenas, o que faz com que a construção dependa de prévio consentimento das comunidades atingidas e de autorização do Congresso Nacional. Mesmo sem esse consentimento e sem a autorização do Congresso, foi dado prosseguimento no licenciamento ambiental de São Jerônimo. Na época foram movidas ações civis públicas e ações populares e, como resultado destas, o poder judiciário definiu que só seriam expedidas licenças ambientais para a construção de barragens no Rio Tibagi após a realização de um estudo prévio de impacto ambiental que abrangesse toda a bacia hidrográfica do Rio Tibagi.
Após esta posição do Poder Judiciário, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA), que conduzia o licenciamento, emitiu uma declaração dizendo que antes de dar continuidade a qualquer licenciamento ambiental no Tibagi, exigiria uma avaliação ambiental integrada da bacia do Tibagi. A mesma posição teve o IAP, que determinou que novos empreendimentos hidrelétricos também passassem por essa avaliação ambiental integrada da bacia.
Todavia, os interessados na UHE Mauá deram entrada no pedido de licenciamento ambiental sem que tivesse sido feita a tal avaliação integrada. E, mais, o estudo prévio de impacto ambiental elaborado pela CNEC Engenharia S/A- empresa do grupo Camargo Correia- para a UHE Mauá, além de não abranger toda a bacia hidrográfica, teve parte de seus dados adulterada para que o empreendimento parecesse menos agressivo ao meio ambiente. Além disso, a questão indígena foi simplesmente ignorada pelo estudo do CNEC Engenharia S/A. Mesmo diante de todas estas circunstâncias, o IAP concedeu a licença ambiental prévia para a UHE Mauá, surpreendendo a todos que acompanham essa discussão.
O que talvez explique essa atitude é a “incrível coincidência” de que o Diretor Presidente do IAP, senhor Rasca Rodrigues (que assinou a licença prévia) acumulava, à época da assinatura, o cargo de conselheiro fiscal da COPEL, que está interessada em construir e operar a usina de Mauá. Em razão de todas essas circunstâncias, foram movidas ações civis públicas e de improbidade administrativa na 1ª Vara Federal de Londrina e na 2ª Vara Federal de Ponta Grossa, com o objetivo de anular a licença prévia.
No entanto, mesmo diante destas inúmeras irregularidades apontadas pelas entidades que compõem a Frente de Proteção Rio Tibagi, a ANEEL continua a insistir na realização do leilão da UHE Mauá no próximo dia 10 de outubro. O que nos causa indignação é que está não é a primeira vez (e nem uma situação vivenciada apenas na bacia no Rio Tibagi) que os órgãos públicos pervertem seu papel de defesa dos interesses públicos e atuam claramente na defesa dos interesses do setor elétrico. Diante disto, uma pergunta não quer calar, “a quem interessa a construção da hidrelétrica de Mauá”?
Curitiba- Paraná- Brasil
Frente de Proteção ao Rio Tibagi