Carta de Vitória: Quatro estudos de identificação reafirmam a área como indígena
Nós, reunidos no Seminário “Os Direitos dos Povos Indígenas e o Avanço do Agronegócio: Questões e Desafios”, realizado no dia 1º de junho de 2006, na cidade de Vitória/ES, aproveitamos esse momento histórico para expressar os pontos fundamentais a respeito dos conflitos fundiários envolvendo índios Tupinikim e Guarani e a multinacional Aracruz Celulose, no município de Aracruz, ES; e as exigências de uma solução por parte do Governo Federal, instância da qual se espera, com grande expectativa, uma decisão definitiva sobre os referidos conflitos.
É importante lembrar que a Aracruz Celulose ocupa hoje no ES, cerca de 150 mil ha, dos quais 18.070 ha pertencem ao patrimônio da União e destinados à posse exclusiva e permanente dos povos indígenas Tupinikim e Guarani, como determina a Constituição Federal. Embora essas terras tenham sido identificadas pela Funai, a conivência do governo brasileiro, desde 1967, tem sido fundamental para garantir a continuidade dessa invasão. Apenas 7.061 ha foram recuperados pelos índios, após muita luta e sofrimento. Os 11.009 ha restantes encontram-se ainda ocupados pela empresa, aguardando a Portaria de Delimitação pelo atual ministro da Justiça, desde maio/2005.
Sendo assim, a solução do conflito está nas mãos do ministro da Justiça. Todos os estudos técnicos para dirimir a questão dos direitos às terras em disputa já foram produzidos e seus resultados são por demais conhecidos. Por isso, não há lugar para dúvidas, pelo menos do ponto de vista técnico. Na última década foram produzidos quatro estudos de identificação da área indígena, pelos grupos de especialistas da Funai, cujos resultados constataram e reafirmaram que as terras em disputa são tradicionalmente ocupadas pelos povos Tupinikim e Guarani. Mais, os estudos técnicos da Funai concluíram que aquelas terras são fundamentais para a sobrevivência física e cultural dos indígenas.
Assim, a questão passou agora para o complicado campo das definições políticas, no qual cabe ao governo decidir por uma posição, pressionado por todos os interesses em jogo. Sabemos que durante todas essas décadas de apropriação de privilégios junto ao governo Federal, desde o período da ditadura militar, a Aracruz Celulose tornou-se um grupo econômico muito poderoso, com capacidade de influir nas mais variadas esferas de decisão da República.
Por isso mesmo, advertindo sobre as arbitrariedades que se acumularam e as perversas conseqüências sobre as comunidades indígenas do ES, exigimos que desta vez os direitos humanos indígenas sejam privilegiados sobre os interesses meramente econômicos da multinacional do eucalipto.
É necessário alertar que esta associação entre os interesses privados e a esfera pública, tão usual em nossa história republicana, é o maior poder de pressão que a empresa possui. Indo de encontro à própria legislação brasileira, a Aracruz Celulose tenta desqualificar a via administrativa e forçar que a resolução se dê através da Justiça. Devemos nos opor a esta medida e denunciá-la como um desrespeito à legislação brasileira, pois o decreto 1775/96 dispõe sobre os procedimentos administrativos de demarcação das terras indígenas. Além disso, fica claro que a intenção da empresa é apostar na lentidão da justiça e nas brechas jurídicas que têm favorecido o poder econômico e financeiro. Enquanto isso, poderá continuar lucrando com o plantio de eucalipto nas terras indígenas.
Por fim, posicionados na trincheira dos direitos indígenas, exigimos que o governo brasileiro pague a dívida social com os Tupinikim e Guarani; e que obedeça os artigos 231 e 232 da Constituição Federal e a Convenção 169 da OIT, da qual é signatário. Que a Funai emita um parecer bem fundamentado sobre as contestações a serem oferecidas pela Aracruz Celulose e num prazo de até 30 dias. Que o ministro da Justiça assine a Portaria de Delimitação no prazo estabelecido de 30 dias, sem solicitar novos estudos.
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