27/04/2006

V Encontro Latino Americano de Teologia Índia

A todas as comunidades indígenas


a todas as nações e governos do mundo


a todas as Igrejas


do coração da maloca da Amazônia


anunciamos que


a força dos pequenos é vida do mundo


 


Como os córregos e mananciais que se encontram no grande rio Amazonas, assim também nós, povos que nascemos nos quatro ventos, viemos unir nossos corações e nossas palavras às margens deste rio sagrado.


 


Convocados pelo Criador das águas e das florestas, o Deus Grande Pai e Mãe, o Deus de quatrocentos nomes, Tupâ, Tuminkier, Koamakë, Tamacco, Kohamacu, Elchen, (Ngenechen) Tuminkary, Nguluvi, Nyasaye, Mungu, Kanobo, Paapa, Karagabi, Tupo, Katata, Acha Diosï, Tata Kuerajpiri, Trindade, Tupana, Ñande ru, Metion, Wanadi, Ngai, Nungungulu, Palob, Encânticos da mata e do mar, Ngai, Nana-Tata, Kaa’ti, Pachacamac, Apunchic, Ajaw, Qatata’ Qate’, Sabaseba, Onoruame, Yumtsil, Jmanojel, Waxacamen, Paba, Nana, Zalita, Qart’a, Tata Fitsocoyich, Dsara, Ndiose, Kinpaxkatsikan, Kinpuchinakan, Teótzin, Ometeótzin, Tonántzin, Totátzin, Pacha-Camac, Pachamama, Tata, Apunchiy, Viya, Jeiñ, Het, Maimuná, Wirak’ocha, Tata Viya, Moxeno, Ngurá, Mañusi, Omama, Karosakaybu, Tupagâ, Bôdje, Kaa’t, Viya, Jeiñ, Mejión, Akoré, Ngöbö, Nun Run, Bôdjé Dev, Eidjadwlha’, Bhagvan,, Ye’paô’âktht, Co’amact, Ishwak, Jangoiko, Aijimarihi, Yumahi, T^sorá, Wainikaxiri, Ko Mam, N’diose, Ajuä, Pita’o, Achillik, Kausayuk viemos participar do V Encontro Latino Americano de Teologia Índia, em Manaus.


 


O Brasil nos recebeu com imensa ternura, com palavras floridas e danças incentivadas por maracás, flautas, violões e corações dispostos a partilhar esperanças e sonhos de um outro mundo possível, onde a força dos pequenos é alternativa de vida.


 


Desde os primeiros momentos, saboreamos as riquezas culturais de nossos povos que manifestam a grande sabedoria e o imenso amor de nossa Mãe e de nosso Pai geradores de vida. Sabedoria simbolizada pelo fogo, por sementes e frutos, bebida, incenso e orações.


 


Jesus Cristo ressuscitado fez-se presente nesse encontro, fortificando a luta dos povos e dando sentido à morte de nossos mártires. No mais íntimo de nós mesmos, escutamos o quanto a vida triunfa sobre a morte. O testemunho de uma mulher indígena nos ensinou que não se morre jamais quando se morre lutando pela vida. Nossos mártires não são enterrados, eles são plantados para que nasçam novos guerreiros. A experiência de nossos mortos fortalece o coração de nossos povos. Vivemos e queremos continuar vivendo e por isso oferecemos nossa própria vida.


 


Trouxe-nos grande alegria e esperança a palavra de irmãos e irmãs que caminham conosco nessa experiência teológica quando afirmaram que a Luz, dom do Espírito da Terra e da Água já se encontrava em todos os povos indígenas, em todas as culturas e religiões e que, nenhuma delas é superior às outras porque cada uma tem em suas mãos uma fagulha do Fogo divino.


 


Mas escutamos com dor e preocupação que foi freado o processo que permitia a nossos irmãos indígenas receberem o diaconato na Diocese de S. Cristóvão de las Casas e que também se impuseram  medidas disciplinares a irmãos indígenas, teólogos, do México. Pedimos ao Espírito que abra os corações e as mentes daqueles que nos conduzem à autêntica universalidade, para que, como em Pentecostes, nossa assembléia cristã manifeste todos os rostos e todas as línguas do mundo.


