Informe nº 712: Em depoimento, indígenas acusados da morte de policiais dizem que foram obrigados a assinar depoimento na Polícia Civil
Na tarde de quarta-feira, 26 de abril, foi realizado o depoimento de três dos nove indígenas acusados pela morte de dois policiais civis em Porto Cambira, no interior do Mato Grosso do Sul, em 1º de abril deste ano. A juíza da 1ª Vara Criminal de Dourados, Dileta Terezinha Thomaz de Souza, ouviu Ezequiel Valensuela, Jair Aquino e Lindomar de Oliveira. O cacique Carlito de Oliveira que, segundo o inquérito policial, é acusado de ser o chefe dos assassinatos, preferiu não falar. “Ele preferiu exercer o direito constitucional de permanecer calado”, explicou a juíza a um jornal do Mato Grosso do Sul.
O caso está sob responsabilidade da Justiça Estadual, após a conclusão do inquérito realizado pela Polícia Civil, que levou à denúncia de nove indígenas.
A defesa dos acusados solicitou que o caso fosse transferido para a Justiça Federal, mas o pedido foi negado pela juíza com o argumento de que não há disputa sobre direitos indígenas. Os argumentos a favor da tramitação do caso na Justiça Federal, no entanto, baseiam-se no fato de o caso ter ocorrido devido à entrada da polícia no acampamento onde vivem os indígenas. Ainda cabe recurso à decisão da juíza.
O interrogatório dos outros cinco indígenas foi transferido, a pedido dos advogados de defesa, para o dia 2 de junho.
Violência
Os três interrogados negaram a participação do cacique Carlito na briga que levou às mortes, e apresentaram versões diferentes da divulgada pela polícia sobre o contexto e motivação dos assassinatos. Os indígenas afirmaram que os policiais passaram pelo acampamento atirando e que, até o momento em que abordaram o carro, imaginavam tratar-se de seguranças das fazendas próximas, que costumam andar pela região.
Esta versão faz parte da transcrição do depoimento do indígena Ezequiel Valensuela, à qual a assessoria jurídica do Cimi teve acesso, “no dia e horário dos fatos os policiais passaram no acampamento Passo do Piraju (…), dando tiros e foram até a fazenda do Japonês e quando voltaram os policiais foram abordados para perguntar porque eles haviam efetuado disparos quando passaram; que no momento em que os policiais voltavam foram abordados e um policial efetuou um disparo com uma espingarda calibre doze que atingiu a perna de outro policial; que os índios não sabiam que se tratava de policiais, e acharam que fossem pessoas ligadas aos fazendeiros; que o líder do acampamento Carlito não comandou a ação que culminou com a morte dos policiais mas quando os policiais passaram atirando os indígenas saíram para a estrada para ver o que estava acontecendo e então aguardaram a volta dos policiais para aborda-los, mas tem certeza que Carlito não participou”.
De acordo com a transcrição do interrogatório, o acusado Lindomar Brites de Oliveira afirmou que chegou no local dos fatos tudo já tinha acontecido e negou o conteúdo do interrogatório prestado a Polícia Civil, no dia 02 de abril. Segundo a transcrição: “que o interrogando somente ratificou o interrogatório prestado em 02 de abril de 2006, porque a apesar da presença do procurador federal Otavio Cavalcante a Delegada disse que se o interrogando alterasse uma palavra em seu depoimento ela iria mandar espancar e como o interrogando já tivesse sido espancado na delegacia, ficou com medo e confirmou o seu depoimento; (…) que o interrogando foi espancado quando foi preso mas não sabe se os outros índios presos foram”.
A fala sobre o espancamento esteve presente também no depoimento dos outros acusados. Jair Aquino Fernandes afirmou que “no momento em que foi re-interrogando na presença do procurador federal Dr. Otavio Cavalcante, tentou explicar para este que muitas coisas que constou (sic) no seu interrogatório perante a autoridade policial não eram verdadeiros (sic) mas a delegada que presidia o ato disse que o interrogando precisava confirmar o seu interrogatório e como o interrogando já tivesse apanhado bastante ficou com medo e limitou-se a ratificar o termo de interrogatório”. Consta ainda na transcrição do depoimento que “foram presos juntos o interrogando, Sandra e Valmir, e todos os três foram espancados pela polícia e no dia seguinte foram presos Lindomar Marcio e Paulino, que também apanharam da polícia”.
Despejo
Cerca de 200 indígenas do povo Guarani-Kaiowá voltaram, há três anos, a acampar na região de Porto Cambira, em local chamado por eles de Passo Piraju. Na quarta-feira, 26, a juíza federal Kátia Cilene Balugar Firmino, da 2ª Vara Federal de Dourados, concedeu prazo de cinco dias úteis para que a Funai indique local para levar os indígenas após o despejo, que poderá ocorrer a partir de 11 de maio, segundo determinação da Justiça Federal de 11 de abril. Os indígenas acampados tinham, até esta decisão, um mandado de segurança que autorizava sua permanência na terra até que o estudo antropológico para identificação da terra fosse providenciado pela Funai.
Povo Apinajé detém três funcionários da Funai para exigir segurança em veículos e fiscalização das terras
Para pressionar a Funai pelo atendimento de compromissos já firmados, como a manutenção do caminhão usado para o transporte dos indígenas, a fiscalização das terras para evitar a devastação e a implantação de projetos para a sustentação dos indígenas, os 13 caciques do povo Apinajé detiveram, nesta quarta-feira, 26, o administrador regional da Funai, João Batista dos Santos, o chefe de posto, Raimundo Garcia, e o técnico agrícola Airton, conhecido como Mineirinho.
“Há muito tempo tem reunião na aldeia São José. O administrador veio e prometeu que ia mandar carro para o transporte das pessoas. Temos um caminhão sem freio e dois tratores parados. O administrador disse que tinha verba para arrumar os carros desde 2004, mas nunca arrumaram. Ele passou meses sem vir aqui e agora voltou. Agora, ele tem que negociar essas”, justifica uma das lideranças deste povo que vive no centro-oeste do Brasil, estado do Tocantins. Segundo a liderança, o caminhão é utilizado para transporte dos indígenas – em geral pessoas que vão à cidade para o comércio e aposentados que vão receber suas pensões – até Tocantinópolis, cidade a cerca de 20 km da aldeia. A precariedade nos veículos que transportam os indígenas é realidade em diversos locais e causou a morte de seis pessoas em Rondônia, em janeiro de 2006.
Os indígenas têm informação de que havia recursos para consertar o trator da comunidade, mas os reparos nunca foram realizados.
“A Funai prometeu roças, cercas de arame, mas no final sempre dizem que falta verba”, conta uma das lideranças, que relata também que a terra tem sido invadida por caçadores, pescadores e madeireiros, e que a Funai não realiza a fiscalização. “Para parar a extração de madeira tem que ter gente para fiscalização constante e tem que ter um carro”, afirma.
Segundo informações dos Apinajé, a administração regional da Funai em Araguaina entrou em contato com as lideranças através do telefone da aldeia, mas eles solicitam a presença da direção do órgão na terra Apinajé para as negociações.
Brasília, 27 de abril de 2006.
Cimi – Conselho Indigenista Missionário