Um guerreiro no paraíso
Homenagem a Dom Luciano Mendes de Almeida
Os índios tinham um lugar privilegiado no grande coração de Dom Luciano. Quando os missionários foram expulsos da Missão Catrimani, em 1988, Dom Luciano não hesitou em tomar o avião e ir a Roraima para prestar pessoalmente sua solidariedade aos missionários e ao bispo daquela dioceses, D. Aldo. Mas de maneira especial ele assumiu a causa, a luta e os direitos do povo Yanomami. Em função disso retornou à área em outros momentos.
Quando o Cimi foi caluniado e difamado em 1987, Dom Luciano, desde o primeiro momento, denunciou a armação que na verdade era contra os direitos dos povos indígenas que estavam sendo inscritos na nova Constituição. A sórdida campanha fora tramada e urdira pelas empresas mineradoras e outros interesses anti-indígenas, numa das mais amplas campanhas de difamação já ocorridas na história deste país. Quando, a partir das denúncias, se forjou a Comissão Mista Parlamentar de Inquérito, contra o Cimi, vi Dom Luciano, de dedo em riste, desafiar os parlamentares de que provassem qualquer ação dos povos indígenas ou dos missionários do Cimi, contra a soberania nacional e outras acusações de que estavam sendo vítimas. Mostrou com firmeza e indignação de que o que estava se fazendo na verdade era uma vergonhosa campanha para impedir o reconhecimento dos direitos mais elementares dos povos indígenas à vida e dignidade.
Dom Luciano se envolvia tão profundamente com as causas dos pobres e com a vida e compromisso da Igreja, que pouco tempo tinha para dormir. Contavam que não dormia mais do que cinco horas por noite. Como secretários do Cimi, Antonio Brand e eu, fomos inúmeras vezes conversar com Dom Luciano para lhe relatar as principais lutas e desafios do trabalho dos missionários do Cimi com os povos indígenas. Como sua agenda sempre estava muito cheia, normalmente nos convidava para conversar já no início da noite, depois de exaustivos dias de atividade na CNBB. Sempre nos tratou com muito carinho, pois esta era uma causa privilegiada de seu compromisso. Também havia conseguido um pequeno recurso financeiro de uma herança, que destinou integralmente aos povos indígenas. Esse fundo era liberado para lutas desses povos pelos seus direitos, sendo o Cimi a entidade através da qual eram discutidas as destinações desses recursos. Quando conversávamos, normalmente estávamos em frente a uma pessoa exausta, visivelmente cansada. Inúmeras vezes, enquanto expúnhamos a realidade e lutas dos povos indígenas, percebíamos Dom Luciano ir fechando os olhos, cochilando. Porém, em meio a nossas exposições, repentinamente ele abria os olhos e fazia perguntas sempre pertinentes às questões que estavam sendo expostas. Era um santo homem de ferro e mel, onde a humanidade se abrigava e era acolhida com imenso carinho, ousadia e indignação, quando necessário.
Os povos indígenas e nós missionários sentimos muito a partida desse nosso companheiro, mas temos a certeza de ter um guerreiro da causa no paraíso. Nossa eterna gratidão ao santo testemunho de Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida.
Dourados (MS), 28 de agosto de 2006.
Egon Heck
Cimi Regional Mato Grosso do Sul