 


Constatamos que nossos mitos, nossos ritos e experiências históricas são, para nós, expressão do sagrado. As orações e danças desses dias nos convidaram a uma contínua purificação dos males e das pragas que o sistema neoliberal nos impôs. A maioria dessas pragas vem de fora, embora, infelizmente, também as produzimos entre nós: divisões, perda de identidade, abandono de nossas terras, violência intrafamiliar…


 


Nós, os participantes desse Encontro, queremos denunciar que a praga que mais ameaça esse momento da História é aquela que a Amazônia sofre em seu imenso manancial aquático, na riqueza de sua biodiversidade, em seus povos e culturas milenares, pela cobiça dos poderosos que pretendem apossar-se desse eco-sistema imprescindível para a vida de todos os seres da terra. Frente ao sistema neoliberal avassalador e destrutivo, queremos então oferecer a todos os povos do mundo, como alternativa, a sabedoria com que cultivamos nossa terra e cuidamos da natureza. O mundo de hoje necessita do saber tradicional que nos cura e da força espiritual que nos impele adiante na construção da História.


 


Convocamos a todos os povos indígenas a continuar sendo os defensores dos mares e dos rios, dos peixes e das aves, das sementes e dos frutos, das árvores e dos animais, dos rios e das montanhas, das matas e do cerrado, porque o Coração do Céu e o Coração da Terra nos introduziram na História para oferecermos ao mundo alegria e plenitude, ao invés de maltratá-lo e destruí-lo.


 


E convocamos também a continuar lutando e exigindo dos governos, da sociedade e das Igrejas respeito e apoio pelos direitos indígenas.


 


A partir da palavra milenar de nossos antepassados, percebemos nossa pequenez e tomamos consciência de que, sozinhos e isolados não podemos enfrentar as ameaças do sistema de morte. Guardamos no coração essa lição que aprendemos das experiências históricas e dos relatos de mitos em que  os animais mais pequeninos como formigas e rãs são os vencedores do mal.


 


Quando nossos irmãos e irmãs indígenas de Manaus nos convidaram para visitar as águas sagradas do Amazonas, lugar onde se juntam as águas brancas e as águas negras, aprendemos que é possível a união dos diferentes em uma única caudal geradora de vida para a humanidade e de fertilidade para o mundo.


 


Ao longo desses dias surgiram diversos desafios: defender a vida de tantos de nossos irmãos e irmãs indígenas ameaçados, propiciar um autêntico diálogo entre índios e instituições nacionais e eclesiais, comprometer-nos profeticamente como missionários e missionárias para que, longe de impormos uma ideologia, testemunhemos e anunciemos o Evangelho de Jesus.


 


Em profunda contemplação, constatamos que a força dos pequenos está em sua união e organização, em suas assembléias e consensos comunitários, no saber complementar-se, na responsabilidade e no serviço, no abrir seus corações para somar com outros e multiplicar sonhos e utopias. Essa força está na identidade e cosmovisão próprias, na ética e na autenticidade de sua palavra.


 


Força que vem de seu vínculo com a Terra e com a Água, de sua profunda solidariedade, de seu parentesco com toda a criação e da fraternidade que os une a todos os povos.


 


Sua força está na dança e na festa, na espiritualidade que os vincula com Deus Pai e Mãe da vida.


 


Ao terminar esse Encontro, queremos manifestar nossa gratidão a todos aqueles que se solidarizam com as causas indígenas e com elas se comprometem até as últimas conseqüências em cada um dos países da América Latina: o levante de Chiapas, no México, o Movimento Indígena do Equador, o empoderamento indígena de Bolívia, as luta  por demarcação da terra no Brasil, o reconhecimento constitucional no Paraguai.


 


E, somos especialmente agradecidos àqueles e àquelas que, como Jesus, estão conosco no dia-a-dia, nos momentos de dor ou de festa, no plantio e na colheita, nos altos e baixos da vida, a todos os que trabalham e sonham conosco, a todos e todas que, por nós, são capazes de morrer e que, em nós, ressuscitam.


 


Ao final desses dias, em volta do fogo e da comida que nos unem, assumimos o compromisso de continuar a construir juntos nossa História, defender nossos territórios tradicionais, fortalecer nossas culturas e religiões, solidarizar-nos com as lutas políticas de nossos povos e prosseguir incentivando o surgimento de Igrejas autóctones.


 


Da grande maloca indígena da Amazônia, em Manaus, Brasil


 


26 de abril de 2006.


 

Fonte: Cimi
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