Informe n° 717: Relatório mostra aumento de mortes, genocídio no MS e perigo de genocídio de povos isolados
– Relatório mostra aumento de mortes, genocídio no MS e perigo de genocídio de povos isolados
– Direitos indígenas são tema da X Conferência Nacional de Direitos Humanos
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Relatório mostra aumento de mortes, genocídio no MS e perigo de genocídio de povos isolados
A extrema exclusão social e ausência de uma ação governamental que proteja efetivamente os direitos dos povos indígenas podem ser apontadas como causas das violências sofridas por estes povos. Os casos relatados no relatório A Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, lançado pelo Cimi na terça-feira, 31, mostram, inclusive, que há uma situação de genocídio no Mato Grosso do Sul.
Entre 2003 e 2005, três anos analisados pela publicação, verificou-se aumento do número de mortes, de tentativas de assassinatos, de ameaças de morte, de lesões corporais, de violências sexuais e de invasões de terras.
A média dos assassinatos de indígena dobrou nos últimos dos últimos três anos. Passou de 20 por ano entre 1995 e 2002 para 40, entre 2003 e 2005. Segundo Saulo Feitosa, vice-presidente do Cimi, o aumento do número de mortes está diretamente ligado à paralisação nas demarcações das terras indígenas. Quanto menos terras são demarcadas, mais indígenas morrem.
Nos últimos três anos, também foi alterado o perfil dos responsáveis pelas mortes. Voltaram a ocorrer assassinatos encomendados e, por outro lado, diminuíram os casos em que o agressor é Poder Público.
No lançamento do relatório, Feitosa explicou que aumento do número de assassinatos também ocorreu por que, nos últimos anos, o Cimi passou a contabilizar melhor os dados dos assassinatos no Mato Grosso do Sul. Neste estado, acontece a maioria dos assassinatos. As vítimas indígenas de assassinatos em todo o Brasil foram 42 em 2003, e 13 delas viviam no MS. Em 2004, dos 37 assassinatos registrados o MS concentrou 18 e, em 2005, o estado concentrou 29 vítimas entre as houve 43 pessoas assassinadas.
Muitas vezes, os problemas de violência não se referem apenas aos indivíduos indígenas, mas a povos inteiros. As tentativas de assassinato em 2003 atingiram 21 indivíduos e 2 comunidades. Em 2004, foram 38 casos de tentativas, destinadas a 51 indivíduos, além de crianças do povo Katukina, do Acre.
Genocídio no Mato Grosso do Sul
“Os dados do relatório mostram que a situação dos Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, pode ser caracterizada como genocídio”, afirmou Lúcia Rangel, professora de Antropologia da PUC-SP e organizadora do Relatório. O estado concentra os casos de violações dos direitos, seja em ameaças de mortes, atropelamentos, assassinatos ou conflitos por terras.
A ausência de terra é a causa da maioria das situações. Entre elas está, por exemplo, o crescimento da desnutrição. Lúcia Rangel também explica que a superlotação gera um clima de tensão nas aldeias: “Não há como plantar, então começam algumas disputas internas. Aumenta o consumo de álcool, o que é causa de muitos atropelamentos. O número de suicídios cresce”.
Por outro lado, ela lembra que o povo Guarani resiste fortemente a esta situação. O avanço do agronegócio, uma das principais razões da diminuição das terras onde os indígenas costumavam viver, não é visto por eles como um fato consumado, irreversível. “Eles têm uma religiosidade e uma relação com as crianças muito fortes. A relação com o tempo também é diferente, portanto para eles esta é uma situação que pode mudar”, explica a professora.
Dos povos isolados, 17 correm risco de morte
Os indígenas do povo Tenharim, no Amazonas, sempre falam sobre a existência de índios isolados na região onde vivem. Comentam que encontram vestígios quando coletam castanha e que a ameaça à vida do grupo vem dos plantadores de soja, que estão se apropriando das terras de campos naturais da região. O órgão responsável pela demarcação de terras, a Fundação Nacional do Índio, ainda não tomou providências para demarcar qualquer terra que possa garantir a sobrevivência deste povo isolado, que vive na região de Humaitá e Manicoré (AM). Os dados apresentados no relatório apontam pelo menos 60 povos sem contato, dos quais 17 estão na iminência de extinção devido a práticas de genocídio que se reproduzem até os dias atuais.
