O que está em jogo no megaprojeto do Madeira
Os grandes projetos de infra-estrutura tem o poder de consolidar determinadas trajetórias de desenvolvimento, por isso, todos temos o direito de aprová-los, de condicioná-los ou de vetá-los. O espaço será o que a infra-estrutura permitir que seja. Então seremos o que permitirmos. Complexos energéticos e viários servem para densificar ou para simplificar territórios. Qual é a escolha, quem escolhe?
Energia, água, transportes e telecomunicações para que, para quem e de que forma, deveriam ser as questões balizadoras do planejamento da infra-estrutura no país. No entanto, os critérios determinantes tem sido taxas de retorno compensadoras e o uso competitivo dos equipamentos. O resultado: infra-estrutura como negócio em prol dos negócios, estruturando cadeias de comércio intra-firma no lugar de mercados internos. O projeto das transnacionais e conglomerados financeiros é aumentar o fluxo de produtos e componentes que circulam nos níveis elementares e intermediários da cadeia de valor. Quanto mais fácil deslocalizar e relocalizar a produção e o fornecimento, mais discricionário será o poder dos investimentos.
Na ausência de políticas econômicas e setoriais ativas, tem prevalecido a lógica do leilão de oportunidades de negócio, a lógica da oferta de plataformas de produção de commodities com baixos custos operacionais, aos capitais monopolistas internacionais e nativos. Os grandes projetos tem servido para reestruturar o território em marcos privados e transnacionais, desfigurando meio ambiente, economias locais e saberes tradicionais. Não queremos uma democracia que se restrinja a executar medidas compensatórias e mitigadoras, depois de estabelecidas as decisões últimas de mercado. Na construção de duas gigantescas Hidroelétricas no Rio Madeira, uma meia Itaipu no maior afluente do Rio Amazonas, estão em jogo as linhas mestras que irão prevalecer no desenvolvimento futuro do país e do continente.
Em primeiro lugar é a feição da Amazônia que está em jogo. Sem projeto nacional para impor contornos ao poder irradiador dos mercados, sem prioridades sociais, ambientais e intergeracionais claramente identificadas, a região ingressará desguarnecida no novo estágio de internacionalização que se avizinha. A região vai servir de trampolim para um “salto elétrico”, ao dispor do setor privado, ainda que sob impulso da Eletrobrás. De fronteira agrícola a “fronteira elétrica”, a Amazônia vai retroalimentando sua destruição. O Plano Decenal de Expansão de Energia Elétrica (2006-2015) já definiu que o caminho previsto para a expansão é o aproveitamento máximo do potencial hidroelétrico da Bacia Amazônica, a começar pelo Complexo do Madeira. A construção de Santo Antonio (3,15 mil MW) e Jirau (3,3 mil MW) consolidaria o perfil de um modelo voltado para a disponibilização de “excedentes” para atrair segmentos industriais que fazem uso intensivo de energia, como os da cadeia do alumínio, por exemplo. Uma reedição da desastrosa política de incentivos para a ocupação da Amazônia , incentivos agora de ordem infra-estrutural com impactos muito menos reversíveis.
O Banco Interamericano de Desenvolvimento(BID) e parte considerável das elites nacionais compartilham a mesma visão acerca da Amazônia: um “obstáculo ao desenvolvimento”.O BID também se refere à região como um “celeiro de projetos de infra-estrutura paralisados”, como revela documento recente da Instituição. Percebam que na Amazônia, o cobiçado, já está pago e encomendado . Não casualmente a Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul Americana(IIRSA), financiada majoritariamente pelo BID com participação do BNDES, dedica três de seus dez “eixos de integração” ao objetivo de destravar os fluxos econômicos globais que querem atravessar a Amazônia para incorporar riqueza e poder.
O projeto nucleador do “Eixo Peru-Brasil-Bolívia” é o Complexo Hidroelétrico e Hidroviário do Madeira, que, nos planos do BID, contaria com duas usinas brasileiras, uma usina binacional e outra boliviana. Além disso, um sistema de eclusas tornaria navegável grande parte da extensão do Rio Madeira, configurando um corredor fluvial e intermodal transoceânico. O agronegócio se considera merecedor de toda essa atenção. A IIRSA nada mais é do que um processo de agendamento de paises, meios e povos ao cronograma dos grandes investidores privados. Mais que um conjunto completo de obras de infra-estrutura, o que ela oferece são paradigmas, metodologias e medidas de regulamentação setorial transnacional, que tem por meta viabilizar o controle oligopólico do território a longo prazo.
A exigência de flexibilização das regulamentações ambientais e o requerimento de que licenças prévias se subordinem ao timing dos investidores privados denotam a falta que faz o planejamento público do setor de infra-estrutura. A esquizofrênica competitividade ditada de fora para dentro só consegue ver o país como entrave, como custo. “Gargalo” é o problema segundo a ótica dos que se dedicam a escoar riquezas. Se formos reduzir o “custo-país” aumentando o passivo social e ambiental, historicamente acumulado, seremos tão somente o país que baratearmos
Luis Fernando Novoa
Membro da ATTAC,da REBRIP e do GT Integração