13/04/2006

Por que marcham as gentes?

Elaine Tavares


 


A marcha é uma ação tão antiga quanto o mundo. É uma forma pacífica das gentes oprimidas dizerem não ao que lhes suga a vida. Foi assim com os hebreus, saindo da escravidão do Egito. Foi assim na Índia, o povo com Ghandi, caminhando para a liberdade. Tem sido assim na Europa, nos Estados Unidos, em todos os cantos da América Latina, nas lutas por soberania, dignidade e paz. Andando pelas estradas, pelas ruas, nas cidades, o povo organizado busca o auxílio deste gesto poético. A marcha é um símbolo de paz, de negação da morte.


 


Pois é com isso em mente que na semana do dia 17 de abril, seguindo orientação da Assembléia Nacional Popular, os movimentos sociais do Brasil estarão em marcha. Em todos os estado e em todas as capitais. Colunas de gente assomarão nas estradas pedindo Reforma Agrária, a valorização do salário mínimo e o direito ao trabalho. Marcha de paz, marcha de protesto pacífico. Marcha de libertação. Caminharão juntos os trabalhadores da cidade, os camponeses, os índios e todos aqueles que ainda estão excluídos da vida digna.


 


A Reforma Agrária


 


O dia 17 de abril marca um triste episódio nacional: o massacre de Eldorado dos Carajás, no qual 19 camponeses foram mortos pela polícia porque estavam em luta pela terra, pelo direito de plantar e produzir a comida que abastece a mesa de toda a nação. Hoje, no Brasil, mais de 150 mil famílias vivem em acampamentos, lutando pela reforma agrária, tão esperada e nunca cumprida. Até agora, os governos que se sucederam no país nada fizeram pelos camponeses, nem mesmo Lula, que teve o voto de grande parte dos perdidos da história. Não se colocou à altura da sua responsabilidade histórica. Nada fez, nada faz. Tudo é para o agro-negócio, até o ministro da agricultura é empresário rural. Quem é rico fica mais rico. Quem é pobre passa por vilão. As vítimas do sistema – quando se rebelam em desespero – são mostradas na TV como bandidos e criminosos, enquanto os empresários choram e inspiram piedade. Num jogo de espelhos invertidos, são os ricos que aparecem como vítimas dos “loucos marginais”.


 


Os trabalhadores da cidade, os camponeses, os povos originários em luta, juntos, querem a Reforma Agrária já. Querem que o Estado brasileiro deixe de ser um instrumento servil do capital e passe a cuidar do bem público, da maioria, dos pobres. Querem um governo que assuma a construção de um novo modelo que dê prioridade à vida das gentes e não a meia dúzia de poderosos. Se a terra for repartida e a comida brotar, campo e cidade vão viver melhor.


 


Valorização do salário mínimo


 


Dinheiro para o trabalhador não tem. É o que diz o Estado brasileiro nas intermináveis desculpas que usa para manter o salário de fome daqueles que trabalham. Mas, por outro lado, a cada ano saem dos cofres nacionais mais de 150 bilhões de reais para pagamento de juros de uma dívida que, como já mostrou o historiador argentino Alejandro Olmos Gaona, é odiosa e ilegal. Dinheiro que não é usado em políticas sociais e sim para engordar a conta dos banqueiros, dos grandes empresários multinacionais. Todo esse dinheiro vaza como se fosse o sangue do povo, escorrendo sem parar. Por isso não há recursos para a saúde, educação, moradia, trabalho. Por isso a violência campeia nas cidades e no campo ceifando a vida de milhares de pessoas. O que é nosso vai embora. Os trabalhadores e camponeses em marcha querem que isso pare. Querem um tempo de justiça. Que o dinheiro que viceja aqui, seja investido aqui, nas gentes, na vida. Que o Estado pare de dar para os ricos o que tira dos pobres. Isso não é justo! É preciso estancar a sangria que engorda os lucros dos bancos (mais de 18 bilhões no último ano), dos grandes empresários e do grande capital.


 


Direito ao trabalho


 


O povo em marcha não quer apenas emprego. Um lugar onde ser explorado e sangrado, sem prazer e sem alegria. Não! O povo em marcha quer ter direito ao trabalho que é criador, que reproduz a vida e não a morte, que é realização, felicidade. Não basta pedir emprego, espaço de alienação e exploração. Isso não é vida, é escravidão do capital. Se os ricos e a burguesia podem trabalhar e ter tempo livre, prazer, por que não todo mundo? Essa é a pergunta que não se cala. Os caminhantes querem não só o acesso ao salário digno, mas também a uma forma de trabalho que permita a construção de um novo tempo em que todos tenham o direito à dignidade e à vida plena. Isso é coisa que, acreditam, podem construir em comunhão.


 


A proposta concreta


 


Esta marcha que vai acontecer no dia 17 de abril não é só uma caminhada simbólica de desejos abstratos de paz. Ela é proposta, ação concreta, tem direção. Ela anuncia um outro modelo de desenvolvimento nacional, baseado no trabalho criador, na labuta prazerosa, na não-exploração. Ela anuncia o tempo em que todas as gentes poderão ter direito à vida, à natureza protegida, a um modelo de vivência que não seja predatório e predador. Ela profetiza um país em que as riquezas são repartidas entre os seus e não desviadas para o estrangeiro, para banqueiros e grandes capitalistas. A caminhada das vítimas do sistema é para chamar a atenção de quem está vivendo na opulência. A mesa farta é direito de todos e não só de alguns. A marcha do povo anuncia que, nas entranhas do país, as gentes estão vivas e se movem em luta. Quem está parado, perdido, alienado, que desperte e participe. Nesta coluna ninguém é bandido. São as vítimas, mas não estão mortas. A vida pulsa e as gentes caminham na direção de tudo o que sonham e precisam realizar!!!


 


Em Santa Catarina a caminhada começa no dia 17 no município litorâneo de Itajaí e deve chegar à capital, Florianópolis, no dia 20, quando será realizado um grande ato público. Durante todos esses dias os caminhantes farão palestras nas escolas, conversarão com as pessoas nas ruas e repartirão os desejos de vida plena.


 


– Elaine Tavares – jornalista no OLA/UFSC. O OLA é um projeto de análise e observação das lutas populares na América Latina. www.ola.cse.ufsc.br


 


 

Fonte: ALAI
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