24/03/2006

Nhanderu Marangatu: cem dias de beira de estrada, sem decisão, sem nada!

Léia liga com voz preocupada. “Acabei de receber carta da comunidade onde comunicam a decisão de voltarem para a terra, cada um para sua lavoura. Decidiram fazer o ritual de batizado e depois…”.


 


Esta professora guerreira, Guarani da resistência, já acusada pelos prepotentes da região de guerrilheira, recebe a decisão da comunidade com apreensão e orgulho. Afinal de contas já vai completar cem dias de beira de estrada e nenhuma decisão da justiça com relação ao direito a terra já homologada.


 


Adão, outro professor da comunidade, presente num seminário em Campo Grande, também recebe a notícia com preocupação e justeza. Havia acabado de fazer seu depoimento no plenário: “sem terra não tem educação, sem terra não tem paz, sem terra não teremos tranqüilidade”. Agora recebe a notícia comunicada ao ministro do Supremo Tribunal Federal: “a nossa comunidade decidiu para retornar cada pessoa em sua lavoura, onde está. Entendemos que não tem mais nada se fazer, é só julgar. Também informamos que morte entre índio e não índio é responsável a justiça federal”.


 


Em recentes contatos com os ministros do STF, haviam recebido a promessa de que a ação seria julgada o mais breve possível. Falava-se que poderia ser ainda em fevereiro, no retorno das férias. Depois se falou da probabilidade disso acontecer em março e agora as informações falam em abril.


 


Só quem já viveu esses cem dias na beira da estrada, sob o calor, o vento e a chuva, castigando os corpos franzinos de crianças, anciões, jovens e adultos, é que sabe o que significam um dia, um mês, séculos de sofrimento e resistência, sem resignação ou desesperança. Só quem tem muita fé em Tupã, celebra a vida com alegria a cada dia que amanhece, acredita na força heróica de seus antepassados e está munido da força e sabedoria milenar, é capaz de agüentar esses cem dias à beira da estrada e tomar a decisão de voltar à sua terra.


 


De São Paulo, um dos sensibilizados amigos da comunidade, acabara de informar que estão seguindo alimentos que arrecadara para ajudar a minorar o sofrimento desta comunidade Kaiowá Guarani. Serão bem vindos, respondeu a comunidade. Estão aguardando. Após esses cem dias, certamente muitas águas rolarão, até que a justiça seja feita e a paz brote nesse chão.




 


CARTA DA COMUNIDADE ÑANDERU AO MINISTRO DO STF


 


Comunidade de Nhanderu Marangatu, 23-03-2006


 


Ao Excelentíssimo Sr. Ministro do STF


 


Venho através desta informar vossa excelência que se passaram duas semanas para análise das procurações de anulação da homologação da TI Ñanderu Marangatu.


 


A nossa comunidade decidiu para retornar cada pessoa em sua lavoura, onde está.


 


Entendemos que não tem mais nada para se fazer, é só julgar.


 


Também informamos que morte entre índio e não índio é responsável a justiça federal.


 


Desde já agradecemos sua valorosa compreensão.


 


Comunidade indígena de Ñanderu Marangatu


 


Seguem assinaturas


 

Fonte: Cimi - Regional Mato Grosso do Sul
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