Semana Misionera: Construindo um novo horizonte
“Caminar, junto com los pueblos indígenas, hacia la ‘Tierra sin Mal’ como horizonte de plenitud de vida em comunidad, compartiendo y celebrando”; (Objetivo Geral do Plano de Pastoral Indígena – Conapi 2006)
Partilhar experiências e sonhos para ajudar na descolonização de nossas mentes, ações e corações. Buscar, a partir de outros modelos civilizatórios e das cosmovisões indígenas, elementos e fundamentos para construção de uma outra humanidade, com a sabedoria que passa pelo coração e pelo amor. Estas foram as propostas apresentadas pelo professor da Universidade Politécnica Salesiana de Quito, Patricio Guerrero, durante a assessoria feita para a 24ª Semana Misionera da Coordenação Nacional de Pastoral Indígena (Conapi) do Paraguai.
Coracionar – uma nova forma de ser
Patrício Guerrero, um guerreiro dos sonhos de um mundo novo e da sabedoria milenar deste continente, nascido no coração da América, o Equador, dividiu com os participantes da Semana Misionera preciosos momentos de sentir e pensar (sentirpensar) e também as bases de um projeto civilizatório que não privilegie o conhecimento racional em detrimento ou negação da sabedoria que dá sentido e luz à existência. Hoje é fundamental o diálogo dos seres e saberes, numa perspectiva insurgente contra todas as formas de dominação.
Em sintonia com o tema proposto pela Conapi para Semana “Cosmovisões Indígenas: uma alternativa ao modelo ocidental”, Guerrero mostrou como os povos indígenas do continente estão passando da luta pela sobrevivência para a insurgência e construção de novas propostas de sociedade a partir de suas sabedorias milenares, como sujeitos políticos e históricos, movidos pelos sonhos e utopias, pela alegria e ternura de seus jeitos de viver e lutar.
Patrício chamou atenção para a sabedoria do silêncio insurgente, para os jeitos indígenas de exercício do poder, para a construção de alternativas políticas e econômicas, como os projetos autônomos indígenas.
A dura realidade de Jukery
Irmã Mariblanca Varón, missionária entre os Guarani há mais de 30 anos, pede um momento de atenção, já no final do encontro. “Estou com o coração triste, pois acabamos de ser informados que a comunidade de Jukery, após 30 anos de luta pela terra (aproximadamente 2 mil hectares), acaba de desistir da luta, vendendo por uns trocados metade dessa terra a um cunhado de um ex-presidente da República.” Esse informe rápido, na hora do café, já no apagar das luzes do encontro, é um dos exemplos que mostram a brutal e desigual luta que enfrentam os povos indígenas. A pressão e o assédio permanente dos interesses econômicos e políticos levam a cooptações e derrotas em lutas históricas como a desse grupo Guarani. Apesar de não ser totalmente impossível reverter a situação em Jukery, ela é emblemática, pois revela o esquema perverso de expropriação e violação dos direitos dos povos indígenas no Paraguai e em todo continente Abya Yala (América)
Guarani – uma presença incômoda e esperançosa
No Paraguai se vive e respira Guarani. Essa presença cotidiana é permanente na língua (mais de 60% da população fala Guarani), na economia (a moeda é o Guarani), na história (com as reduções jesuíticas), nos meios de comunicação, na comida, nas igrejas, nas escolas…
Apesar disso o povo indígena Guarani (dos subgrupos Avá, Pay Tavyterã e Mbyá) está hoje reduzido a pouco menos de 50 mil pessoas e sobrevive em menos de 1% do território nacional, estando essas terras sob forte pressão dos latifundiários fazendeiros e do agronegócio, especialmente de grupos e empresas brasileiras como a Cragil. As terras dos Guarani vão sendo devastadas e transformadas rapidamente em pastagens ou plantações de soja. A falta de uma política governamental que garanta às comunidades condições de sobrevivência leva muitas delas a serem presas fáceis de inescrupulosos capitalistas, que vão se apropriando dos recursos naturais e das terras arrendadas ou compradas. Tudo isso se dá à revelia da Constituição e outras leis nacionais e internacionais que garantem o respeito aos territórios e modos de vida próprios dos povos indígenas.
Apesar de todos esses atropelos, violências e pressões, os Guarani continuam sua caminhada histórica, traçando novas estratégias para os enfrentamentos com os governos e estados nacionais dos cinco países do cone sul da América do Sul, exigindo seus direitos. Após a grande Assembléia Continental realizada em fevereiro deste ano em São Gabriel, no Rio Grande do Sul, estes povos têm buscado estabelecer mecanismos de união e apoio nas lutas pela recuperação e garantia de suas terras/território, como condição indispensável para viverem o seu “teko”, jeito de viver Guarani, e se reencontrarem nas suas terras, talvez não sem males, mas com menos males do que enfrentam atualmente. Esse novo e esperançoso momento de construção de união, força e solidariedade Guarani tem o apoio crescente de amigos e apoiadores de sua causa no mundo inteiro.
Nova Esperança, Paraguai, 5 de agosto de 2006