O aumento da ameaça nos últimos anos vem da expansão da fronteira agrícola brasileira, que recentemente chegou à Amazônia. “A prática secular de ignorar a presença dos povos indígenas nos processos de colonização do território mantém-se, enquanto o cenário desenvolvimentista, extrativista e privatista avança, alcançando agora as terras amazônicas”, explica Guenter Loebens, missionário do Cimi que atua em Manaus. “A estratégia é acabar com todo e qualquer vestígio de presença indígena para inviabilizar a demarcação das terras, liberando-as para a apropriação privada, exploração dos recursos naturais, a pecuária e o agronegócio”, conclui o relatório.
Crianças são vítimas constantes
Quando fazendeiros destruíram e atearam fogo em três aldeias inteiras, em Raposa Serra do Sol, Roraima, em 2005, atingiram também as crianças que ali viviam. Em 2004, entre os casos de tentativas de assassinato apresentados no relatório, figuram crianças do povo Katukina, no Acre, que foram ameaçados enquanto voltavam, acompanhadas dos pais, da cidade para a aldeia, com dinheiro de aposentadoria, gasolina e mantimentos. Em 2003, no Mato Grosso do Sul, na noite em que o cacique Marcos Verón foi assassinado, seu sobrinho de 14 anos foi ferido por tiros.
Em 2005, entre as 51 vítimas de tentativas de assassinato no Mato Grosso do Sul, 10 eram crianças ou adolescentes. Em 2004, 7 das 18 vítimas de assassinato naquele estado tinham menos de 18 anos. As crianças figuram também em casos já conhecidos de desnutrição, falta de estrutura nas escolas, desrespeito ao direito de serem alfabetizadas em seu idioma materno e de violência sexual.
Direitos indígenas são tema da X Conferência Nacional de Direitos Humanos
A décima Conferência Nacional de Direitos Humanos, que ocorre até esta sexta-feira, em Brasília, tem o direito dos povos indígenas como um dos oito principais temas debatidos pelos participantes, membros de entidades ligadas a direitos humanos em todo o país. Enquanto o país não resolve a exclusão, a falta de garantia ao atendimento à saúde, à educação, à moradia, à terra, à vida, à segurança individual e coletiva, grupos sociais diferentes seguem enfrentando problemas parecidos. Militantes do movimento indígena e camponeses são criminalizados pelo fato de reivindicarem seus direitos à terra, à vida ou à alimentação adequada, lembrou o economista João Pedro Stédile, do MST, no debate de abertura da Conferência, na noite de ontem, 31 de maio.
Um problema comum sobretudo aos afro-descendentes e aos indígenas é a discriminação racial e étnica, que parte inclusive de funcionários do Estado brasileiro. Foram 62 as ocorrências de racismo e discriminações étnico-culturais contra indígenas registradas entre janeiro de 2003 e agosto de 2005, citadas no relatório “A Violência Contra Povos Indígenas no Brasil”, lançado pelo Cimi nesta semana e apresentado às entidades da sociedade civil durante a Conferência. Do total de casos, 36 tiveram como autores agentes do poder público, entre eles funcionários da Funai, professores, membros das forças policiais ou do exército, vereadores e senadores. Entre estes, 11 têm autoria de funcionários do sistema público de atendimento à saúde.
“Se o governo Federal conseguisse inserir o debate de raça e gênero na formação de seus agentes, já teríamos uma revolução”, afirmou Caio Varela, do Instituto de Estudo Socioeconômicos (Inesc), durante o painel sobe Política Nacional de Direitos Humanos que ocorreu na manhã de hoje, quinta-feira. Uma das características fundamentais dos direitos humanos é o fato de que um depende do outro para que seja garantidos. Assim, o direito à saúde depende da educação, e vice-versa.
De acordo com Varela, o Plano Nacional de Educação e Direitos Humanos existe desde 2003, mas ainda não há recursos ou ações efetivas para a educação em direitos humanos, o que faz com que as populações continuem afetadas pelo problema. “Há mais avanços nas intenções do que nas ações”, criticou.
O problema da falta de recursos para ações sociais é tema central da Conferência deste ano, que enfoca a relação entre a economia do país e os direitos humanos: os programas sociais, essenciais para a efetivação dos direitos, têm sua implementação constantemente prejudicada pelas restrições orçamentárias, agravadas pela manutenção de uma política econômica que privilegia o pagamento de juros, em detrimento dos investimentos no país.
De acordo com a organização da Conferência, as propostas definidas no encontro serão apresentadas aos candidatos à presidência da República, que vão ser convidados a assumir compromissos com a Plataforma dos Direitos Humanos.